“A ansiedade é como se existir fosse uma crise de abstinência de algo que não existe.” A frase faz parte do livro Depois a louca sou eu, de Tati Bernardi, que acaba de ganhar uma versão cinematográfica.
Você já se sentiu assim? Saiba que não está só. O Brasil é o país com o maior número de pessoas ansiosas no mundo (são 18,6 milhões sofrendo desse mal moderno), segundo a Organização Mundial da Saúde. É, também, o quinto país com mais gente depressiva — e o líder latino-americano nesse ranking infeliz.
Segundo o Conselho Federal de Farmácia (CFF), as vendas de antidepressivos e estabilizadores de humor cresceram 17% em 2020. Não deveria ser surpresa. A pandemia avassaladora em curso espalha, além do vírus, muitos motivos para angústia e exaustão emocional. Há o medo da morte (a nossa e a de pessoas queridas), o receio de ser demitido, o excesso de trabalho, as mudanças na qualidade do sono, a tristeza pelo isolamento social…
O lado positivo é que a discussão sobre saúde mental parece estar cada vez mais forte (o tema apareceu até na redação da última edição do ENEM). E as empresas, ao que parece, começam a perceber que têm um papel importante nesse cenário. Nem que seja para evitar o impacto financeiro: segundo a OMS, transtornos mentais custam 1 trilhão de dólares ao ano em perda de produtividade; no Brasil, de acordo com a London School of Economics and Political Sciences, as empresas perdem mais de 200 bilhões de reais por ano com essa questão.
Conheça a seguir startups que vêm inovando no nicho da saúde mental para ajudar empresas a quebrar o tabu em torno do bem-estar emocional de seus colaboradores.
DOIS PORTUGUESES SE UNIRAM PARA EMPREENDER COM SAÚDE MENTAL NO BRASIL
A Zenklub nasceu em 2016, em São Paulo, fundada por dois portugueses que adotaram o Brasil como lar.
Rui Brandão conheceu o país quando fez parte da graduação em Medicina na Unifesp. José Simões, PhD em Engenharia da Computação, fez parte de sua formação na UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), e mais tarde, voltou para cá novamente para trabalhar na Dafiti.
Os dois se conheceram por amigos em comum, no fim de 2015, em um almoço nos Estados Unidos, onde José trabalhava antes de vir para o Brasil e Rui fazia residência em cirurgia vascular.
“A minha mãe tinha sofrido um burnout e eu queria ajudar pessoas doentes a voltar a um estado de equilíbrio, uma vida ativa”, diz Rui. “E o Zé estava inconformado e buscando mais performance mental.”
Foi o match perfeito. Aquele almoço se estendeu por 12 horas de conversa e, poucos meses depois, nascia a Zenklub, que a princípio servia para conectar psicólogos a pacientes por teleatendimento.
Os sócios não revelam o investimento inicial. Em 2019, receberam um aporte de 2,5 milhões de reais e, em 2020, mais 16,5 milhões de reais, ambos os montantes da investidora portuguesa Indico Capital Partners. E, em fevereiro deste ano, captaram mais 45 milhões de reais em uma rodada liderada pela SK Tarpon e GK Ventures e, mais uma vez, com participação da Indico.
Hoje, o foco está em três públicos: pessoas físicas, empresas e profissionais de saúde, que utilizam a ferramenta em 980 cidades brasileiras e em outros 123 países. Rui afirma:
“Para os pacientes, tornamos muito mais fácil começar uma jornada de saúde emocional, seja consumindo nossos conteúdos, começando a registar suas emoções ou ajudando a encontrar um profissional para uma consulta”
O paciente não paga pelo acesso à plataforma, apenas o valor da consulta estipulado pelo profissional escolhido (entre coaches, psicanalistas, psicólogos e terapeutas).
“Para os profissionais, criamos um consultório digital onde ele tem acesso a um site, uma agenda, recursos de pagamento, e uma estrutura que proporciona mais flexibilidade, autonomia e escala, podendo atender pessoas de todo o Brasil e até de fora”, diz José. O profissional da saúde (hoje são mais de 800) paga 20% de taxa à Zenklub por atendimento realizado.
Já nas empresas, a Zenklub está auxiliando organizações como Elo, Natura e Nubank a adotar uma estratégia de saúde emocional e humanização no ambiente de trabalho.
DE FORMA ANÔNIMA, A STARTUP MAPEIA AS ÁREAS MAIS ANSIOSAS DA EMPRESA
Hoje, mais de 200 clientes corporativos têm acesso à plataforma e a treinamentos de lideranças e RHs da Zenklub, com palestras e eventos sobre a importância dos cuidados com saúde emocional, definição de estratégias internas para abordar o tema com os colaboradores e mapeamento emocional do time.
Cada empresa paga uma mensalidade e um valor extra por sessão realizada. Segundo Rui:
“Engajamos, em média, 15% dos funcionários das empresas clientes, conseguindo extrair informações, de forma anônima, sobre quais áreas estão mais ansiosas ou com baixa autoestima, por exemplo, conseguindo fornecer um feedback mensal para as empresa”
Com a pandemia, a startup viu aumento de demanda nos três segmentos (empresas, profissionais e pacientes). “De clientes, houve crescimento de mais de 500%, de seções, quase 700%, e de atendimento a empresas, crescemos 18 vezes”, diz José. O número de funcionários da Zenklub também aumentou, de 28 para 80.
Os sócios acreditam que, mesmo após a Covid, esse mercado deve continuar crescendo.
“Com os colaboradores em home office, distantes, houve uma falta de controle dos líderes sobre os trabalhadores. E se tem algo que o ser humano não pode perder é o controle. Então, para humanizar processos e se aproximar das pessoas, as empresas decidiram utilizar essas ferramentas”, diz Rui.
A INTELIGÊNCIA DE DADOS PARA MONITORAR A SAÚDE MENTAL DOS COLABORADORES
A Bee Touch, de Porto Alegre, se intitula a primeira plataforma digital de avaliação de riscos psicológicos do Brasil em tempo real.
A startup começou a operar em 2012, como um software de gestão de saúde em caráter preventivo, rastreando riscos para doenças crônicas não transmissíveis. A Braskem foi o primeiro cliente, por meio de uma parceria com o Hospital Moinhos de Vento.
Para iniciar o negócio, a doutora em Psicologia e pesquisadora Ana Carolina Peuker, a doutora em Ciências Médicas Sibele Faller e o cientista de dados Felipe Scuciatto investiram 100 mil reais.
Mais do que monitorar doenças crônicas, os sócios perceberam que poderiam usar a inteligência dos dados coletados para monitorar a saúde mental dos colaboradores — negligenciada, segundo eles, pela maioria dos RHs.
Com um aporte de 750 mil reais da Vetor Editora, a startup criou sua principal solução, a AVAX PSI, uma plataforma que, a partir de uma metodologia proprietária baseada em data science, realizar avaliações psicológicas — medindo, por exemplo, os riscos psicossociais de trabalhadores que atuam em ambientes confinados e de alta periculosidade.
A Bee Touch atua no B2B e no B2C, oferecendo assinaturas do software. No primeiro modelo, vende a solução para nove empresas e instituições, como EY, Caixa de Assistência dos Advogados da OAB de São Paulo, Petrobras, Suez e Thyssenkrupp. No B2C, os clientes são psicólogos que usam a ferramenta em seus atendimentos. Segundo Ana Carolina, CEO:
“Com nossa ferramenta, conseguimos oferecer indicadores de rastreio precoce, hierarquizando o risco para que os gestores saibam as áreas prioritárias de cuidado. Hoje isso é feito de maneira intuitiva. Com uma ferramenta digital, existe a oportunidade de prever cenários futuros, mapeando demandas que a priori podem ser impossíveis de identificar”
Para avaliar os riscos, a Bee Touch mapeia as empresas a partir de formulários respondidos pelos funcionários via intranet ou na plataforma da startup.
Além disso, por meio de uma ferramenta chamada Estressômetro (aberta e gratuita ao público), usuários podem fazer autoavaliações do nível e das fontes de estresse, e receber dicas de como trabalhar a questão.
Após a mensuração dos riscos, a Bee Touch realiza ciclos de acompanhamentos longitudinais, sugerindo ações contínuas para os clientes.
“Geralmente, as empresas tem projetos que classifico de ‘por espasmo’, durante a semana de prevenção de acidentes, janeiro branco, setembro amarelo etc. E este tipo de risco requer uma abordagem sistêmica e abrangente para que seja mitigado.”
A DEMANDA PELA PLATAFORMA CRESCEU 65% DURANTE A PANDEMIA
Para a Caixa de Assistência dos Advogados da OAB do Mato Grosso do Sul, a Bee Touch realizou um mapeamento dos riscos psicológicos — e, como parte da solução, passou a oferecer uma plataforma de atendimento com uma equipe treinada para atender os indicadores que foram rastreados, além de desenvolver materiais psicoeducativos.
Integrante do grupo de trabalho de enfrentamento à Covid-19 da Sociedade Brasileira de Psicologia, Ana Carolina diz que a solução (que pode ser usada de forma remota) teve aumento de 65% durante a pandemia. Mais psicólogos se cadastraram na AVAX, seja por curiosidade ou porque, de fato, começaram a utilizá-la.
Em 2020, a startup expandiu sua atuação para Portugal e fechou o ano com faturamento de 650 mil reais. Para a empreendedora, a área da psicologia ainda é muito conservadora e muitos profissionais pareciam descrentes de que a transformação digital chegaria à área:
“Muitos [psicólogos] diziam que, com a tecnologia, iria se perder a singularidade dos atendimentos. Mas com a Covid, de uma hora pra outra os psicólogos se viram obrigado a atuar no contexto digital. Isso não vai fazer a gente perder o olhar humano, pelo contrário: quanto mais a tecnologia avançar, mais vão ser requeridas habilidades humanas. Seremos high tech sem deixar de ser high touch”
A pandemia, diz ela, mostrou que as organizações e a sociedade precisam quebrar com os estigmas em relação à saúde mental:
“Essa questão precisa ser aprofundada desde o período escolar. A gente aprende sobre a mosca tsé-tsé, sobre elefantíase, doenças tão menos presentes do que o alcoolismo em uma família… Precisamos mudar isso.”
COMO USAR A GAMIFICAÇÃO PARA DETECTAR ESTRESSE E RISCOS DE BURNOUT
Com proposta semelhante à Bee Touch, a Me Conheça, de Santos (SP), se diferencia pela análise de riscos psicológicos de colaboradores por meio da gamificação e de conceitos da neurociência.
A startup santista também pivotou sua proposta, mais de uma vez. Fundada em 2017 pelo executivo de TI Wellington Brigante, a Me Conheça surgiu com a missão de gamificar a relação de empresas com clientes no pós-venda, capturando informações sobre hábitos dos consumidores — e os recompensando com pontos que poderiam ser trocados por prêmios, descontos etc.
Depois, Wellington identificou que a gamificação poderia ser usada para melhorar a relação dos RHs com os colaboradores das empresas. Até que, no fim de 2019, conversando com profissionais de hospitais, ele se atentou para questões relacionadas à saúde mental.
“Falar de saúde mental sempre foi algo temido não só porque as pessoas não gostam de se abrir sobre o tema, mas porque existe a preocupação de levar esse problema para empresa e perder uma oportunidade de promoção ou passar por julgamento”
Para quebrar essas barreiras, ele apostou mais uma vez na gamificação. Ao longo dos anos, Wellington investiu cerca 700 mil reais no negócio. “De forma lúdica e não invasiva, conseguimos captar percepções de estresse, detectar princípios de burnout, qualidade de sono…”
O app da Me Conheça é adaptado para cada empresa cliente, mas de modo geral, funciona a partir de um cenário de cidades e de hospitais. À medida em que o colaborador vai respondendo a escalas definidas pela neurociências (perguntas como: “como você está se sentindo hoje?” ou “você tem passado mais tempo alegre ou triste?”), os cenários vão evoluindo — e um hospital, por exemplo, vai ganhando novos departamentos ou uma cidade vai crescendo. “Funciona mais ou menos com os mesmos princípios lúdicos de SimCity”, resume o empreendedor.
Enquanto o colaborador preenche respostas vê o cenário de sua cidade ou hospital evoluir, o machine learning da startup identifica segmentos da empresa com potenciais de riscos de colaboradores com transtornos mentais. Segundo o fundador:
“Não temos como objetivo competir e substituir trabalho dos psicólogos. Atuamos na triagem da saúde mental, para que a empresa possa focar nestas questões e reduzir custos, já que para cada um dólar investido em tratamento de depressão e ansiedade, a empresa consegue um retorno de até 4 dólares”
Entre as 18 empresas e instituições atendidas pela Me Conheça estão a AB InBev, Solar Coca-Cola, ASUG (Associação de Usuários SAP Brasil) e OAB de Santos. A startup cobra uma assinatura trimestral com preço que varia conforme o número de trabalhadores.
OS JOGOS AJUDAM A IDENTIFICAR OS SETORES CRÍTICOS DA EMPRESA
Os mesmos jogos podem ser aplicados mais de uma vez em um mesmo grupo, explica Wellington, com o intuito de analisar, depois de um tempo, se as medidas adotadas pelas empresas, após a avaliação dos funcionários, tiveram efeito.
“Geramos dados consolidados para os clientes, e não individuais, pela questão de proteção de dados. Então, conseguimos mostrar, por exemplo, que 30% das mulheres de determinada área estão com tendência a estresse, sendo que deste total, 5% estão na unidade de São Paulo. Assim, em vez de contratar soluções de acompanhamento psicológico para a empresa inteira, a gestão começa nos setores e localidades mais críticos.”
Depois que o colaborador fecha um ciclo de jogos, a Me Conheça disponibiliza um mapa que aponta como está seu nível de estresse e de depressão, fornecendo outros jogos com exercícios de mindfulness.
E como o lance da gamificação é a recompensa, os pontos adquiridos pelos funcionários são revertidos em reconhecimentos “intangíveis” (como uma menção de “pessoa mais engajada do mês”) ou tangíveis. “Para um hospital com o qual trabalhamos antes da pandemia, foram sorteados ingressos de eventos culturais para os colaboradores que participaram dos jogos.”
Durante a pandemia, o empreendedor disse que não houve aumento de demanda, porque as empresas tiveram que transformar suas rotinas e se fecharam para resolver problemas internos e manter a operação.
“Apesar de hoje em dia se falar mais em saúde mental, muitas empresas acabam atuando com contratação de psicólogos ou serviços de acompanhamento online em vez de se envolver, na prática, em ações. Nosso objetivo é fazer as organizações saírem desse mindset de ‘apagar incêndio’ e trabalhar o valor da saúde mental ao longo de sua gestão.”
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