Depois que se formou, a arquiteta Roberta Caruso trabalhou em uma ONG de desenvolvimento socioambiental através do turismo de base comunitária. “Na época, as pessoas que viviam próximas as áreas de preservação ambiental ficaram tolhidas da exploração da terra em que viviam e desprovidas de ferramentas para trabalhar uma nova visão daqueles recursos. Não podiam caçar, extrair, cultivar e criar animais e também não sabiam que uma outra forma de turismo poderia atender às suas necessidades. A ONG na qual eu trabalhava ampliava esse olhar e capacitava essas pessoas através de cursos de monitoria ambiental, pousadas ecológicas, roteiros turísticos e, desta forma, criava a rede que atenderia o ecoturismo e sustentaria aquelas pessoas. Eu me encontrei ali, em pouco tempo entendi por onde deveria trilhar. Sempre tive um compromisso em ser feliz hoje. Queria fazer algo que eu gostasse, que tivesse a ver com minhas habilidades, mas que ao mesmo tempo pudesse ser útil para mais pessoas. Assim, mesmo tendo pouca experiência profissional resolvi empreender e abrir a Overland”. Uma empresa que nasceu com o propósito de resgatar a cultura do camping e dar o devido valor a essa prática tão simples e tão enriquecedora”. Vamos conhecer mais sobre a história dessa empreendedora:
Como nasceu a Overland?
A empresa foi criada em 2005 junto com meu namorado na época. Eu, arquiteta, envolvida com planejamento turístico em áreas naturais e arquitetura sustentável e ele guia de ecoturismo e escoteiro da vida toda. O hotel de barracas surgiu do nosso amor pela natureza e pelo desejo de levar muitas pessoas para viver essa experiência. Queríamos que todos pudessem colher os frutos que nós colhemos de autoconhecimento, valorização da natureza e entendimento das nossas necessidades básicas, amizades com entrega e confiança, autonomia e segurança para viver uma vida plena. No começo pensávamos que o projeto ganharia vida própria rapidamente e poderia atender necessidades nas mais diversas áreas, como por exemplo, se tornar uma ferramenta ou modelo para as comunidades que viviam em torno às áreas de preservação ambiental trabalharem o turismo. Ou poderia ser uma imersão educativa na natureza, um incentivo para aproximar as pessoas entre elas e ajudá-las a se conectarem e criarem amor pelo ambiente natural. Para me preparar, passei por muitas experiências, montei acampamento no Brasil todo e em Portugal.
E por fim, com muita vontade de criar raízes, surgiu a nossa parceria com o Voador, um espaço que nasceu para acolher um projeto de desenvolvimento integrado e sustentável, envolvendo permacultura, bioconstrução, reconstituição da mata nativa e educação ambiental em uma linda área, parte da unidade de conservação do Monumento Natural Estadual da Pedra Grande, no município de Atibaia/SP. Percebemos que o serviço de camping oferecido pela Overland só viria a completar e enriquecer essa experiência. Desta parceria nasceu o casamento, com tanta sinergia, era de se imaginar que nos tornaríamos um projeto único.
Como funciona a Overland?
Funciona assim: você quer acampar? Nós proporcionamos essa experiência para você. Junto ao Voador, agora temos uma casa própria onde recebemos hóspedes nas nossas temporadas ou fazemos eventos com data agendada. Mas se quiser levar essa experiência para outros lugares, nós vamos junto! Casamentos, aniversários, confraternizações de forma geral, além de eventos de arte, esporte e vivencias corporativas. É muito bom chegar em um lugar lindo para acampar e já encontrar sua barraca montada com cama de colchão de espuma, travesseiro, roupa de cama, toda a estrutura de higiene e restaurante com produtos da agrofloresta. No Voador ainda é possível fazer diversas atividades como trilhas, banho no lago, plantio de mudas, yoga, meditação e contemplação, seja na fogueira, na rede ou no deque com aquele visual da montanha. O conceito é a integração de nós mesmos com a natureza e o melhor aproveitamento de todos os seus recursos, benefícios e maravilhas, num clima de montanha. Além disso, podemos montar uma temporada do hotel de barracas no seu espaço, desde que seja um local onde a natureza impere, onde nossos olhos brilhem e nosso coração bata forte. Queremos, num futuro próximo, que surjam muitos lugares como o Voador, no mar, na montanha, no campo, na chapada em todo o Brasil e que as pessoas possam transitar livremente entre eles através da constituição de uma rede, onde todos possam ser membros. Um clube da natureza, da vida ao ar livre!
Como é a sua atuação na empresa?
Olhar para a frente, buscar parceiros que estejam alinhados e organizar o trabalho para que possa se tornar realidade. Crio e fomento o modelo de negócio, as parcerias e desenvolvo o planejamento estratégico. Tenho apoio para a gestão, para as finanças, para o jurídico, para a operação e para a comunicação. No começo da Overland eu fazia de tudo. Levou um tempo até eu encontrar uma equipe e os parceiros certos.
Quais os principais aprendizados trajetória?
Respeitar o tempo das pessoas, dos processos e das empresas sem perder o foco e o propósito de vista. Semear sempre que possível o que desejamos, mesmo quando nos encontramos em terras áridas! Quando temos uma visão, uma ideia, logo vem uma ansiedade em realizá-la. Achamos que estamos no controle de tudo e o sucesso só depende de nós e do nosso desempenho. Eis aí nosso engano. Nada se constrói ou desenvolve sozinho, tudo é fruto da intenção, da sinergia e da ação de um grupo de pessoas, sejam elas clientes, parceiros, fornecedores ou executores do projeto.
“É preciso saber esperar, ser flexível e respeitar o tempo de tudo, mas sem deixar de semear no sentido que se quer caminhar. Às vezes precisamos abrir mão do plano, aceitar o que se apresenta e saber entender a contribuição disso para o seu propósito. Esse sim, nunca deve ser perdido de vista. Podemos pegar atalhos, mas devemos seguir sempre a nossa verdadeira orientação”
Por outro lado, quais caminhos foram deixados de lado?
Participei de eventos e projetos que pouco significavam para o propósito da empresa, mas que trouxeram experiência, ganho financeiro e possibilidade do desenvolvimento do serviço. Investi e tentei desenvolver alguns projetos com parceiros que pareciam alinhados, mas que depois se mostraram despreparados, ainda precisavam amadurecer de alguma forma.
Neste caminho, quais foram os seus principais erros?
Um grande erro foi convidar um amigo para fazer parte da empresa só porque ele gostou da ideia, e eu estava precisando de mais pessoas para entregar o trabalho. Outro erro, ainda no início, foi acreditar que criar e gerir uma empresa é tão simples quanto andar de bicicleta! Basta ter uma ideia e trabalhar nela que tudo vai dar certo. Sim, tudo vai dar certo se você estiver preparado ou se tiver tempo para se preparar no meio do caminho. No caso, eu poderia ter me capacitado melhor antes de empreender. Com certeza teria perdido menos energia e menos dinheiro e sofrido menos estresse. Mais um erro? Deixar de analisar o mercado para saber se aquele é o momento certo para lançar um negócio. Em 2005, quando eu falava de um acampamento com serviço de hotelaria, as pessoas me olhavam com cara de interrogação, não conseguiam entender a proposta e nem o que isso tinha a ver com o trabalho deles. Trabalhar na contracultura sem um bom investimento em comunicação é muito difícil. O que eu estava propondo era mal visto. Quantas e quantas vezes eu ouvi: “Você quer propor acampamento? Mas isso é coisa de farofeiro, som alto, lixo, bebida…e ainda isso vai custar o valor de uma pousada? Está louca”.
E quais os seus maiores acertos?
Ser resiliente e persistente, sabia aonde queria chegar. Mas muitas vezes, persistir significa desistir de um caminho e optar por outro, mas sem perder o foco. Além disso, soube estabelecer prioridades, aceitei que não conseguiria fazer tudo que eu planejava, foquei no que era essencial e deixei o que poderia ficar para depois. Acertei, também, ao buscar apoio sempre que necessário e trocar experiências com outros empreendedores. Parece besteira, mas isso pode fazer a diferença entre seguir em frente e desistir do seu projeto. Acredito na importância de estabelecer boas parcerias e cultiva-las. Cuidar das pessoas que compartilham do seu trabalho é essencial, pois elas também são responsáveis pelo sucesso do projeto.
Na sua opinião, quais os cuidados para ter bons parceiros nos negócios?
Dedicar tempo em conhecer aquela empresa e consequentemente as pessoas que estão à frente do negócio em questão. Muitas vezes vi incoerências entre o que a empresa apresenta e o que ela é, de fato. E isso pode ser crucial no sucesso da parceria. Outra questão importante é saber o que sua empresa ou você deseja dessa parceria. Isso define o quão alinhada a empresa parceira deve ser da sua. Às vezes compartilhar do mesmo propósito já é o suficiente. Mas em alguns momentos pode ser necessário que as empresas parceiras tenham valores e as habilidades complementares. Eu acredito que bons parceiros trabalham com o mesmo propósito e seguem na mesma direção por caminhos diferentes.
“Para uma parceria dar certo é importante ter muita transparência e confiança, clareza nos papeis, objetivos e funções, para que não se sobreponham. Uma parceria pode ser boa para um período ou para a vida toda e tudo bem, ambas são válidas se bem entendidas”
Atuei em forma de parceria em muitos eventos, como Rally dos Sertões, Festival Universo Paralello, Festa do Peão de Barretos, Boom Festival, entre outros. Eles me ofereciam o espaço e eu dispunha do serviço para seu público. E em alguns casos houve conflitos por falta de uma boa comunicação e respeito. Estes são pontos essenciais para uma boa parceria.
Qual foi o maior desafio que enfrentou na vida empreendedora?
Nossa, foram muitos! Falta de dinheiro e de rendimento, de vida própria, de descanso. Cheguei a trabalhar 24 horas por dia. Mas aos poucos fui superando essas dificuldades, me mantendo sempre aberta a testar novos mercados, buscando aqueles que atendessem melhor as minhas necessidades, qualificando o trabalho e valorizando o serviço.
Qual foi a maior conquista até aqui?
Reputação, a Overland sempre foi conhecida pela qualidade do seu trabalho e compromisso em atender melhor.
Qual é o seu sonho?
Meu sonho é ver o Brasil prosperar com as suas riquezas naturais. Que cada parque nacional, estadual ou municipal possa ser visitado pelas pessoas do mundo todo, e que seja reconhecida a sua importância e, portanto, a sua preservação e valorização. Que possamos acampar em cada um deles, com toda segurança e estrutura necessária.
Na sua opinião, o que o empreendedorismo feminino tem de diferente?
A mulher tem suas características que a definem e também a fazem única. Sua visão é abrangente e envolve a satisfação de todos. Ela cuida e mantem a saúde da sua comunidade, seja uma família, uma escola, uma empresa ou um bairro. É da mulher que vem o maior amor e a maior necessidade de ajuda e vida em comunidade.
Qual seu maior objetivo?
Que muitas pessoas possam viver em paz, com amor e saúde, através do meu trabalho.
Se pudesse dar apenas uma dica para quem está querendo empreender, qual seria?
Empreenda com o seu propósito de vida. Esteja alinhada, seja aquilo que quer passar para os outros, faça o que gosta sem medo. E não se iluda: se você quer empreender para trabalhar pouco e ficar rica, está no caminho errado.
Para saber mais:
Overland: Hospedagem Pop up
O que faz: Serviço de hotelaria em camping, “Hotel de Barracas”.
Sede: Pompeia/SP
Início das atividades: 2005
Investimento inicial: 5 barracas.
Contato: [email protected]
Esta matéria pode ser encontrada no Itaú Mulher Empreendedora, uma plataforma feita para mulheres que acreditam nos seus sonhos. Não deixe de conferir (e se inspirar)!
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