Engenheiro de formação, Thiago Pinto, 33, deixou de lado planilhas de resultados financeiros e reuniões com clientes para, durante seis meses, realizar exercícios de voz e de movimentos corporais, ler roteiros e aprender técnicas de interpretação. Ele, inclusive, participou da montagem de uma peça e subiu aos palcos como ator durante uma mostra em uma escola de teatro na zona oeste paulistana. Mas não se engane. O fundador da New Hope Ecotech, empresa especializada em créditos de reciclagem, não largou tudo e tentou a sorte em uma nova carreira. Ele viu sim no teatro uma forma de melhorar sua expressão e relacionamento interpessoal, características essenciais para desempenhar a função de CEO.
O negócio nasceu, em em setembro de 2014, para organizar a cadeia de reciclagem no Brasil. A ideia era usar tecnologia para identificar os agentes do sistema (os catadores informais, as cooperativas e as empresas que geram resíduos) e rastrear a destinação do lixo, garantindo o descarte correto. Para completar o ciclo, a empresa certificava as indústrias que investiam em reciclagem e destinava parte do lucro das vendas dos certificados para a cadeia informal. Foi esse propósito que fez a New Hope ser retratada aqui no Draft em julho de 2015.
Três anos depois, a missão de causar impacto socioambiental continua, mas agora de um jeito um pouquinho diferente. A empresa descontinuou a Rede Ciclo, software de gestão para recicladores que armazenava dados sobre o volume de resíduos processados. Agora, faz o controle da quantidade e tipo de material reciclado apenas pelas notas fiscais geradas pelas cooperativas. O foco se voltou para outra ponta da cadeia: as indústrias. A New Hope criou o selo Eureciclo, atestando que as empresas realizam a compensação ambiental das embalagens que colocam no mercado. Para isso, conecta as cooperativas com as marcas, que pagam pelo serviço de reciclagem e, assim, lucra com uma taxa relativa ao serviço de conexão e de certificação. Este modelo mais enxuto e prático deu certo.
UMA OPORTUNIDADE NA EXIGÊNCIA DOS CONSUMIDORES E DO GOVERNO
Embora não revele o faturamento, o crescimento da New Hope é evidente quando se leva em consideração o número de clientes atendidos. Quando apareceu aqui pela primeira vez, a empresa atendia seis indústrias. Hoje, são cerca de 300. Há desde gigantes, como a Unilever e o Algar Agro, a pequenas marcas de nicho (a maior parte do setor de alimentação natural e produtos orgânicos).
Dois fatores impulsionaram o crescimento. Primeiro, conta Thiago, o aumento de consumidores com consciência socioambiental, que prezam por produtos naturais, que não agridem o meio ambiente e são livres de crueldade contra animais, por exemplo. Esse tipo de pessoa cobra das marcas atitudes condizentes com seus valores. E elas, pressionadas, adotam práticas de sustentabilidade. O selo impresso nas embalagens é uma boa maneira de comunicação com o mercado. A New Hope também utiliza o site e redes sociais da Eureciclo para divulgar as marcas parceiras.
Ao mesmo tempo, no último ano, a fiscalização do cumprimento da Política Nacional de Resíduos Sólidos aumentou. A lei existe desde 2010 e, entre outras diretrizes, determina que as indústrias reciclem 22% do volume de embalagens produzidas por meio de processos de logística reversa – uma forma de evitar que o resíduo vá para aterros ou lixões. A meta de reciclagem é crescente, sendo 28% em 2019, e chegando a 45%, em 2031. As empresas que não cumprirem o prazo correm o risco de serem multados pelo Ministério Público e não conseguirem licenças ambientais junto a CETESB.
O tema está tão em voga que, recentemente, foi firmado um acordo entre FIESP, CIESP, CETESB, Secretaria do Meio Ambiente, Abrelpe, sindicatos e associações, que oficializou o comprometimento de todos os envolvidos no desenvolvimento de um sistema de logística reversa de embalagens que comprove o cumprimento das metas.
A Eureciclo também participou do termo de compromisso. A alta demanda fez com que a equipe da empresa também crescesse. Hoje, são 22 funcionários e dois braços de operação: o Brasil e uma nova sede no Chile. Desde julho do ano passado, a New Hope é acelerada pela Startup Chile, iniciativa pública que, desde 2010, investe em startups a fundo perdido.
No país vizinho, há duas funcionárias, que atendem nove clientes. Lá, a política nacional de resíduos sólidos foi assinada em maio de 2016. O projeto visa reduzir a quantidade de resíduos produzidos e enviados aos aterros sanitários e responsabilizar os produtores e importadores pelo descarte de seus produtos. Ao mesmo tempo, obriga o Ministério do Meio Ambiente a financiar projetos destinados a combater a geração de resíduos e a incentivar o reuso, a reciclagem e outros métodos de recuperação. A pasta tem orçamento de 3,4 milhões de dólares até 2022.
REVIRAVOLTAS (BENÉFICAS) DA PORTA PARA DENTRO
Todas as iniciativas têm sido bem aproveitadas pela New Hope. Thiago fala, parafraseando uma passagem do livro Outliers, do escritor Malcolm Gladwell:
“Ter sucesso é questão de sorte e capacidade. Quando vier a sorte, você precisa ter 10 mil horas de experiência para conseguir catalisar a oportunidade”
Ele continua: “Quando começou a ter a fiscalização, estávamos prontos. Mas a gente não imaginava que a lei ia pegar, as expectativas eram baixas”. No entanto, a melhor oportunidade também pode representar uma ameaça. Ser uma pequena empresa em um mercado em surgimento é arriscado.
Qualquer mudança em relação a fiscalização pode fazer com que os clientes da New Hope deixem de contratar o serviço. Se por um lado existem marcas que seguem propósitos genuínos, Thiago diz que há outras que enxergam a sustentabilidade como custo – e estão “ajudando a natureza” apenas por que são obrigadas.
“Nosso negócio tem uma grande dependência da lei. Caso as marcas deixem de se preocupar em ter o nosso selo, precisaremos pivotar”
Nessa análise, o CEO mergulha nas ingenuidades que tinha ao fundar o negócio. Ele acreditava que o mercado iria crescer naturalmente, e que as marcas iriam assimilar o propósito da New Hope. Do lado de dentro, o ambiente também era informal e as relações passionais. Dos cinco fundadores, só restou Thiago. Deixaram o time Mateus Mendonça, André Luiz e Anderson Bezerra. A última a sair foi Luciana Oliveira. Ela e Thiago se conheceram durante um MBA da Kellogg School of Management, onde nasceu a ideia da New Hope. A parceria ia além dos negócios, os dois eram casados. O divórcio se deu no final do ano passado, na mesma época de sua saída da empresa.
Por outro lado, mudança societária, crescimento, novos funcionários e internacionalização trouxeram maturidade para o negócio. Com mais profissionalismo, a New Hope atraiu investidores. Em janeiro, a empresa recebeu um aporte de 500 mil reais do Positive Ventures, fundo brasileiro que investe em empresas com impacto socioambiental positivo. Além do recurso financeiro, o fundo auxilia com mentoria, coach e conexão com possíveis clientes – toda a parte intangível do smart money. Agora, a New Hope esperar crescer ainda mais. E Thiago nem pensa em sair do negócio. Ele encara o problema do lixo como um desafio para a vida inteira. É como ser um missionário, compara — e com esperança, segue firme.
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