Para entender os calçados da PAR é preciso estar a par, com o perdão do trocadilho, de algumas características. A mais visível é a ausência de cadarço: eles têm um elástico interno que permite o uso sem o item (que é vendido separadamente, com opções em diversas cores). O material também é incomum: o tecido é uma mistura de algodão ecológico com fibras de PET reciclada, e a sola é de látex. Tudo isso, por fim, vem não em uma caixa de papelão, mas em uma espécie de “bolsa quadrada”, feita de faixas e banners descartados — e confeccionada pelas artesãs do Cardume de Mães, iniciativa da ONG Arrastão, que empodera mulheres no Campo Limpo, na periferia de São Paulo. A PAR é um projeto das irmãs Jéssica e Liz Unikowski.
Jéssica, 36, traçou sua carreira em grandes empresas. Formada em contabilidade na Universidade Federal do Rio de Janeiro, trabalhou por cerca de 10 anos na multinacional de telecomunicações TIM. Depois de tanto tempo na mesma empresa, decidiu estudar fora do país, e entre 2011 e 2013 ela fez um MBA na Babson College, nos Estados Unidos. A escola é reconhecida internacionalmente por seu viés empreendedor, mas, na época, ter um negócio não passava pela cabeça dela.
Ela já tinha passado por diferentes áreas dentro da empresa, contabilidade, financeiro e até marketing e imaginou que o foco em empreendedorismo da Babson College facilitaria o link entre as suas habilidades. “Só que minha intenção era atuar de maneira empreendedora dentro de uma grande empresa, pois foi isso que aprendi a entender como carreira”, diz.
Tanto que, na volta ao Brasil, Jéssica ingressou na Johnson & Johnson. Mudou-se para São Paulo (ela é do Rio de Janeiro) e trabalhou na multinacional por pouco mais de um ano, até o projeto em que ela estava inserida ser concluído. Sem emprego, começou a analisar as possibilidades em outras grandes corporações, mas não sentia mais tanto entusiasmo pelo que aparecia. Em paralelo, havia uma ideia de negócio de sua irmã, Liz, 33, guardada na gaveta.
É PRECISO INVESTIR TEMPO PARA TIRAR O SONHO DA GAVETA
Designer de moda, Liz queria criar uma marca de calçados que respeitasse as pessoas envolvidas na cadeia de produção e o meio ambiente. “O sonho era da Liz, eu fui me apaixonando aos poucos”, conta Jéssica. Só que, trabalhando como funcionária em outras empresas, Liz não encontrava tempo para tirar sua ideia do papel. Foi da união dessas duas situações que, em 2015, nasceu a PAR, uma marca de calçados estabelecida no Rio de Janeiro.
O negócio começou bem pequeno, aos poucos. Liz desenhou um único modelo de sapato feito em algodão, pois a ideia, desde o começo, era confeccionar um produto em tecido natural, que impactasse menos o meio ambiente na hora que sua vida útil acabasse.
Sapato desenhado, Jéssica e Liz distribuíram alguns pares para as amigas testarem. Dessa experiência, colheram feedbacks e adaptaram pequenos detalhes técnicos na feitura do calçado para aumentar o conforto (como a altura da parte traseira da sola). Feito isso, a dupla investiu 10 mil reais para produzir os primeiros 100 pares, usando as instalações de uma indústria parceira, localizada no Rio Grande do Sul. Isso era dezembro de 2015. Nessa época, Jéssica estava integralmente dedicada ao negócio e — para economizar, já que não tinha mais salário — tinha voltado a morar na casa dos pais (no Rio de Janeiro). Enquanto isso, Liz ainda se dividia entre o emprego e a PAR.
A primeira leva produzida foi vendida, em grande parte, em uma feirinha no Rio de Janeiro, pouco antes do Natal daquele ano. “Queríamos ver como o consumidor reagiria ao produto, e a aceitação foi muito boa”, diz Jéssica. Em fevereiro, as empreendedoras montaram a primeira versão do site, mas acharam “tudo muito precário” e quatro meses depois refizeram a loja online. Nesse momento, contrataram um fotógrafo profissional para fazer as fotos da coleção e passaram a construir o branding da marca, para montar as campanhas nas redes sociais.
UM NEGÓCIO SOCIALMENTE RESPONSÁVEL PRECISA EVOLUIR SEMPRE
Com as vendas aumentando, em março de 2017, Liz finalmente pediu demissão para focar completamente na PAR. Dessa forma, encontrou tempo para se aprofundar nas pesquisas a fim de tornar o sapato ainda mais amigo do meio ambiente. Em suas buscas, a empreendedora encontrou um tecido feito de algodão ecológico misturado com fibra de garrafa PET usada — e migrou toda a coleção para esse novo material. “A gente vai alinhando as coisas no decorrer do caminho. É uma evolução constante”, conta ela.
Hoje, todos os sapatos da nova linha ECO utilizam essa matéria-prima. Outra evolução do produto aconteceu na sola, antes confeccionada a partir de uma composição misturada com borracha EVA e que, agora, é feita em látex. “Tem impacto menor no momento da decomposição e aumenta a durabilidade do produto”, diz Liz. Ela fala dessa evolução em etapas:
“Partindo de uma consciência social e ambiental, tentamos alinhar nosso produto da melhor forma possível. Tem coisas que não dá para fazer da noite para o dia. É um processo.”
Ainda pensando na questão social, além da ambiental, desde o princípio a PAR tem uma parceria com o Cardume de Mães, um grupo produtivo de mulheres artesãs formado dentro da ONG Projeto Arrastão. São elas que produzem a sacola feita de material reciclado que acompanha os sapatos da PAR (em vez da caixa de sapatos convencional, de papelão). Ao optar pela sacola, que pode ser usada para diversos fins, as empreendedoras geram menos lixo – e ainda apoiam uma causa social. “É uma forma indireta de o consumidor apoiar a causa também”, fala Jéssica.
“Tem empresa que nasce com um plano de negócios superestruturado, mas com a gente foi diferente. Fomos tateando e vendo o que tinha que ser feito”, prossegue. Dessa forma, diz, o crescimento da PAR é contínuo, mas vai a um ritmo mais lento. “Sabia que não podíamos ter pressa, porque não temos equipe para operacionalizar um crescimento acelerado”, emenda Liz.
AGORA, A VONTADE É CRESCER
Ainda hoje, dois anos após o início da operação, a empresa não tem funcionários além das fundadoras: Jéssica e Liz dão conta de tudo. As duas irmãs se complementam, até pela formação acadêmica. Liz fica responsável pelo desenvolvimento e aperfeiçoamento do produto, enquanto Jéssica administra o negócio e faz, inclusive, o atendimento ao cliente, respondendo as dúvidas que chegam pelo site e via WhatsApp.
A PAR vende, atualmente, cerca de 60 pares de calçados por mês — cada um custa entre 172 reais e 182 reais — somente na loja online. Outros 40 pares são vendidos em dois marketplaces parceiros, a Mais Alma e o Freak Market, e na loja física Ô, que fica no Rio de Janeiro. O faturamento mensal fica em torno de 15 mil reais.
Em 2017, Liz fez um curso longo focado em produção sustentável de calçado. Viajou para Holanda, Itália e China, onde conheceu novas experiências na área. De volta ao Brasil desde setembro, agora ela estuda o que pode ser aplicado na PAR. Ela fala a respeito:
“Ser sustentável no setor da moda requer inovação e aperfeiçoamento constante. Não é fácil, nem sempre há fornecedores para o que queremos, há muitas barreiras para atravessar”
As duas irmãs acreditam que este ano promete ser de crescimento para a PAR. É o que esperam, já que agora — pela primeira vez — as duas estarão finalmente 100% dedicadas ao negócio e presentes no dia a dia. Elas pensam, também, em atrair um investidor para crescer mais rapidamente. “O negócio já está experimentado, agora é hora de fazer girar”, diz Jéssica, pronta para dar o próximo passo.
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