O que a natureza, os rituais ancestrais dos povos da floresta, os índios e a intuição têm a ver com alta tecnologia, compras online, mercado de afiliados e blockchain? Acredite: coisas aparentemente tão díspares podem estar intimamente ligadas. No caso da startup Welight, algumas têm a ver com o negócio propriamente dito, já as outras, com o propósito. Não fosse o interesse de Ian Lazoski, 32, e Pedro Paulo Lins e Silva, 36, nas questões indígenas, na preservação da Amazônia e nos rituais e cerimônias dos povos originários da floresta, talvez, a Welight não tivesse saído do papel.
A startup opera com um conjunto de três ferramentas — site, aplicativo e plug-in — para compras online. Em miúdos: o consumidor entra no site (ou no app), pesquisa preços, faz uma compra e a loja parceira (são mais de 1 000 cadastradas, além decompanhias aéreas) repassa para a Welight entre 0,5% e 15% do valor do produto comprado. Parte dessa comissão, no entanto, é direcionada pelo comprador a um dos projetos sociais listados pelo próprio site. São 30 instituições dedicadas a várias causas, como combate à fome, questões de gênero, proteção animal, educação, meio ambiente, entre outras.
Para se sustentar, a Welight fica com cerca de 10% do total arrecadado com as comissões. O resto é repassado às ONGs, de acordo com a orientação do consumidor no momento da compra. A Welight existe desde novembro de 2016. Mas só agora, em agosto de 2018, o app foi lançado oficialmente. Até então, era realizado um período de testes, aperfeiçoamentos e amadurecimento do projeto conduzido por Ian e Pedro. Visita às ONGs parceiras, desenvolvimento de um sistema 100% seguro e transparente, captação de investimentos que somam até hoje 1,2 milhão de reais, além da estruturação de um modelo de negócios híbrido — empresa social e ONG.
EMPREENDEDORES OU ATIVISTAS? OS DOIS!
Os sócios da Welight se denominam “ativistas que usam a tecnologia para impulsionar o poder que todos têm para mudar o mundo”. Pedro nasceu e morou toda a vida no Rio de Janeiro, fez intercâmbio nos Estados Unidos e se formou em Direito. Mas não enxergava na área uma forma de “ajudar as pessoas com liberdade”. Preferiu trilhar outro caminho. Apaixonado por tecnologia, desde a faculdade, tornou-se especialista em modelar negócios digitais. Para isso, estudava, em paralelo, economia e marketing.
Era daqueles que pegava as empresas dos amigos, fazia o plano de negócios, ajudava a captar investimento e colocava tudo nos eixos. Também foi sócio de uma produtora de eventos. Há treze anos, conheceu os índios da Amazônia. Ele conta o impacto dessa descoberta:
“Percebi que a mais alta tecnologia já existia nas culturas ancestrais. Isso fortaleceu o espírito de contribuir com ferramentas que pudessem ajudar em escala global”
Ian também nasceu no Rio. Mas foi estudar em Curitiba. Entrou em três faculdades, não viu propósito em nenhuma e foi abandonando os cursos no meio do caminho. Aos 16 anos, já tinha filho, não podia se dar ao luxo de se dedicar exclusivamente aos estudos. “Não dava para perder tempo com coisas inúteis só para seguir um script”, diz ele.
Acabou aprendendo tudo o que sabe em uma empresa especializada em automatizar processos. Foram sete anos trabalhando na área. A empresa, da qual era sócio, transformou-se em uma aceleradora de startups. Além de buscar negócios com potencial, testava os próprios protótipos para ver se tinha aderência. Um deles vingou.
A LeadLovers, localizada em São Paulo e que há quatro anos alcançou mercado, se tornou uma das principais empresas de automação de marketing digital. No seu auge, Ian vendeu sua participação, voltou a morar no Rio para ficar perto do filho e seguiu com uma ideia fixa na cabeça: um negócio cujo objetivo principal fosse gerar impacto social e ambiental em larga escala.
COMO A IDEIA DE PLANTAR ÁRVORES DEU INÍCIO AO NEGÓCIO ATUAL
Ian sempre se dedicou ao voluntariado. Vinha de família humilde e sabia como uma ajuda pode fazer a diferença na vida de alguém. Já era ligado às questões indígenas e havia experimentado alguns tipos de trabalhos sociais, como colocar nariz de palhaço e ser voluntário para alegrar as crianças em hospitais. Ele fala dos benefícios: “Quando eu era palhaço nos hospitais, ficava uma semana com aquela energia. Nada podia me fazer mal. Melhorei até meus relacionamentos pessoais”.
Segundo ele, sua pretensão é que mais pessoas sintam que é possível colher essa sensação. No auge do sucesso, pensou: “Ganhei prosperidade, agora é achar outro maluco para desenvolver o que acho justo”.
O encontro aconteceu. Em uma das reuniões do grupo que apoiava causas indígenas, estava Pedro — no caso, o outro “maluco”. Conversa vai, conversa vem, ele mostrou a Pedro um protótipo que havia testado com sucesso.
Era a Comprou, plantou, a primeira startup a usar comissionamento para gerar impacto, hoje fora de operação. Ian conta como ela funcionava: “Havia percebido como funcionava mercado de afiliados. Gera-se links para lojas e, se alguém clica e faz a compra, recebíamos uma comissão. No Comprou, plantou, se a pessoa comprasse de um link gerado por nós, eu usava a comissão para plantar uma árvore.”
Na segunda semana, ele tinha dinheiro para plantar 50 árvores. “Trabalhei muito tempo com startups, sabia da dificuldade em faturar o primeiro centavo. A Comprou, plantou rendeu em uma semana. Sabia que tinha futuro”, completa Ian. Pedro se entusiasmou:
“Fiquei fascinado com o conceito de gerar doações sem que as pessoas tivessem de gastar nada com isso”
Os dois começaram, então, a fazer pesquisas globais sobre o assunto. De fevereiro a outubro de 2016, Ian e Pedro formataram o primeiro protótipo da Welight. A ferramenta era um plugin. Até o fim de 2017, haviam feito testes com 6 000 usuários. Reuniram feedbacks com os clientes, juntaram mais de 1 000 lojas parceiras, visitaram, cadastraram e incluíram no projeto as 30 organizações não-governamentais.
Em parceria com a IBM, eles contam que criaram um sistema pioneiro, absolutamente automatizado e transparente, que mostra o direcionamento do dinheiro e os resultados das ONGs, que são obrigadas a fazer prestação de contas. Todas as transações ficam registradas em um sistema de blockchain. Robôs determinam como tudo vai acontecer de forma autônoma, inclusive o repasse do dinheiro, sem interferência da própria empresa. É uma forma de garantir que os recursos gerados terão os melhores resultados. Tudo é auditável e fica disponível para os clientes.
Há poucos dias, durante a Virada Sustentável, a Welight lançou ao público o app da empresa. “Para mim, é um sonho que se tornou realidade. Literalmente. Sonhei com isso mesmo e aprendi com os índios a seguir minha intuição”, diz Ian.
COMO RESSIGNIFICAR A EXPERIÊNCIA DE COMPRA
Recentemente, a Welight recebeu a certificação de que é uma Empresa B — dada aos negócios que atingem rigorosos padrões de desempenho social e ambiental. Existem 155 Empresas B no Brasil, 360 na América Latina e 2 500 no mundo. Um passo importante para alcançar o objetivo de Ian e Pedro.
Para eles, o potencial do negócio é imenso. Esperam alcançar 1 milhão de usuários na plataforma, dado o tamanho do mercado global de compras online, que ultrapassa a casa de 1 trilhão de dólares. Pedro afirma:
“Todas as relações de consumo podem ser uma geração de impacto social escalável. A ideia é globalizar a operação, já que desafios humanitários e ambientais existem em todos os lugares”
Ian estima que o negócio pode chegar à marca de 5 milhões de reais em doações. Por enquanto, a empresa não revela o faturamento, mas já atingiu seu ponto de equilíbrio. Como negócio social, a Welight paga as contas, remunera os 12 colaboradores, que trabalham na sede no Rio e em um escritório de São Paulo. Os lucros são reinvestidos na própria empresa.
Dependendo do grau de engajamento do cliente (há várias formas de acumular a moeda própria da empresa, a Sóluz, como por exemplo, convidar amigos), o sistema calcula qual percentual ele pode direcionar para a causa social de sua preferência — que pode chegar a até 100%. Ou seja, o consumidor ajuda a financiar ações e organizações sem usar o próprio dinheiro, ressignificando a experiência de compra.
Ian acredita que as pessoas entendem o processo e estão cada vez mais comprometidas com o propósito de fazer algo pelo próximo e pelo mundo. “A pessoa compra um sofá e sabe que plantou uma árvore com aquela ação.” A Welight também possibilita às empresas agregarem valor com as ações positivas da plataforma. Com a adesão a um plano específico, conseguem integrar seu e-commerce ao sistema da startup. Dessa forma, mesmo que o cliente faça sua compra diretamente pelo site da empresa, pode direcionar um percentual para uma das causas sociais apoiadas pela Welight.
A TRANSFORMAÇÃO DE ONG EM STARTUP
O Instituto Welight de Inovação Socioambiental surgiu antes mesmo da startup e se tornou parte integrante e fundamental dela. Além de auxiliar a desburocratizar e facilitar repasses de recursos para ONGs parceiras, serve, sobretudo, para manter livre o espírito ativista dos sócios e investidores.
Foi o rompimento da barragem do Rio Doce, em 2015, que deu início à formalização do instituto. Um grupo de amigos, entre eles, Ian e Pedro, fizeram uma campanha online para levar água potável à população atingida. Arrecadaram 200 mil litros de água e fizeram um show no Circo Voador para abastecer, com a renda dos ingressos, caixas d’água nos municípios afetados.
De lá para cá, já construíram poços artesianos em comunidades carentes e aldeias indígenas no Acre. “A ONG ajudou o negócio, o fluxo financeiro e a fazer iniciativas paralelas para ajudar as pessoas. Quando a Welight surgiu formalmente, já estávamos incorporados nesse espírito”, diz Pedro.
Ele é responsável pela parte de expansão do negócio, de novos produtos, estratégias, parcerias e relacionamento comercial. Já Ian cuida da parte operacional. Juntos, eles são responsáveis por não deixar morrer um sonho: o de que todo negócio tenha um fim social, que gere impacto, que seja escalável e que desperte a consciência para o desenvolvimento global. Que assim seja!
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