Saiba como a WiseWaste ajuda grandes empresas a lidar com resíduos de forma eficiente — e lucrativa

Daniela Paiva - 12 nov 2014
Guilherme Brammer, o engenheiro que encontrou seu propósito, e seu negócio, na Economia Linear
Daniela Paiva - 12 nov 2014
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Pegue uma embalagem de refresco em pó e um tamborim. Você consegue imaginar que o saquinho de suco sirva de matéria-prima para a fabricação deste instrumento musical? Pois acredite: isso é possível. Sem passe de mágica, aqui o caso é de pura ciência aliada ao desafio de encontrar soluções inteligentes para qualquer tipo de lixo.

Essa revolução dos resíduos está no DNA da WiseWaste, startup que desenvolve produtos a partir do reaproveitamento de materiais pouco populares ou mesmo nunca aproveitados no mercado de reciclagem. Um projeto ousado que envolve alta tecnologia, cooperativas de catadores, uma rede de profissionais dos mais variados perfis e estudantes.

É o que aconteceu com as embalagens do suco Tang, marca da gigante Mondelēz International. A WiseWaste produziu 15 mil instrumentos musicais a partir do saquinho de Tang: flautas, tamborins e tambores doados a 100 escolas públicas no Brasil em 2014.

Para chegar a isso, a startup fez testes durante quatro meses até chegar a uma resina capaz de servir de matéria-prima para os instrumentos de percussão, fabricados pela Contemporânea, e flautas, fabricados pela Prezi. O projeto virou uma grande ação de marca e envolveu o consumidor de Tang na missão Reciclar é Show.

Cadê o pacotinho de Tang que estava aqui? Virou tambor!

O cérebro por trás da WiseWaste é do engenheiro de materiais Guilherme Brammer, de 37 anos. Ele é o típico executivo em ascensão que, um dia, percebeu que seu propósito não estava na caixinha em que vinha sendo colocado.

Já aos 23 anos, ocupava um cargo de gerência. Ao longo da trajetória profissional, Guilherme passou Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), Dixie Toga, gigante da embalagem, e Celulose Irani, de reflorestamento e papéis.

Trabalhando em fábricas, Guilherme via o desperdício de materiais e enxergava um futuro cada vez mais tenebroso por conta do acúmulo de dejetos em aterros. Esse ciclo tem nome e sobrenome: é a Economia Linear, um modelo de administração de recursos que só pensa na fabricação, na venda e no descarte — sem preocupação com o destino dos materiais — e impera desde a Revolução Industrial.

Em 2010, Guilherme era diretor de vendas e marketing da Vitopel do Brasil, fabricante de polipropileno biorientado (que dá origem ao filme plástico usado em embalagens de salgadinhos e biscoitos). Mas algo pessoal emergia e borbulhava em paralelo.

QUANDO A VIDA, OU A MORTE, CHAMAM

Em 1998, o sogro de Guilherme, o administrador Péricles Andrade, foi diagnosticado com câncer. Em meio ao tratamento duríssimo com quimioterapia, ele tomou para si a frase em latim Carpe Diem, de aproveitar o dia, e virou uma inspiração para toda a família. Comer uma coxinha no meio do expediente, com o genro, passou a ser algo especial e valorizado.

Saboreando cada minuto de vida, o sogro lutou 12 anos contra a doença. Foi vencido antes de Guilherme largar o terno e a gravata, mas deixou ensinamentos valiosos. “A gente às vezes acha que é infinito. Ele nos inspirou a curtir o momento”, conta Guilherme, que até hoje ele lembra das frases do sogro como um cardápio de mantras. “Se você acredita mesmo que é assim que vai dar certo, encara. Vai lá. Faz o seu e mostra que é possível.”

O incômodo com a Economia Linear da indústria levou Guilherme a estudar modelos de negócios fora do país que instigassem novos caminhos. Deparou-se com a TerraCycle, startup americana que faz produtos eco-amigáveis e acessíveis em um processo de logística reversa. Curioso, acessou o CEO da empresa pelo LinkedIn e começaram a trocar mensagens. Guilherme soube que a TerraCycle queria se estruturar no Brasil e, bem, para encurtar a história, ele foi a uma reunião para compartilhar contatos e saiu de lá convidado para ser presidente da operação brasileira. “Falei: ‘cara, você é louco? Tenho emprego, acabei de casar. Não posso tomar essa decisão desse jeito.”

Guilherme foi para casa maturar a ideia. Conversou com a mulher, a mãe, a irmã. Viu pulsar na memória as frases do sogro. Topou a empreitada e assumiu a liderança da implementação da TerraCycle no país. Ele ficaria um ano no cargo. A estratégia da startup americana usava o correio para recuperar resíduos, o que funciona muito bem nos Estados Unidos. “Eu achava que esse modelo tinha que ser adaptado para o Brasil. Era preciso envolver cooperativas de catadores e mais investimento em tecnologia de reciclagem”, diz Guilherme. “Acabei optando pelo voo solo.”

MELHOR UM INVESTIDOR OU UM CLIENTE-ANJO?

Além de mover as peças para realizar suas ambições, é preciso saber agarrar as oportunidades que surgem na trilha do empreendedorismo. Nessa fase, Guilherme encontrou a diretora de sustentabilidade da Procter & Gamble, antiga cliente do engenheiro, durante uma palestra. Papo vai, papo vem, e a executiva lançou o desafio: criar algo a partir da embalagem das embalagens dos produtos da marca. “Montei um modelo de negócio baseado na necessidade deles e, como já tinha uma grande gama de parceiros, o processo foi mais rápido e fechamos”, diz, e brinca: “É o nosso cliente-anjo”.

Atenção: engenheiros trabalhando no escritório da empresa, em São Paulo.

Atenção: engenheiros de materiais trabalhando. Este é o escritório da empresa, em São Paulo.

Contrato assinado, em janeiro de 2012 nascia a WiseWaste, sem nenhum centavo tirado do bolso e só com o investimento do próprio cliente. Guilherme convenceu a P&G a conceber um ciclo fechado para resíduos da empresa. O creme dental 3D White, da Oral B, é uma das marcas que incorporaram a iniciativa.

Funciona assim: após o uso, as embalagens são recicladas e se transformam em um tipo de resina propícia à fabricação de displays de propaganda, aqueles usados nos supermercado para divulgar a marca. Uma empresa especializada nesse tipo de produto compra a resina e parte para a produção. Quando pronto, a P&G adquire os novos displays, garante a sua tarja de ecologicamente correta e ganha divulgando a ação.

Desde o primeiro projeto, Guilherme se respalda nas parcerias construídas ao longo dos anos no mercado. É esta rede de empresas, profissionais e contatos que dá sustentação à WiseWaste. Em uma segunda etapa, ele resolveu investir cerca de 300 mil reais em equipamentos e matéria-prima para testes de produtos. Montou o escritório, um galpão na Vila Olímpia sem divisórias e com uma mesa da sinuca à disposição dos funcionários: um ambiente relaxado e favorável ao diálogo e à troca de ideias.

Para combater a velha Economia Linear, ele encontra e vende soluções de Economia Circular. A WiseWaste trata os resíduos como insumos para a própria companhia geradora, ou para outra, o que resulta na redução de custos, aumento de shelf-life (vida útil) do material e reaproveitamento do resíduo pós-consumo, usado como fonte de matéria-prima. A empresa de Guilherme também estabeleceu parcerias com cooperativas de reciclagem. Hoje, trabalha com cerca de 1 000 cooperados. “Estamos o tempo todo treinando os caras e recebendo muita informação deles”, diz o empreendedor.

Sobre os produtos que a WiseWaste desenvolve, Guilherme explica que a ideia é que seja algo comercializável em qualquer empresa. “Sempre tentamos fechar o ciclo, mas às vezes não é possível e usamos outros mercados.”

A partir daí vieram outros clientes, como BRF, Brasken, PepsiCo e Volkswagen. Muitos dos projetos ainda estão em desenvolvimento, e alguns preparam sua estreia oficial para 2015. Outro projeto da WiseWaste é o Adote um Cientista, lançado em setembro, e que une a empresa, a universidade (tem o Mackenzie como parceiro) e empresas. “Fizemos uma pré-seleção de estudantes de engenharia que poderão receber uma bolsa de estudo integral para focar na solução de reaproveitamento de um resíduo determinado por um projeto”, diz Guilherme.

Parceira desde o início, a P&G vai bancar o mestrado de uma estudante já selecionada, que ficará dois anos desenvolvendo uma solução circular para fraldas descartáveis.

“Lidamos com problemas reais de grandes empresas que às vezes precisam de um toque acadêmico, de uma pesquisa mais aprofundada porque a solução não é tão óbvia assim”

Além de buscar a solução para um problema real, a WiseWaste pode ser beneficiada pela Lei do Bem, de incentivo à inovação no país, recuperando parte do investimento. Outra iniciativa recente é o aplicativo Lixarada, lançado em julho. É uma plataforma colaborativa que visa receber denúncias de lixões clandestinos e enviará relatos para as prefeituras das cidades.

O QUE SE GANHA E O QUE SE PERDE

O ex-executivo e agora empreendedor está feliz? “Sim. Sinto muito orgulho do que estou fazendo. Tenho uma filha de dois anos e quando ela crescer um pouco, vou poder falar que estou tentando resolver um problema sério no Brasil e no mundo”, diz ele.

Em termos financeiros, naturalmente Guilherme teve uma queda em seus rendimentos. Mas as projeções do novo negócio são animadoras. No primeiro ano, a WiseWaste faturou 460 mil reais. Em 2013, o valor mais do que dobrou e bateu 1,1 milhão de reais. Este ano a meta é 2,2 milhões e, no ano que vem, Guilherme espera dobrar mais uma vez este valor, seguindo nesse ritmo até alcançar, em cinco anos, um faturamento entre 15 e 20 milhões de reais.

Da fase como funcionário, ele traz aprendizados, como o valor de haver uma mescla entre a experiência e a gana da juventude. “Fui gerente muito cedo e achava que os mais experientes estavam ultrapassados”, diz. “Você vai passar os mesmos erros que esses caras já viveram e pode aproveitar isso.” A mistura alcança os diversos perfis de colaboradores. A equipe tem até um campeão sul-americano de judô. “Ele acrescenta melhorias e uma visão de disciplina que o judô pede”, conta Guilherme.

Guilherme encontrou seu propósito e vê muito mais sentido no ramo em que escolheu atuar. “É muito mais gratificante do que quando fazia parte de uma caixinha.” Para ele, o lixo é mais do que libertador. É um parque, rentável, de diversões.

draft card wisewaste

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