O casal de empreendedores Petter de Oliveira, 28, e Cristiane de Oliveira, 38, não para de se reinventar. Ele, o “cara das métricas”: paraibano, jornalista, criado no Rio de Janeiro, já foi rapper, oficineiro e vendeu bala no semáforo. Ela, a “mina da criação”: mulher negra, filha de empregada, foi camelô, dona de bar, professora e produtora cultural. Juntos, eles têm, digamos, seis filhos: três “humanos” (o mais velho, com 23 anos), duas cachorras e a menina dos olhos, a agência digital TudoNosso. Criada pela paixão de fazer crescer os pequenos negócios da Baixada Fluminense – onde moram e de onde não arredam o pé —, a empresa que começou cuidando do Facebook de escolas, mercadinhos e pizzarias de Nova Iguaçu, hoje é reconhecida pelo próprio Facebook como um negócio inspirador para outras quebradas mundo afora.
O bichinho do empreendedorismo picou o casal em 2013, quando Cristiane, ao atuar como produtora cultural no Sesc Nova Iguaçu, passou a comparar o então emprego, perto de casa, com outros que já teve desde que começou a trabalhar, aos 14 anos. Geralmente, o tempo de locomoção, da Baixada Fluminense para um serviço na zona sul do Rio, era de quatro horas diárias (ida e volta), isso sem contar o estresse de ir e voltar “espremida no trem”, os atrasos do transporte e o engarrafamento. “Eu chegava em casa e não era ninguém. Não dava tempo de fazer mais nada. Quando comecei a trabalhar em Nova Iguaçu, questionei: por que a gente tinha que sair para trabalhar fora?”, conta a sócia da agência TudoNosso.
COMO INVERTER A LÓGICA DE MERCADO QUE PRIVILEGIA OS PRIVILEGIADOS?
Enquanto a questão pulsava, o marido, jornalista, trabalhava como pesquisador no Esquenta, programa da Rede Globo apresentado por Regina Casé, mas também estava em um processo de questionamentos e transformação:
“Eu já era da área da comunicação, então pensei:” ‘Como posso usar essa habilidade para criar um negócio que gere impacto no meu território?’”
Ele se refere ao território longe dos grandes centros, as áreas periféricas e que, pela lógica do mercado, dificilmente sairiam dessa condição. Petter prossegue: “As empresas médias e grandes sempre tiveram departamento de marketing ou acesso a agências de publicidade, mas a gente começou a ver que territórios populares não tinham essa estrutura”.
Partindo da ideia de que os negócios do entorno, por menores que fossem, também mereciam ser devidamente divulgados, mas que dificilmente poderiam pagar por um contrato das grandes agências, ele e Cristiane arregaçaram as mangas na tentativa de cumprir essa missão. O nome? TudoNosso.
Decididos a criar uma agência de comunicação e marketing capaz de atender a esses pequenos e médios negócios da Baixada, o casal começou a tocar o projeto, paralelamente aos empregos que tinham. O destino deu uma mãozinha e, em 2014, o contrato de Petter com o programa de Regina Casé acabou. Com a grana da rescisão e mais um pouco de economias que ele já vinha juntando, conseguiu somar 15 mil reais. Com este modesto investimento, o jornalista e a produtora, já com CNPJ, alugaram a sala comercial em Nova Iguaçu que seria a primeira sede da agência.
Mas tinha um detalhe: faltavam os clientes. “Montamos a sala pagando seis meses de aluguel, já tínhamos bancado as máquinas e os móveis, então tínhamos só esse período para conseguir clientes”, diz Cristiane. Era o máximo que o dinheiro investido podia segurar e foi preciso contar com a tática clássica — bater de porta em porta — para fazer as coisas fluírem. “A gente tinha uma estratégia, de ir aos lugares com pastinha debaixo do braço. Muitos já nos conheciam, mas não entendiam o negócio que estávamos propondo. Era preciso explicar para as pessoas que com a gente elas teriam uma agência de marketing digital e que isso era uma forma de valorizarem seus negócios”, conta ela.
Da crença de que as redes sociais possibilitam um ambiente mais democrático, onde o empreendedor tem vez, o casal de sócios persistiu na vontade de apresentar esse universo aos pequenos empresários de seu bairro. Foi então que apareceram os “primeiros malucos”, como os sócios costumam chamar os primeiros clientes, que embarcaram na ideia, mesmo sem entender muito bem do que se tratava.
COMO ACHAR OS PRIMEIROS MALUCOS, OPS, CLIENTES
Durante essas prospecções, Cristiane e Petter não ficaram livres de frases clássicas de empreendedores que acham redes sociais um penduricalho do negócios, tais como “meu sobrinho de onze anos cuida disso”. Mas, se por um lado teve gente que desacreditou de início, por outro, eles têm um cliente que confiou – e ainda confia – de olhos fechados na ideia deles: a pizzaria e choperia D&D, um negócio local, que está com a TudoNosso desde o começo.
“É o único dos nossos clientes que apoia 100% nossa estratégia. É como se a gente fosse o departamento de marketing deles”, conta Petter. A agência participou da criação dos canais do negócio nas redes sociais à estratégia personalizada para divulgá-los. A estratégia de divulgação da pizzaria inclui montagens com linguagem bem popular, voltada para o público frequentador. Petter fala dessa escolha:
“As grandes marcas pecam porque ao falar para um público D e E, colocam pessoas branquíssimas nas peças, usam linguagem rebuscada. A gente fala com quem a gente conhece”
E nem é esse o grande truque da TudoNosso, já que a agência tem uma metodologia própria, que, segundo os sócios, é algo como “o segredo da Coca-Cola”, ou seja, algo que eles não revelam, mas que permite que os cinco funcionários (incluindo o casal fundador) consigam dar conta de atender os 13 clientes que a agência tem no momento.
É SOBRE IR ALÉM DE SÓ VENDER SERVIÇO: COMPARTILHAR CONHECIMENTO
A TudoNosso cobra pelos serviços convencionais de uma agência de publicidade e marketing (produção e monitoramento de conteúdo digital, anúncios nas novas mídias etc). Em paralelo, porém, eles promovem workshops abertos a qualquer um que tiver interesse em comunicação para pequenos negócios. As oficinas acabam sendo mais frequentadas por empreendedores da vizinhança e estudantes, principalmente os de Comunicação. Os workshops custam a partir de 49,90 reais e cada turma tem de 25 a 30 pessoas. No primeiro módulo, o aluno já sai preparado para, pelo menos, cuidar da própria conta no Facebook ou Instagram. “Mas, geralmente, muitos ex-alunos viram nossos clientes”, diz Petter.
É parte da estratégia da TudoNosso fazer que quem participa dos workshops (ou, melhor ainda, os contrata) seja capaz de aumentar as vendas do negócio. Simples e universal. Petter fala que na agência eles não buscam o “like pelo like”, ou seja, bombar as redes sociais sem que isso se reverta em faturamento para o cliente. Ele dá um exemplo da transformação que busca promover para seus clientes:
“Um cara tinha uma barraquinha de churrasco e, agora, tem um trailer. Isso é sucesso. Para ele e para mim”
Ele conta, ainda, que quem não se torna cliente depois de passar por um workshop, pelo menos dá feedbacks constantes.
DEPOIS DE UM ASSALTO, QUEM DIRIA, VEIO O CRESCIMENTO EXPONENCIAL
Embora a linha-mestra da TudoNosso continue sendo atender a micro e pequenos empreendedores da periferia, hoje a agência também atende a grandes empresas e tem contratos na Argentina e no Chile. Além das contas maiores, o próprio Facebook reconhece o trabalho que o time de Cristiane e Petter desempenha (tanto que em 2016 convidou a TudoNosso para integrar o SMB Client Council Brasil, Conselho de Pequenas e Médias Empresas Brasileiras, como a única agência entre as 15 marcas envolvidas) e, frequentemente, patrocina palestras dos sócios em eventos promovidos pela marca de Mark Zuckerberg.
Hoje, a maré dos empresários fluminenses está alta, mas já houve períodos de tormenta. Logo no início do processo, chegaram a perder tudo em um assalto e os 15 mil reais investidos evaporaram, mas não demorou muito para eles recuperarem, com ajuda amiga, o fôlego, fazendo jus ao nome da empresa.
“Entraram na nossa sala e roubaram tudo, mas os próprios clientes, amigos e parceiros fizeram uma espécie de vaquinha em uma plataforma de crowdfunding e nos deram outros 15 mil reais”, conta Petter. A partir daí, as coisas fluíram. Com uma taxa de crescimento médio de 60% ao ano, o casal faturou 180 mil reais em 2017 (ante 62 mil reais no ano anterior) e planejam mais que dobrar este número agora em 2018.
Apesar da fase boa, Cristiane mantém os pés bem firmes no chão. Ela fala sobre a rotina de empreendedora criativa e social:
“O hoje existe no exato instante em que estou vivendo, pois no minuto seguinte tudo pode mudar. Quem empreende não tem hora para chegar, mas também não tem para sair. A relação com o tempo é diferente”
Para a produtora cultural, os momentos de dificuldade são importantes até mesmo para que eles condições de aconselhar os futuros empresários que os procuram para fazer os workshops. A dica que sempre dão é não fugir: “Só não pode faltar coragem: ou você encara na porrada ou foge. A gente opta sempre por ficar de pé”.
COMO A RESPONSABILIDADE SOCIAL ESTÁ JUNTO DO SUCESSO NA PERIFERIA
Quando o assunto é crescimento do negócio, Cristiane e Petter falam não só de faturamento, mas também da transformação e responsabilidade social que têm pela própria natureza do negócio que criaram: existe um ciclo, motivado pelo trabalho deles, que começa dentro da própria agência, já que os funcionários também são da “quebrada”. Ali, ninguém perde quatro horas por dia para ir trabalhar. Petter fala a respeito:
“Temos que parar de reproduzir a lógica da periferia e torná-la um lugar de produção, não só um dormitório de trabalhadores. A TudoNosso não quer sair daqui. Hoje, temos clientes que vêm da Zona Sul para nos contratar”
Cristiane emenda: “Ao contratarmos jovens daqui pra trabalhar, potencializamos o negócio, que passa a ter impacto social e, ao mesmo tempo, econômico”. É um ganha-ganha para todos. Não somente o jovem que trabalha na agência e consegue ajudar a família a prosperar a partir do salário que ganha, como também os clientes, quando periféricos, passam a empregar a comunidade local a partir do sucesso do empreendimento.
E por falar neste tipo de cliente, os sócios ressaltam que, dos contratos de menor valor que eles têm, para os de maior valor (que são as grandes marcas que passaram a atender), existe uma diferença de até 10 vezes no valor do fee, por não acharem justo cobrar o mesmo de todo mundo. Lembra do “segredo da Coca-Cola”? É ele quem torna possível atender a todos os tamanhos de clientes.
“Quem chega para trabalhar aqui, fica imerso nessa metodologia, que não envolve hora de chegar e de sair. É tudo uma troca”, diz Cristiane. Embora não contem todos os detalhes de como funciona, adiantam alguns pontos da gestão horizontal que promovem: todo mundo pode – e deve – se meter no trabalho um do outro. “Ninguém fica preso dentro do seu quadrado”, fala Petter. E a formalidade não tem vez, afinal, quem não fica mais inspirado com reunião de pauta regada a doses de vinho e playlists animadas?
Quando questionada sobre o que pensa do mundo em que vive, a palavra-chave para a sócia e criativa por trás da TudoNosso é coletividade. “Acho que, profissionalmente, o universo de agência ainda é muito fechado. Talvez se a gente se comunicasse mais, agência com agência, das pequenas às grandes, a poderia impactar mais os negócios e, consequentemente, a economia. Temos que parar de pensar algo individual. Tem muita gente no mundo para achar que, se você passar informação para o outro, estará perdido no mercado”, diz ela, e Petter aquiesce. É tudo deles, tudo de quem estiver disposto a trabalhar junto.
O saneamento básico é uma tragédia no Brasil. Diante desse cenário persistente, a Água Camelo impacta a vida de milhares de pessoas em situação de vulnerabilidade social com um sistema de filtragem portátil que amplia o acesso à água potável.
Desconstruir mitos e fórmulas prontas, falando a língua de quem vive na periferia: a Escola de desNegócio aposta nessa pegada para alavancar pequenos empreendedores de São Miguel Paulista, na zona leste de São Paulo.
O chef Edson Leite e a educadora Adélia Rodrigues tocam o Da Quebrada, um restaurante-escola na Vila Madalena que serve receitas veganas com orgânicos de pequenos produtores e capacita mulheres da periferia para trabalhar na gastronomia.