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Como a brasileira Tectoy briga e se reinventa, há quase quarenta anos, para ocupar seu espaço no mercado de videogames

Kaluan Bernardo - 22 ago 2024
Valdeni Rodrigues, CEO da Tectoy.
Kaluan Bernardo - 22 ago 2024
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Durante a Gamescom Latam, evento que em junho atraiu mais de 100 mil entusiastas de videogames em São Paulo, um dos estandes mais cheios era o da Tectoy. Ostentando o mesmo logo de décadas atrás, a empresa brasileira disputava, de igual para igual, o público de gigantes como a japonesa Nintendo.

Na ocasião, a Tectoy estava apresentando o Zeenix, um computador em formato de videogame portátil. O produto não é exatamente uma disrupção no mercado de jogos eletrônicos e deve concorrer com gigantes como o Steam Deck, da Valve, e o Rog Ally, da Asus, além de vários chineses que alguns jogadores importam. Mas o Zeenix é o único comercializado por uma empresa 100% nacional.

Entretanto, a curiosidade não estava restrita ao Zeenix. Muitos millennials por volta dos 30 anos, como o autor desta entrevista, cresceram com um produto da Tectoy em suas casas no final do século 20.

A Tectoy nasceu em 1987 e ganhou o mercado brasileiro ao firmar parceria com a japonesa Sega e comercializar videogames como o Master System e o Mega Drive durante os anos 1990. A empresa chegou a vender mais de 2 milhões de consoles e conquistar, por um tempo, a posição de líder de fabricação de brinquedos no Brasil.

Depois dos anos 2000, a maré mudou, com a empresa sofrendo consequências da crise financeira na Ásia e a Sega decidindo interromper a produção de videogames. A Tectoy se reposicionou como uma empresa de entretenimento em geral e passou a apostar em uma série de produtos, que iriam de karaokês a aparelhos de DVD.

Em 2009 a Tectoy se uniu à Qualcomm (que hoje produz os processadores da maioria dos smartphones) para lançar um videogame completamente novo, o Zeebo. O projeto trazia algumas ideias à frente do seu tempo: funcionava apenas com jogos digitais e contava com processador semelhante ao de um celular para poder vender mais barato.

Apesar da proposta ousada, o projeto deu muito errado e foi encerrado em quase dois anos. Os recursos e esforços investidos no projeto foram tamanhos que quase levaram a Tectoy a uma derrocada completa, e obrigaram a empresa a fechar capital na Bolsa

A companhia sobreviveu produzindo todo tipo de eletrônicos, até que, no fim de 2019, o grupo de investidores que adquiriu a marca no processo de fechamento da Bolsa, resolveu montar uma nova equipe. Valdeni Rodrigues, que vinha da área de vendas e softwares, foi convidado para ser o CEO.

O executivo assumiu a marca com a missão de revitalizá-la e reerguer a empresa na fabricação de eletrônicos. Nesse processo, ao visitar as fábricas da Tectoy na Zona Franca de Manaus, viu tudo quase parado e fabricando consoles em eventuais datas comemorativas. Um dos primeiros passos foi introduzir no mercado uma linha inovadora de equipamentos para automação comercial, através de uma parceria estratégica com empresa chinesa, trazendo também máquinas de cartão para o jogo.

É com esse histórico semelhante a uma montanha-russa que a Tectoy chegou em 2024 anunciando o Zeenix. O produto ainda não tem preço nem data para chegar ao mercado, mas está atraindo cada vez mais olhares curiosos.

Para entender como a empresa conseguiu sobreviver a tantos desafios e se reinventar e se reerguer tantas vezes, o Draft falou com Valdeni Rodrigues. Leia a seguir os principais trechos da conversa:

 

A Tectoy tem uma longa história, desde a década de 90, cheia de altos e baixos. Você chegou na era mais recente, depois de a empresa ter fechado capital e procurado novas identidades. Como foi essa chegada?
Fui convidado por um grupo de investidores, justamente para tentar reerguer a marca e, de certa forma, reerguer a empresa.

A Tectoy dos seus fundadores — aqueles que abriram capital e lançaram tudo — praticamente não existia mais. Havia apenas um grupo de funcionários, mas não passava de 20 pessoas daquela época.

A Tectoy só fabricava, de vez em quando, algum videogame como o Master System e o Mega Drive em um momento de comemoração ou a pedido de um varejista, quando surgia a demanda.

Mas a empresa já havia olhado para eletrônicos antes, certo?

O último lançamento dessa fase da Tectoy foi a babá eletrônica, entre 2014 e 2015.

Quando cheguei, em 2019, para visitar a fábrica em Manaus, vi que estava subaproveitada, produzindo apenas alguns poucos consoles em datas comemorativas

O que os investidores compraram, quando a empresa fechou o capital, foi principalmente a marca da Tectoy.

E o que eles buscavam com isso?

Principalmente a nostalgia. Mas também, ao mesmo tempo, para trazer produtos eletrônicos.

Tanto é que fui para a China, logo no começo do ano seguinte, para uma missão de fechar os primeiros produtos que traremos para cá. E assim fechamos os primeiros negócios e trouxe celular, caixinha de som, fone de ouvido, mouse, teclado gamer e produtos mantivessem essa ligação com a Tectoy.

Aí veio a pandemia, travou tudo e nos fez voltar a para a prancheta.

Nesse momento em que você estava indo para a China fazer essa busca, a ideia era só ficar importando? Ou vocês tinham o plano de, novamente, lançar um projeto proprietário?

Tínhamos a intenção de trazer um console, até em respeito à nossa história. Mas primeiro precisávamos reerguer a empresa.

Não sou visionário, fui contratado mais pelo meu perfil de gestor do que de inovador, mas tinha ali comigo as pessoas certas. E, por isso, estávamos fazendo pesquisas de como investir no mercado gamer

Nesse meio tempo, fomos nos aproximando do grupo Transire, que fabrica PoS [point of sale, como são conhecidas as maquininhas de cartão e outros dispositivos de pagamento]. Nós já havíamos produzido para eles e arrendado uma fábrica para eles.

Quando chegou a pandemia, vimos que o autoatendimento com maquininhas em quiosques estava crescendo e logo lembrei do nosso parceiro, a Transire. Nós já tínhamos o know-how de como fazer, além da fábrica. Então foi uma questão de unir o útil ao agradável e começamos a trabalhar mais juntos.

A partir desse momento, realmente nos posicionamos como uma empresa de eletrônicos, não de videogames. Se fabrico um celular ou um videogame, no final é uma linha de produção e distribuição só.

E apostando em eletrônicos amplamente, o que vocês trazem como diferencial? Porque são todos produtos com muitos concorrentes bem estabelecidos no mercado internacional…
Lembremos do cenário da pandemia: em 2020 todos estavam parados, em 2021 começamos a reaquecer e, em 2022, fomos para o mercado para valer. Nesse ano participamos da primeira feira para apresentar nossa plataforma comercial.

E nesse momento já chocamos o mercado ao apresentar nosso sistema rodando em Android, enquanto o mercado inteiro trabalha com Windows. Esse foi um dos paradigmas que quebramos nos últimos anos

Também vimos, nesse período, a falta de componentes eletrônicos para diversos mercados, inclusive o de PoS. Nos aproximamos ainda mais da Transire e fundimos as duas empresas.

Nos tornamos, da noite para o dia, líder na fabricação de meios de pagamentos no Brasil. Detemos praticamente 80% do market share brasileiro. E esse setor chega a representar 90% do nosso faturamento em alguns meses.

Ainda sobre o PoS, como vocês conquistaram o mercado? Qual o grande diferencial de vocês?
É claro que custo é sempre um fator decisivo, mas não é só ele. Temos muito cuidado com a qualidade do que produzimos, com os componentes que usamos, com as certificações, garantias, assistência técnica etc.

Somos muito elogiados em relação à qualidade de nossos PoS. Além disso, trazemos o DNA da Transire, que quebrou o paradigma lá em 2017, quando ela criou as maquininhas populares, que permitiu que essa tecnologia chegasse em qualquer tipo de comerciante.

A Transire acertou muito na personalização das maquininhas. Somos nós que personalizamos. A máquina, muitas vezes, é a mesma. Mas deixamos amarela para um, vermelha, branco, azul para outros e por aí vai

Essa personalização dá trabalho, mas nos ajuda a conquistar o mercado — principalmente porque fazemos tudo seguindo as várias regulamentações e homologações necessárias.

Mesmo com o acerto nesse setor do PoS, vocês ainda resolveram apostar nos videogames. Por quê?

A gente tem uma dívida com o nosso público gamer e não queríamos deixar de lado.

Depois da pandemia, olhamos para o mercado para procurar pessoas que entendessem de games para nos ajudar a entender o setor. Foi aí que chegamos em nomes como o Eddy Antonini e o Pedro Caxa, que nos ajudaram a entender o que temos em mãos

Recebo vários equipamentos, várias propostas da China, mas não sou gamer e não sei se é isso o que o público quer. E foi por isso que os chamamos, para nos ajudar a encontrar um fornecedor correto.

Foi assim que encontramos à Ayn [empresa chinesa que criou videogame que é o modelo do Zeenix], que já tem um produto bom e, mesmo assim, nos permitiu fazer alterações e nos concedeu exclusividade.

Não olhamos para o Zeenix como um console propriamente, mas como um PC gamer. É uma plataforma 3 em 1 em que você pode trabalhar, estudar e se divertir com os jogos. Só que em vez de fazer isso em um notebook, você faz em um produto com formato de console portátil

Isso nos dá liberdade, porque não queríamos repetir o passado e nos amarrar a uma plataforma ou empresa, como fizemos com a Sega no passado. Por isso preferimos apostar nessa ideia de oferecer liberdade total para o público e estamos, inclusive, usando o mote “Liberte seu jogo”.

A Ayn ainda nos permite trabalhar em um modelo em que, inicialmente, vendemos ele já importado da China, mas quando ele ganha volume, conseguimos montar aqui mesmo na nossa linha de produção da Zona Franca de Manaus.

Como vocês definiram a estratégia de apostar em um computador portátil, na forma de videogame? É um formato que tem crescido muito desde o lançamento do Steam Deck, em 2022.

A gente teve sucesso com a linha de informática. Trouxemos notebooks, tablets e eles foram muito bem aceitos. Chegar nesse modelo de computador miniaturizado e mais voltado aos gamers era natural.

Começamos a procurar fornecedores, mas foi um longo processo. Você vai para a China e encontra muitos produtos de alta qualidade, mas vários de baixa. Demorou um tempo até chegarmos a alguém que trabalhava exatamente no modelo que procurávamos

Queríamos algo multiplataforma para que ele não ficasse ultrapassado daqui a alguns anos ou ficarmos dependentes do licenciamento de uma grande empresa, como fizemos com a Sega no passado.

Estamos em um mercado agressivo. A competição espreme o tempo todo e, se você não tiver um pouquinho de espaço para flexibilizar o produto e os preços, você arrisca colocar centenas de milhares de máquinas no mercado — e depois não segura.

Quais são as expectativas de vendas do Zeenix?
Eu diria que se chegarmos a 100 mil vendas nos primeiros meses, considero um número razoável. Precisamos ver como cada usuário responderá ao produto. É como carro: às vezes você vê o mesmo modelo, do mesmo ano, na mão de duas pessoas: um está bonitinho e o outro todo detonado.

Vocês estão lançando um novo videogame, mas têm o trauma do Zeebo no passado. É claro que a empresa era outra, você mesmo não estava aí, mas imagino que estudou bastante o caso dele. Tem alguma lição que você traz dessa experiência?

Estudei mais ou menos, porque tudo ficou em segredo quando a Qualcomm levou o projeto embora. Não podemos nem usar o nome do Zeebo.

Mas é justamente a questão das parcerias que trazemos como aprendizado. Sabemos que temos que estruturar muito bem as relações com parceiros, tudo preto no branco. A gente tem que olhar e ver o que vai fazer, como vai fazer, como será o fornecimento etc.

Por isso vamos para a China, entramos nas fábricas dos parceiros, vemos se tudo é de qualidade. Às vezes você chega e não querem mostrar muita coisa. E, se nós não podemos ver tudo, não fazemos a parceria.

É essencial estruturar as parcerias, validar bem os produto e colocar as pessoas corretas do começo ao fim.

Além disso, com a fusão com a Transire, também ganhamos muito know-how de como trabalhar com fornecedores chineses com uma postura mais profissional, séria e com segurança.

A Tectoy ainda tem o mesmo logo dos anos 90, olhando para a nostalgia. Mas está lançando diversos eletrônicos e lançando um novo videogame. Afinal, o que ela quer ser?

Interpreto a partir do próprio nome: Tectoy. Tecnologia e brinquedos, diversão. Olhamos para os dois: queremos trazer uma boa tecnologia, mas não só para trabalhar, mas também para ter um pouco de entretenimento e diversão.

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