Hoje uma gigante na venda de materiais de construção e artigos para o lar no mundo, a Leroy Merlin surgiu na França em 1923, fundada pelo casal Adolphe Leroy e Rose Merlin para, segundo se conta, vender produtos deixados para trás pelo exército dos Estados Unidos durante a Primeira Guerra Mundial.
A varejista chegou ao Brasil em 1998 e encontrou espaço para crescer no modelo de grandes lojas com uma variedade de dezenas de milhares de produtos – muito maior do que as ferragens de bairro que os clientes estavam acostumados a comprar —, e se tornou líder.
Entre as estratégias para manter sua liderança do setor no país, a multinacional francesa há dois anos e meio se inspirou na estratégia de outras varejistas e reformulou sua área de tecnologia. Deu uma nova visão ao time, passou a chamá-lo de LM Tech, e contratou Rodrigo Murta para comandar a área.
Formado em engenharia da computação, com especializações em negócios, Rodrigo teve passagem pela Motorola e Samsung e fez carreira na cervejaria Ambev. Ele mesmo tem testado os serviços da varejista, uma das frentes para ampliar a receita, e contratou a instalação de painéis solares na sua casa em Campinas.
Uma gestão de dados e informações melhor apurada, com feedbacks dos clientes, tem permitido à empresa reduzir o volume de estoque e tornar o mix de produtos das lojas mais preciso, ainda entregando os produtos que os clientes procuram. Veja mais detalhes na entrevista a seguir.
Como é essa frente de tecnologia e inovação da Leroy Merlin, a LMtech?
O time de tecnologia tem em torno de 500 pessoas, envolve inovação, produtos digitais, cibersegurança, infraestrutura, operações, dados. O nosso trabalho é criar valor por meio da tecnologia em parceria com as áreas de negócio. Criar produtos digitais e outras soluções de vendas e marketing, de suprimentos, logística, RH, financeiro.
O propósito é transformar o negócio da Leroy Merlin por meio da tecnologia, criando valor para os clientes, para os colaboradores, para os parceiros e fornecedores. E a nossa visão é ser referência de tecnologia no varejo do Brasil.
Temos times mais técnicos, como o de engenharia e arquitetura, que tem desenvolvedores, os arquitetos de solução. Temos outro time, de dados, com engenheiros de dados, arquitetos de dados, cientistas de dados, especialistas de BI. Temos o time de infraestrutura e operações, que mantém toda a nossa infraestrutura, seja de cloud, seja de dispositivos móveis, computadores e operações, garantindo que incidentes são tratados, que dúvidas são atendidas.
Temos um time bem enxuto de inovação, que está em contato com o ecossistema, startups, universidades, big techs que desenvolvem tecnologia e testam aqui com a gente. E o time de segurança da informação, que busca proteger de cyberattacks, garante a proteção de dados com a lei da LGPD.
A nossa estratégia tem três grandes pilares e seus indicadores. A modernização da nossa “cozinha” aqui de tecnologia, garantindo cada vez sistemas modernos, resilientes, seguros. O pilar de processos, muito ancorado em como trabalhamos, com foco grande em time to market. E o outro pilar, que para mim é o mais importante de todos, é o de pessoas. Buscamos atrair e reter os talentos de tecnologia, criar engajamento e satisfação dos colaboradores, e aumentar a diversidade.
Acredito que times diversos conseguem ser mais inovadores e criar mais valor. Na minha experiência de mais de 20 anos, quando tive times diversos comigo, foram as vezes que eu e meu time mais conseguimos entregar valor para a empresa
Nesse indicador de diversidade cuidamos de três em particular: gênero, raça e PCD. Nos últimos dois anos, conseguimos ter algumas evoluções. PCD, tinha 1% dos colaboradores de tecnologia como PCDs. Nossa meta para este ano era 5%. Estamos em 6.2%.
Na parte de raça é o que estamos mais atrás e estamos trabalhando com algumas vagas afirmativas. A meta para este ano é atingir 12%, fechamos em 3% no ano passado e estamos em 5% agora. Em gênero, quando entrei aqui, era em torno de 16% do time formado por mulheres. A nossa meta para este ano é 30% e já estamos em 26%.
Qual foi o desafio que você assumiu quando foi contratado para liderar essa área em janeiro de 2022?
Entrei para reestruturar o time e criarmos a LM Tech, com esse propósito, visão, indicadores e estratégia. Temos essa ambição de ser a plataforma de melhoria do lar para pessoas físicas de qualquer classe, A, B, C, D. E também atendemos empresas, profissionais, como arquitetos, engenheiros, mestres de obras, pintores, marceneiros, varejistas de construção, construtoras, escolas, empresas em geral.
Temos um marketplace que conecta esse público com produtos que não vendemos ainda de solução para o lar. Na loja tem mais ou menos uns 40, 45 mil produtos. E somando esses com o do marketplace, tem mais de 1 milhão de produtos no portfólio. Tem o nosso site também e o app, e a plataforma Leroy Merlin Empresas, exclusiva para o público B2B.
Dos 15 milhões de clientes que passam pelo Leroy Merlin todos os anos, 6 milhões já estão no nosso programa de fidelidade. Eles veem os benefícios, como os 2% de cashback nas compras, e têm uma frequência muito maior de compra anualmente do que um cliente que não é do programa de fidelidade. Então temos essa visão de ampliar cada vez mais, oferecendo novos benefícios
Tem uma plataforma financeira: se quiser fazer uma reforma que vai custar um pouco mais — vamos supor, 100 mil reais —, você tem a oportunidade de ter esse financiamento por meio do Leroy Merlin Pay, que oferece crédito personalizável e uma série de benefícios. Temos um cartão nosso, o Leroy Merlin Celebre, cartão de crédito, débito.
Tem uma plataforma também de projetos. Até 2016, vendíamos somente produtos e depois começou a expandir a parte de serviços, o Leroy Merlin Instala. Você compra ali um ar-condicionado, uma placa solar, e pode ter a instalação por meio da Leroy Merlin.
Desde 2023, estamos investindo bastante, escalando a questão do projeto, que é a solução completa. Quer fazer a reforma do seu banheiro ou da sua casa completa? Vai na Leroy e tem o projeto do começo ao fim, desde o projeto 3D, com os nossos colaboradores, arquitetos, até a compra do produto, a instalação, a limpeza. Está mais forte em São Paulo agora; estamos escalando para o resto do Brasil até o final do ano.
Hoje, 87% das nossas vendas ainda passam pelas lojas físicas. Você pode ver no nosso site os produtos que mais te interessam, montar uma lista de favoritos, e quando entrar na loja, conversar com o assessor, ele ter acesso ao seu wishlist, tirar suas dúvidas, e você tem os mesmos meios de pagamento que tem no site.
Temos investido em tecnologia para as lojas, como o autoatendimento. Tem o Clique e Retire, em que pode comprar pelo site ou o app, sem pagar frete, e retirar nos nossos lockers na loja, sem pegar fila. Temos o conversational commerce, que você pode conversar com um vendedor e tirar dúvidas, seja pelo Televendas, seja pelo WhatsApp
Fizemos toda uma automação usando a inteligência artificial, que o cliente consegue procurar os produtos dentro do WhatsApp, fechar a venda e acompanhar a entrega por e-mail do WhatsApp.
Nos últimos dois anos, investimos mais de 80 milhões [de reais] no nosso centro de distribuição em Cajamar, para ter automação e mais agilidade. São seis transelevadores que transportam produtos pesados cerâmicos com muita automação.
Hoje, no Brasil, na América Latina, não tem ninguém que consiga replicar. Isso se traduz em tempo menor de entrega para o cliente e também numa produtividade maior, com menos perdas, menos acidentes.
Estamos agora lançando o Leroy Merlin Ads para empresas fazerem propaganda nos nossos canais digitais, no nosso site, no nosso app com banners, numa busca patrocinada, ou nas nossas lojas com monitores que mostram as propagandas que possam ter sentido para os nossos clientes
Quando falamos de omnicanalidade, 90% dos nossos clientes visitam o site e a loja, por isso precisamos ter uma experiência integrada para encantar o cliente que busca melhorar o seu lar, o seu escritório, a sua empresa. Nossa obsessão aqui é cada vez mais melhorar o NPS [Net Promoter Score: métrica de lealdade e satisfação dos clientes em relação a uma empresa ou marca]. Sabemos que isso vai trazer mais vendas e mais negócios.
Isso é continuamente evoluído com base na opinião dos clientes. No ano passado, coletamos mais de 165 mil feedbacks em notas, e desse total, 60%, ou seja, mais ou menos 100 mil verbalizaram coisas que estavam funcionando, que deveríamos manter e coisas que não estavam funcionando bem, que deveríamos melhorar.
Fora esses feedbacks, no ano passado tivemos 10 mil clientes ocultos, que são empresas que contratamos para atuar como cliente e gerar um relatório bem detalhado da experiência na loja e no site.
Um estudo global feito pela Adeo [empresa francesa dona da Leroy Merlin] descobriu que a cada ponto de NPS que melhoramos, podemos gerar 30% de conversão em vendas, o que implica em mais de 1,5 bilhões de euros de aumento em vendas
Por outro lado, cada detrator que aparece no nosso NPS, vemos uma redução de 38% no lifetime value [LTV ou Valor Vitalício do Cliente: métrica que estima o valor total que um cliente gera para uma empresa durante todo o período em que mantém um relacionamento com essa empresa].
É importante encantar o cliente, satisfazê-lo, porque isso gera negócio, gera valor.
O setor de materiais de construção e artigos de decoração é bastante pulverizado no Brasil, com muitas lojas de bairro, lojas online de nicho, mas também tem marketplaces concorrentes bem fortes. Como você está vendo esse mercado?
O mercado de casa sempre foi muito pulverizado mesmo, é de mais ou menos 150 bilhões de reais no Brasil. Hoje somos líderes nesse segmento de melhoria do lar, com faturamento próximo a 10 bilhões de reais, e não tem nenhum outro que oferece essa plataforma consolidada.
Você pode comprar uma ferramenta, por exemplo, num concorrente digital nosso, mas você não vai conseguir comprar um ar-condicionado com instalação, um ano de garantia, podendo fazer o financiamento com uma taxa super atrativa, e 2% de cashback.
Só no ano passado foram 400 mil serviços de instalação feitos no Brasil: temos mais de 2 mil prestadores de serviços, mais de 50 mil itens que podem ser instalados por meio deles. Essa proposta de valor é um diferencial competitivo que hoje não existe no mercado
Buscamos aumentar a nossa participação de mercado, aumentar o número de clientes. Estamos fazendo uma expansão geográfica nacional. Na semana passada, eu estava em Joinville na sexta-feira abrindo mais uma loja nossa do modelo formato grande. No ano passado, inauguramos em Salvador.
Hoje, temos 46 lojas no Brasil de formatos grandes, sete no formato express, que são essas de bairro, e uma loja especializada em móveis de jardim, que é a Naterial, em Florianópolis.
Como vocês têm utilizado as novas tecnologias para alcançar essas metas?
Temos uma estratégia de não buscar testar coisas em que não vemos um potencial de criação de valor bem claro.
Vou dar um exemplo. Dois anos atrás, muitos jornalistas, pessoas de fora e até mesmo de dentro me perguntavam: quando teríamos um terreno no metaverso para vender produtos? Eu respondia: “Quando nossos clientes estiverem no metaverso; hoje eles não estão”. Mas eu me sentia pressionado a termos um terreno no metaverso. Consegui segurar firme e passou o hype.
Hoje a inteligência artificial está super hype, mas já estamos trabalhando com IA nos últimos anos porque, de fato, vemos um potencial de criação de valor bem grande para melhorar a experiência do cliente e melhorar a produtividade dos times.
Em IA preditiva, temos um projeto para melhorar a nossa compra, torná-la mais inteligente, reduzindo a quantidade dos produtos sem impactar em ruptura de estoque e o cliente não conseguir encontrar o produto
Temos investido bastante em personalização, conhecer bem o cliente, o gosto dele, o momento de vida dele para oferecer os produtos e descontos para aquilo que faz sentido para ele. Usar cada vez mais dados para conseguir ter uma experiência que seja “uau! Isso aqui é feito para mim, e não para um grupo de pessoas”.
É super complexo porque quando você vai numa loja tem o colaborador que conhece muito da seção de tintas, o que conhece muito da seção de móveis de jardim, o da seção elétrica… Queremos consolidar esse conhecimento numa instância inteligente com tecnologia.
Em IA generativa, estamos testando uma busca sofisticada com 5% dos clientes do nosso site: um assistente em que a pessoa fala o que precisa, mais detalhes como medidas e o orçamento que possui, e o sistema dá sugestões
Por exemplo: quero reformar o quarto da minha filha de 7 anos, que é fã da Barbie; tenho um orçamento de 3 mil reais, e o quarto dela tem 9 metros quadrados. E aí o sistema oferece os produtos correlacionados ao tema da Barbie: a tinta rosa para pintar a parede, o tapete da Barbie, a luminária rosa, elementos nesse sentido — e para o cliente fechar o carrinho dentro do seu orçamento.
Acredito que teremos bastantes frutos positivos no teste desse serviço, que estamos chamando de concierge: o cliente ter todas as informações necessárias para não errar na escolha e atingir seu objetivo com a compra.
Outra questão que estamos testando é o cliente poder enviar uma foto do seu ambiente e receber sugestões para fazer uma reformulação com os produtos da Leroy Merlin
Por exemplo, encontrar o assento correto para o vaso sanitário, porque tem muitos tipos diferentes e precisa ser um específico para o modelo que o cliente já tem. Então, são coisas que estamos trabalhando que têm um potencial super bacana…
Temos usado tecnologias de mercado como o Copilot que ajuda o desenvolvedor a programar, e temos notado uma melhoria de produtividade em torno de 20%.
Também desenvolvemos, dentro de casa, um modelo usando IA generativa que faz uma descrição bacana dos produtos no site, porque produtos com uma boa descrição têm uma conversão maior — e esse modelo tem um custo e um tempo de entrega muito melhor do que contratar uma agência para fazer uma descrição do produto.
Investimos em cibersegurança na parte de IA, adotando soluções de mercado para fazer o monitoramento de forma mais inteligente e ter menos falsos positivos, que é algo que parece uma ameaça mas não é.
Vocês estão cuidando da questão do aumento do gasto de energia elétrica por causa da IA?
Usamos todas as soluções na nuvem, e existe um gasto de energia grande para fazer resfriamento de servidores.
Hoje tem poucos grandes players de nuvem como Google, Amazon, Microsoft; recentemente vi a sua matéria com a Magalu. Essas empresas estão cada vez mais focadas em reduzir consumo de energia para fazer resfriamento de servidores. E como usuários dessa infraestrutura na nuvem, temos as FinOps, que é buscar otimizações para cada vez mais reduzir o custo de nuvem.
Nos últimos três anos, conseguimos, mesmo aumentando a nossa operação, reduzir o nosso gasto com a nuvem. Isso é resultado de muito trabalho que fazemos de otimização dos algoritmos, por exemplo, para que eles sejam cada vez mais inteligentes e não façam algo que vai demandar muito dos servidores.
Temos algumas pessoas que são os grandes animadores desse tema de FineOps e eles trabalham com os times de desenvolvimento em uma série de iniciativas de melhorias que tem que ser feitas em código e em infraestrutura para reduzir esse custo.
Por exemplo: imagina um sistema que fica consumindo a infraestrutura de nuvem 24 horas por dia, só que os usuários desse sistema só utilizam das 8 da manhã até as 6 da tarde. Eu tenho que desligar esse consumo das 6 da tarde até as 8 da manhã para reduzir o meu consumo de nuvem, consequentemente o custo e o consumo de energia.
Esse é só um exemplo, aqui existem muitas maneiras. Como construir um algoritmo de inteligência artificial mais sofisticado que vai reduzir a quantidade de interações e o consumo de dados na nuvem, o gasto de energia
Tem centenas de itens que esse time acompanha e vamos ao longo do tempo evangelizando todos os times e acompanhando a evolução de cada um deles nesse tema.
Como vão ser as construções do futuro? Mais sustentáveis? E quais tendências já estão acontecendo hoje?
Vemos um futuro em que as casas são cada vez mais inteligentes e conectadas. Hoje pelo nosso site você já consegue comprar fechaduras digitais, lâmpadas e tomadas conectadas no Wi-Fi, portões eletrônicos e sensores em geral.
Se você tem uma tubulação com sensores, vai poder detectar um vazamento e já cortar o fluxo de água enquanto não resolver aquele problema.
No futuro, acredito que o seu vaso sanitário vai poder te dar até um exame de urina, por exemplo — mas isso são coisas mais pra frente
Hoje levamos muito a sério a agenda ESG. Temos mais de 5 mil produtos considerados positivos na pegada ecológica; o que eu vejo para o futuro que já está acontecendo no presente é cada vez mais produtos positivos, ecologicamente interessantes — e cada vez mais uma casa conectada, inteligente, que gera comodidade, conforto e também melhora o meio ambiente.
CIO e diretora de serviços digitais da Mondelēz Brasil, dona das marcas Lacta, Bis, Oreo e Trident, Leila Zimmermann conta como a empresa vem explorando o uso de IA em várias frentes, inclusive na precificação inteligente de seus produtos.
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