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Como a Saúde Trevo quer democratizar o acesso a exames médicos (e ainda garantir a sobrevivência dos pequenos laboratórios)

Marília Marasciulo - 10 fev 2025
Ana Elisa Siqueira, cofundadora da Saúde Trevo.
Marília Marasciulo - 10 fev 2025
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A falta de acesso a exames laboratoriais ainda é uma barreira para milhões de brasileiros. Segundo estimativa da startup Saúde Trevo, mais de 1 bilhão de exames deixam de ser feitos no Brasil por demora do sistema público ou alto custo no sistema privado. 

Fundada em 2022 pela médica paulistana Ana Elisa Siqueira (hoje com 53 anos) e o engenheiro Adam Alves (37), a startup quer mudar essa realidade com um modelo de negócios que funciona como uma espécie de marketplace de exames em pequenos laboratórios: os pacientes acessam a plataforma, buscam exames pelo menor preço e agendam em laboratórios parceiros, que preenchem suas horas ociosas sem precisar investir em publicidade ou tecnologia.

Ana Elisa explica:

“Enxergamos uma oportunidade de consolidar os laboratórios menores em uma grande rede, dentro da lógica de trazer sustentabilidade para o sistema gerando acesso e apoiando o prestador”

Em menos de dois anos, a Saúde Trevo fechou parceria com mais de 55 marcas e 170 unidades em São Paulo, Osasco, Campinas e Presidente Prudente. Em 2023, captou 5 milhões de reais em sua segunda rodada de investimento e agora mira expansão para Minas Gerais.

AO TRANSFORMAR A GESTÃO DE PACIENTES CRÔNICOS, ELA CRIOU UM MODELO QUE CHAMOU A ATENÇÃO DO MERCADO

Formada pela Santa Casa de São Paulo, Ana Elisa vem de uma família de médicos — seu pai foi um dos donos do Hospital Assunção, em São Bernardo do Campo, vendido para a Rede D’Or em 2010 — , e construiu a carreira na gestão de saúde. 

Ana Elisa Siqueira e Adam Alves, sócios da Saúde Trevo.

Inicialmente, atuou como oftalmologista, mas logo percebeu que sua vocação estava na administração hospitalar e na busca por modelos mais sustentáveis para o setor. 

Com essa visão, Ana Elisa criou sua primeira empresa no início dos anos 2000, focada em internação domiciliar, quando o modelo ainda era incipiente no Brasil. Chegou a ser o terceiro maior home care do país, com 1 500 leitos espalhados em diferentes estados.

A experiência no atendimento domiciliar a levou a desenvolver uma abordagem mais ampla para a gestão de pacientes crônicos. 

“Acabamos virando uma empresa de coordenação de saúde, com foco em atenção primária, em uma época em que a atenção primária existia só no SUS”

Batizada Semeando Saúde, a empresa transformou o setor ao estruturar um sistema de coordenação de cuidados primários para operadoras de saúde, reduzindo significativamente os custos de internação e promovendo maior qualidade de vida para os pacientes. 

“A gente pegava a carteira dos planos, estratificava os riscos e criava diferentes protocolos, para diferentes linhas de cuidados”, diz Ana Elisa. “Endereçávamos os pacientes para os médicos com uma plataforma que acabou criando, de maneira virtual, unidades de atenção primária espalhadas pelo Brasil inteiro.” 

Segundo a médica, a estratégia chegou a reduzir de 30% a 40% no índice de sinistros em carteiras com 40 mil pessoas. 

“Como dava muito resultado, ficou muito hypado, e começamos a ser assediados para vender a plataforma ou fazer um joint venture com grandes grupos”

Em 2018, Ana Elisa vendeu parte do negócio para o fundo DNA Capital, fundado por Pedro Bueno, presidente do Grupo Dasa, empresa líder em medicina diagnóstica no Brasil e quinta maior do setor no mundo. 

“O que me interessava ali eram os dados, que nos possibilitariam trabalhar os protocolos de forma mais rápida”, diz Ana Elisa. Em 2020, ela vendeu 100% da empresa para o grupo, onde ficou até o ano seguinte.

A FALTA DE ACESSO A EXAMES SE MOSTROU UMA OPORTUNIDADE DE NEGÓCIO DE IMPACTO

Após anos atuando em grandes corporações, Ana Elisa decidiu empreender novamente. 

“Pensei que não dava para não aproveitar todo esse know how que desenvolvi dentro da saúde. Mas tinha a certeza de que não queria trabalhar para a saúde suplementar. Se fizesse algo, teria que trazer impacto”

Diante do dado de que 75% da população brasileira não tem acesso a planos de saúde, ela começou a pensar no que fazer para ajudar essa parcela de brasileiros a cuidarem da saúde. “Na minha saída da Dasa, assinei um non compete [cláusula de não-concorrência], mas como não queria atuar na saúde suplementar, foi mais fácil”, diz.

Com a visão de que queria desenvolver uma solução B2C, Ana Elisa entendeu que precisaria de muita tecnologia para tornar qualquer negócio escalável. Foi por isso que decidiu buscar Adam. 

“Conheci o Adam quando vendi a primeira parte do controle da Semeando Saúde para o Pedro. Ele é engenheiro, jovem, formado pelo ITA, então tem uma grande capacidade e competência que criam sinergia”

Adam topou entrar no negócio. Em 2022, ainda sem a menor ideia do que iriam fazer, eles criaram o CNPJ da Saúde Trevo. Passaram seis meses estudando tendências, visitando serviços de saúde e levantando dados. 

O primeiro ensaio foi mirar em cirurgias de baixo custo — e foi aí que perceberam a demanda por exames. “Começamos a ser assediados para fazer exames, porque na verdade faríamos os exames para a cirurgia, mas não fazíamos só os exames.”

Os dois descobriram, então, que a palavra “exame” era tão buscada no Google quanto a palavra “passagem”. 

“Mas as pessoas encontram ou muita informação técnica, ou as grandes marcas, onde o preço do exame chega a ser nove vezes maior do que nos laboratórios menores” 

Segundo Ana Elisa, um hemograma que custa 68 reais em laboratórios como o Lavoisier sai por apenas 4 reais nos laboratórios que fazem parte da Saúde Trevo. 

Qual o segredo? É que, enquanto os grandes laboratórios precisam investir em desenvolvimento de marca e ativos imobiliários, os pequenos laboratórios funcionam mais como postos de coleta — mas, sem verba para publicidade ou presença digital, acabam não alcançando a demanda. 

Porém, a qualidade dos resultados, assegura Ana Elisa, é a mesma, visto que 90% dos exames realizados no país são processados pelos mesmos quatro grandes laboratórios – ainda que a coleta tenha sido feita em um laboratório menor, como os estabelecimentos parceiros da Saúde Trevo.

CONCENTRAR RESULTADOS NUM LOCAL PODE AJUDAR A EQUILIBRAR A DEMANDA CRESCENTE POR EXAMES E O ACESSO DESIGUAL AO DIAGNÓSTICO

No final de 2022, os sócios lançaram um MVP que, nas palavras de Ana Elisa, era uma espécie de “Buscapé de exames”. 

“Era uma experiência [de navegabilidade] horrorosa, mas as pessoas estavam comprando”, diz a fundadora. “Então, pensamos que se as pessoas estão comprando dessa maneira, é porque realmente precisa, e estávamos diante de um oceano azul.”

Para Ana Elisa, significava também que o produto atenderia suas três expectativas: gerar acesso, ajudar pequenos prestadores de serviços e ajudar o SUS. 

“Se consigo ajudar quem depende do SUS e pode pagar por um exame com preço mais acessível, acabo fazendo a fila andar para quem não consegue”

Porém, um paradoxo da saúde no Brasil atualmente é que, ao mesmo tempo em que milhões de exames deixam de ser feitos por falta de acesso, o número de exames realizados no país não para de crescer. Em 2023, os planos de saúde realizaram 1,2 bilhão de exames, um aumento de 7,1% em relação ao ano anterior, de acordo com a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). 

Em alguns casos específicos, a média de exames por habitante realizados no Brasil está muito acima da média da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), grupo do qual hoje fazem parte 38 países, incluindo EUA, Canadá, Chile, Colômbia, boa parte da Europa, Turquia, Coreia do Sul, Japão e Austrália.

Um exemplo é a ressonância magnética: segundo o relatório “SUS: avaliação da eficiência do gasto público em saúde”, elaborado em conjunto pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), enquanto em 2016 a ANS registrou uma taxa de 149 ressonâncias magnéticas a cada 1 000 habitantes na saúde suplementar, os países da OCDE contabilizaram 52 exames a cada 1 000 pessoas em 2013.

Embora a Saúde Trevo não entre na discussão técnica sobre a necessidade de cada exame, a plataforma afirma que pode ajudar a mitigar esse problema ao integrar resultados em um único lugar. “Do ponto de vista prático, isso pode ajudar o médico a visualizar melhor os exames já realizados e evitar repetições desnecessárias”, afirma Ana Elisa.

COM UMA ESTRATÉGIA DE “REDE ATÔMICA”, A SAÚDE TREVO MIRA UM PÚBLICO COM RENDA A PARTIR DE 2 500 REAIS

Depois de captar 3,6 milhões de reais de investidores anjo para investir em tecnologia, a dupla lançou a primeira versão da plataforma em agosto de 2023, que funcionava só em Osasco e com poucos laboratórios. 

“De 2023 até o final de 2024, tivemos um trabalho estruturante de fazer a tecnologia tornar a experiência mais fácil e entregar confiabilidade” 

O resultado é a plataforma atual, na qual o paciente não precisa pagar mensalidade, nem ter um cartão: é só entrar no site, comprar o exame e agendar. A plataforma permite ao usuário selecionar exames por preço, proximidade ou qualidade, e montar pacotes combinando diferentes laboratórios. A monetização fica por conta de um take rate do laboratório, que a Saúde Trevo não divulga por questões estratégicas.

Hoje, o público alvo são pessoas com renda a partir de 2 500 reais, que têm um ticket médio de cerca de 230 reais. 

“Começamos a trazer para o sistema de saúde o modelo de saúde complementar. Antes, existia uma grande discussão sobre equidade, mas agora já entendemos que é benéfico, porque desafoga a fila de quem não consegue pagar”

Com 20 pessoas na equipe, a Saúde Trevo tem um plano de crescimento que segue uma estratégia de “rede atômica”, na qual a empresa fortalece ecossistemas locais antes de escalar para novas cidades. Dessa forma, a ideia é garantir que a oferta de laboratórios acompanhe a demanda dos pacientes, criando um modelo sustentável a longo prazo.

Outra aposta são as parcerias com médicos. A ideia é convencer os profissionais a recomendar a plataforma como uma solução confiável para pacientes que encontram dificuldade em realizar exames no SUS e tampouco têm condições de arcar com os custos dos grandes laboratórios privados. 

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