Vai ficar registrado nos livros de história que 2013 foi o ano em que as pessoas no Brasil ocuparam as ruas, para protestar. Nem sempre, porém, essa ocupação teve propósitos políticos.
Naquele ano, as amigas Claudia Kievel (hoje com 34 anos) e Gladys Maria Tchoport (36), também queriam ocupar os espaços públicos. Elas sentiam falta de eventos ao ar livre em locais arborizados; com a experiência de montar de forma independente bazares de pequenos produtores, perceberam que muitas pessoas estavam começando a comercializar produtos realizados em projetos paralelos.
A partir desses contatos e da vontade de fazer algo durante o dia em uma área verde, as duas criaram o Jardim Secreto, que começou — e continua — como uma feira, mas hoje também tem uma loja multimarcas de cosméticos naturais. Em entrevista ao Draft, Claudia relembra:
“Os eventos em São Paulo eram programados em espaços fechados e à noite, mas nos sentíamos sufocadas. Sentíamos falta de algo que acontecesse de dia e em espaços abertos”
Na época, Claudia, então uma jovem de 24 anos, morava no Bixiga, na região central da capital paulista, e sempre passava em frente à praça Dom Orione — endereço conhecido do comércio de rua que, desde 1984, abriga aos domingos uma famosa Feira de Antiguidades.
Caminhando entre as árvores centenárias do lugar, ela pensava: “Por que aqui não acontece um evento que se conecte com a minha geração? Um evento em que a gente contemple a cidade e ainda a possibilidade de trocar com as pessoas”.
Gladys também sentia falta de um programa como o que Claudia idealizava. Elas se conheceram quando faziam bazares menores, e ficaram curiosas com o projeto uma da outra. Marcaram uma conversa e perceberam que tinham várias ideias em comum e resolveram criar algo juntas.
As duas, então, decidiram buscar áreas verdes na cidade onde pudessem realizá-lo. A partir do desejo de estar entre árvores e plantas, surgiu o nome “Jardim Secreto” — o secreto veio para adicionar um charme e reforçar a ideia da curadoria criteriosa.
Para selecionar as marcas que participariam, as amigas marcavam uma reunião presencial com cada uma. Gladys afirma:
“O legal desse processo foi conhecer os projetos pessoalmente. Se a seleção fosse só pela internet, não teríamos escolhido algumas marcas porque não tinham uma comunicação muito clara sobre o que eram seus produtos”
A primeira edição do evento reuniu 15 expositores. As formações em design de Claudia e moda de Gladys fizeram com que as sócias focassem a curadoria da feira em marcas dessas áreas, mas que depois foi se expandindo.
Mais do que vender produtos, a ideia das sócias era fazer com que as pessoas se conhecessem, estabelecessem contatos e criassem outros projetos juntas ou colaborações para outras marcas que combinassem.
No começo, as duas sócias não viam a feira como um negócio. “Era um projeto que mal se pagava”, diz Gladys. “Nós nem incluíamos o nosso trabalho no orçamento.”
Assim como para muitos expositores, para elas a feira Jardim Secreto era um projeto paralelo, que conciliavam com seus trabalhos — Claudia era designer na revista Carta Capital; Gladys trabalhava como garçonete no restaurante Chez Mis e tinha um brechó.
No entanto, conforme o Jardim crescia e despertava interesse, as duas decidiram deixar seus empregos com carteira assinada para investir no projeto e torná-lo rentável. Claudia diz:
“Entendemos que estávamos realizando um trabalho de produção, prestando um serviço… Então, começamos a incluir o valor do nosso trabalho nas taxas”
Em busca de um espaço maior para realizar a feira, em 2015 elas tiveram de prescindir da presença das árvores. Passaram a ocupar o estacionamento do Museu da Imagem e do Som (MIS), onde conseguiram abrigar 45 expositores. “Lá tínhamos mais estrutura, como luz, som e algumas barracas”, diz Gladys.
Embora o local fosse confortável para sediar o evento, as sócias sentiam que precisavam arriscar e crescer um pouco mais. Havia uma lista de espera maior do que elas conseguiam dar oportunidade de exposição na Jardim Secreto, que ocorria a cada três meses. Em uma das convocatórias, chegaram a receber cerca de 500 inscrições.
Para atender à demanda, em 2016 as duas deram um passo importante: voltaram para o local onde Claudia um dia sonhou em realizar o evento — a praça Dom Orione, no Bixiga, onde poderiam abrigar cerca de 200 expositores.
“Não queríamos deixar de chamar as marcas que já participavam da feira”, diz Gladys. “Ao mesmo tempo, queríamos abrir espaço para novas.”
Aumentar o espaço, então, foi uma decisão fundamental. Ela relembra:
“Havia um boom de criatividade e produção local. Foi mágico ver isso de perto. Estávamos criando junto com essas pessoas”
O céu azul da luz do dia parecia ser o limite para as sócias, mesmo que não tivessem um plano de rota traçado. No ano seguinte, 2017, além de tocar a feira em si, elas arrecadaram R$ 85 390 por meio de um financiamento coletivo e inauguraram a Casa Jardim Secreto.
“Não tínhamos coragem de ir ao banco fazer um empréstimo. Fazíamos tudo em rede”, conta Gladys. Claudia completa: “Era uma demanda do público conhecer as marcas presentes na feira em dias fora do evento”. Na casa, elas comercializam 60 marcas.
A experiência de ter um ponto fixo no comércio, para as sócias, foi muito mais trabalhosa do que montar um evento com mais de uma centena de expositores. Gladys afirma:
“A demanda das lojas era diária. Tínhamos ainda que cuidar do estoque, do sistema de repasse, do atendimento ao público e das expectativas das marcas. Era muito trabalhoso”
Elas ressaltam que, embora fosse uma loja colaborativa, sentiam-se sozinhas.
“Na feira, há uma força coletiva muito grande. Eram 150 pessoas trabalhando por um propósito”, diz Claudia. “A frase do nosso propósito é ‘O futuro é coletivo’. Mas a loja dependia mais do nosso esforço particular.”
Sem imaginar o que estaria por vir, em 2019 elas montaram o Galpão Jardim Secreto, na República (também na região central de São Paulo), onde representavam mais de 130 marcas em um espaço de 300 metros quadrados.
“Estávamos no nosso ápice”, diz Claudia. “Tínhamos a feira, a Casa, o Galpão e um café aberto dentro do Galpão, que administrávamos.”
Em um crescimento exponencial ano após ano, as sócias nunca tinham experimentado uma crise… Até o tombo provocado pela pandemia de Covid-19, a partir de 2020.
Impossibilitadas de reunir pessoas — o forte do negócio da Jardim Secreto —, elas viram o faturamento cair 70%, e tiveram de se reinventar. Claudia conta:
“Nunca tínhamos feito uma venda online na vida. Todo o nosso negócio era voltado para uma experiência presencial. Foi traumático”
Sem entender como poderiam vender os produtos em estoque, as duas fizeram lives no Instagram e negociações via WhatsApp. “Parecíamos uma grande distribuidora”, diz Claudia. “Em um único pedido, embalamos um sabonete, uma manta, um vestido e um grão de café…”
O que ajudou as sócias a dar vazão ao estoque e fazer o caixa virar foi a ideia de montar kits — por exemplo, de autocuidado ou café da manhã — para empresas enviarem um mimo para os funcionários naquele momento difícil e de medo que o mundo estava vivendo.
Ainda assim, Claudia e Gladys tiveram que abrir mão do salário por três meses, e usaram todas as economias guardadas da empresa. “Tínhamos 15 funcionários e não queríamos demitir ninguém”, diz Gladys. O que infelizmente acabou se tornando impossível devido ao prolongamento da pandemia.
Para se reerguer, as sócias do Jardim Secreto precisaram voltar ao essencial do negócio.
Elas entregaram o Galpão, na República, e a Casa, no Bixiga, e foram dividir um imóvel com a mãe de Claudia, Leda Welter, que comanda a floricultura Blumenfee, em Santa Cecília. Seguiram com as vendas online, esperando ansiosas pela vacina e liberação dos eventos.
“Nós temos um nome muito forte no nosso setor, sabíamos que quando acontecesse a retomada, seria um sucesso”, sonhava Claudia.
Logo que foi liberada a realização de eventos, em outubro de 2021, a praça Dom Orione ainda não podia receber eventos, mas fizeram uma parceria com o Centro Cultural Mundo Pensante, que fica no mesmo bairro, para montar a feira seguindo todos os protocolos.
Apenas 15 marcas podiam participar por vez, por isso fatiaram a edição realizando a feira em todos os fins de semana de outubro. Claudia afirma:
“Demorou para engatar. Só sentimos a volta mesmo em março de 2022, quando fizemos novamente o evento ao ar livre e realizamos uma edição na rua Fortunato, em Santa Cecília, em frente à nossa sede”
Em setembro de 2022, mesmo com a volta dos eventos, as sócias decidiram fechar a Casa Jardim Secreto como uma loja colaborativa; em contrapartida, para as marcas interessadas, montaram um marketplace. Elas também deixaram a loja da sede focada nas vendas de cosméticos naturais.
“Esse é um segmento em que as pessoas têm mais necessidade de ver ao vivo”, afirma Claudia. Para as clientes, elas ainda oferecem o serviço de uma esteticista para orientá-las na compra de produtos mais adequados.
Durante todo esse processo de reavaliação ocorrido durante a pandemia, ambas as sócias também vivenciaram a maternidade. Claudia deu à luz Joaquim, hoje com 1 ano; Gladys está vivendo o puerpério após a chegada de Angelo, atualmente com 5 meses.
Essas experiências fizeram com que ambas se tornassem mais atentas ao espaço dedicado às crianças na feira, bem como a detalhes sobre a obrigação de ter um trocador para famílias, não apenas no banheiro feminino.
Durante o mês de maio, a comunicação e o site da Jardim Secreto focaram no tema. Claudia afirma:
“Nós sempre olhamos para a questão de gênero, incentivando e dando mais espaço para marcas lideradas por mulheres, mas após a maternidade, isso se tornou ainda mais evidente”
Nos últimos tempos, a dupla de empreendedoras se tornou um trio, com a chegada de Laura Madalosso. Ela acompanha a Jardim Secreto desde 2014, quando ainda atuava na Insecta Shoes.
Em 2019, Laura fundou a Cora Design, uma consultoria para negócios sustentáveis. Devido à sinergia dos projetos, Claudia e Gladys a convidaram para ser sócia da Jardim Secreto.
A SUSTENTABILIDADE SE TORNOU UM DOS PILARES DA MARCA — E TAMBÉM UM CRITÉRIO PARA A CURADORIA
Desde 2022, a Jardim Secreto realiza eventos uma ou duas vezes por mês, contando com cerca de 150 marcas.
No primeiro semestre de 2023, as sócias firmaram uma parceria com a Galeria Metrópole e farão edições mensais no endereço (a próxima está marcada para o fim de semana de 15 e 16 de julho), além da “Feirinha”, agora bimestral, na rua Fortunato, na Santa Cecília, em frente à sede da empresa.
Para participar dos dois dias da edição na Jardim Secreto realizada na Galeria Metrópole, em junho, cada um dos 170 expositores investiu R$ 1 100. Claro que todos estão interessados em vender pelo menos o suficiente para pagar a feira. Porém, para algumas marcas, como a Dona Nani, de cachaça, bebidas mistas e caipirinhas envasadas, estar ali também é uma ação de marketing. É o que diz o fundador, João Carlos Abrekian:
“Precisamos mostrar nossos produtos e aqui temos um público de potenciais consumidores. Para nós, vale a pena esse contato com as pessoas”
Um dos objetivos deste novo momento do Jardim Secreto é trabalhar melhor o pilar da sustentabilidade. Nessa primeira edição, que ocorreu na Galeria Metrópole, firmou-se uma parceria com a empresa Realixo para reciclar todo o lixo produzido na Jardim Secreto.
Em julho, ocorre a campanha Julho Sem Plástico, e as sócias já planejam como trabalhar com as marcas, principalmente as de comida, para reduzir o uso de plástico nas embalagens.
“A questão socioambiental sempre foi um propósito para nós como marca”, diz Claudia. “Decidimos, então, incluir em nossos critérios de curadoria a seleção de marcas engajadas nessa causa de impacto ambiental positivo.”
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