Como é andar de patinete elétrica, a nova “moda” urbana, em São Paulo

Alex Xavier - 25 set 2018
Mesmo com mobilidade reduzida, o repórter Alex Xavier topou um passeio de patinete da Ride. Sobreviveu ao teste sem lesões.
Alex Xavier - 25 set 2018
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Quem vive em São Paulo e frequenta a região da Avenida Faria Lima já se acostumou a ver patinetes circulando pelas ruas. Não daqueles clássicos brinquedos de criança, mas umas mais modernas, elétricas, guiadas por adultos — de hipsters a engravatados. A prancha de duas rodinhas motorizada e com guidão tem se popularizado como opção de mobilidade como alternativa sustentável para evitar o trânsito e, principalmente, por parecer simples de manejar. Até para os mais desengonçados dos bípedes, como este repórter, que testou um equipamento da Ride, uma das marcas de compartilhamento de patinetes elétricas disponíveis na cidade.

Além de ser naturalmente atrapalhado, convivo há três anos com uma pequena dificuldade motora: um problema neurológico me faz mancar da perna esquerda, que é menos estável. No dia a dia, uso uma bengala para enfrentar os muitos buracos, desníveis e outros obstáculos das calçadas de São Paulo. Fiquei bastante interessado em encontrar um meio de locomoção alternativo para percorrer distâncias curtas. Se passasse pela experiência ileso, talvez aderisse de vez à onda das patinetes elétricas.

Os veículos estão à venda no Brasil há meses, em diferentes modelos, por preços a partir de 700 reais. A novidade por aqui é o serviço de compartilhamento, que vem se expandindo — como ocorreu nos Estados Unidos e na Europa. Em São Francisco, na Califórnia, onde a brincadeira surgiu há um ano, existem várias empresas investindo nessas locações, como Bird, Spin e Lime — esta última, ligada ao Uber. Tantas que a prefeitura precisou intervir e regulamentar o uso dos veículos para evitar engarrafamento nas calçadas. Nos arredores de Los Angeles, outro berço do negócio, a iniciativa chamou a atenção do empreendedor paulistano Marcelo Loureiro, 50.

Ele vivia lá desde 2008 e já tinha investido em diferentes empresas. A última foi a Spinlister, um sistema colaborativo de aluguel de bicicletas, que vendeu quando começou a se planejar para voltar ao Brasil. Na mesma época, testemunhou o boom das patinetes motorizadas bem abaixo da janela de seu escritório, na cidade de Santa Mônica. “O Marcelo percebeu que isso daria muito certo em São Paulo, onde a questão do trânsito é complicada e mesmo um microdeslocamento pode te obrigar a atravessar uma via completamente congestionada”, conta a publicitária Paula Nader, 47, sócia da Ride junto do engenheiro de produção Guilherme Freire, 33. Desde o final de agosto, quando o app da Ride entrou em operação, as patinetes têm se espalhado pelo eixo da ciclovia da Faria Lima, que foi meu campo de testes em uma quarta-feira ensolarada.

OS DESAFIOS DE PILOTAR UMA PATINETE

Então vamos ao test-drive. A Ride funciona assim: após baixar um aplicativo, o usuário tem acesso a um mapa no qual localiza onde encontrar o equipamento. Com o cartão de crédito cadastrado, destrava o sistema e paga uma taxa correspondente ao tempo de uso, podendo devolver em qualquer ponto credenciado.

A minha primeira dificuldade foi me entender com o mapa do app. Sem minha bengala, que só atrapalharia, fui até o lugar indicado onde os veículos deveriam estar, em Pinheiros, zona sul, e não encontrei nada nem ninguém. Perguntei à garçonete de um bar, que me indicou outro ponto, a três quarteirões dali. “Diferente da bicicleta, a patinete ainda não está regulamentada. Então, a gente combinou com a prefeitura que começaria a operação de ponto a ponto privado”, conta Paula. Na semana do meu passeio, eram oito endereços, mas eles já seguem o plano de acrescentar, pelo menos, um ponto novo a cada dois dias. “Nossa ideia é que o usuário saia do seu escritório e ache a patinete bem perto, para não desistir ou adotar outro modal. Não se surpreenda se, em breve, encontrar a Ride em pontos que são vizinhos de parede, quanto mais, melhor.”

Agora, no começo da operação, a Ride vai manter um orientador para ajudar os usuários na retirada do veículo.

Cafés e restaurantes, pet shops, condomínios residenciais e centros empresariais estão entre os locais escolhidos pela startup. Segundo Paula, o ponto ideal fica em uma área privada onde possam colocar, ao menos, duas unidades visíveis da rua, para interessar não só quem já tem o app como quem está de passagem.

“É um acordo legal para todo mundo. Para o usuário, porque consegue encontrar e devolver a patinete de uma forma prática; e para o dono do estabelecimento, porque a gente consegue gerar um fluxo de pessoas”, conta a empreendedora.

No ponto que escolhi, estavam estacionadas três patinetes, com três rapazes da empresa atendendo e orientando os usuários. Fui logo avisando que nunca havia andado naquilo antes. Estava preparado para ouvir um longo tutorial, mas eles levaram mais tempo mostrando como liberar o equipamento, usando a câmera do celular na leitura do código do que propriamente falando do funcionamento dele.

Hoje, contando mecânicos, desenvolvedores e a equipe de rua, a Ride emprega 48 funcionários, que cuidam de toda a operação, inclusive a manutenção. Eles retiram todos os veículos diariamente das ruas para recarregar as baterias elétricas e verificar possíveis defeitos.

Com a patinete em mãos, recebi uma orientação bem simples. Para sair da inércia, é preciso dar dois ou três impulsos com a perna. Só então deve-se acelerar, com cuidado. Como estava em uma pequena descida, era só deixar a gravidade agir e acionar a ignição com a mão direita. Estava pronto para o meu primeiro tombo e fiquei feliz por não haver muita gente ao redor. Para minha surpresa, porém, foi realmente tranquilo ligar o silencioso motor pela primeira vez e chegar, pelo calçamento, à primeira esquina. De lá, tomei a ciclovia no canteiro central da Faria Lima, em direção ao Itaim, um passeio que tinha tudo para ser sossegado, não fosse a “peça” que fica segurando o guidão, ganhando confiança lentamente a cada quarteirão.

COMO ADAPTAR A TECNOLOGIA ÀS CALÇADAS BRASILEIRAS

Toda a tecnologia da Ride foi desenvolvida pela própria startup. Após decidir seguir por esse caminho, há cerca de um ano, Marcelo chegou a ir à China para visitar os maiores fabricantes do segmento. Percebeu que seria necessário criar seu próprio sistema — do software ao hardware, como conta Paula:

“Não fazia sentido trazer uma patinete que roda em Los Angeles para São Paulo. Aqui chove mais e a qualidade do nosso piso, das calçadas, ou mesmo da ciclovia, é diferente”

Os sócios ainda fizeram várias modificações para atender a legislação brasileira, bem diferente da norte-americana, incluindo itens de segurança como o velocímetro. A velocidade máxima nas ciclovias aqui, por exemplo, é de 20 km/h. Nas calçadas, 6 km/h.

Pausa para uma selfie durante o teste da patinete da Ride.

Oficialmente, a empresa foi fundada em janeiro deste ano, com Marcelo ainda nos Estados Unidos e vindo regularmente ao Brasil. Guilherme entrou em março, apresentado por amigos em comum, quando seu interesse ainda era na Spinlister, mas soube da venda da empresa de aluguel de bikes e foi envolvido pela história das patinetes. Paula foi a última a se juntar ao grupo, após largar a diretoria de marketing do Santander.

Ela diz que os três fazem de tudo um pouco, sem uma função específica. Apesar de não revelar números ou dar nomes, a sócia conta que o valor inicial veio parte de recursos próprios dos empreendedores e outra de investidores-anjos, alguns brasileiros e a maioria norte-americanos. “Além de capital, muito deles aportaram know-how, já que são fortes na área de mobilidade.”

No início do mês passado, a Ride começou sua fase de testes, com uma frota nas ruas. Desde então, foram cerca de 6 mil downloads do app. “Foi um período que a gente aproveitou para experimentar o aplicativo e o equipamento sendo usado por muitas pessoas que nunca tinham subindo em uma patinete elétrica”, diz a empreendedora.

Atualmente, eles já contam com 300 unidades operando e, até o final de outubro, esperam chegar a mil. “O que está na regulamentação de bicicletas é ter, no mínimo 25 mil bicicletas circulando. Se a gente imaginar que o mercado de patinetes é muito parecido, vemos que tem bastante caminho para crescer só em São Paulo. E, claro, estamos olhando para outros polos também.” Basicamente, cidades onde há ciclovias e ciclofaixas e uma topografia mais plana interessam a eles.

Ao mesmo tempo que concorrentes como a Scoo e a Yellow (a mesma das bicicletas) estão buscando sua fatia do bolo, chegam dos Estados Unidos notícias sobre a insegurança das patinetes elétricas. Este mês, o governo da Califórnia tornou o uso do capacete obrigatório, motivado pelo caso de um usuário que morreu ao cair de cabeça. Paula fala a respeito:

“Nossa legislação não exige o uso de capacete, mas recomendamos o uso e planejamos fazer uma campanha a respeito”

Ela complementa: “A ideia é construir a imagem do capacete como um negócio bacana, indispensável para quem se desloca pela cidade por modos não tradicionais”. Eu mesmo não levei capacete para o meu test-drive. Deveria, pois a confiança que ganhei conforme avançava na ciclovia me deixou meio inconsequente. No início, titubeei ao passar sobre buracos na pista, pois perde-se fácil o equilíbrio com essas oscilações. E, pior, existiam bueiros desnivelados em certos trechos. De repente, eu estava em uma prova de off-road… só que de patinete!

Entre trancos e barrancos, o repórter Alex Xavier fez um trajeto de 25 minutos com uma patinete da Ride. A corrida saiu 15 reais.

Este também não é o veículo mais apropriado para curvas bruscas. Até então, porém, tudo bem. Até que eu resolvi ser mais impetuoso, quando já voltava para a base. Acelerei ao máximo para cruzar a Teodoro Sampaio antes que o farol para os carros ficasse verde. Deu tempo de alcançar a outra margem, só não vi o pedestre que atravessava na faixa. Para não acertá-lo, fui para o chão em uma posição pouco nobre. Muitos celulares ao redor. Certeza de que alguém gravou a cena. Eu mesmo não consegui registrar muitos momentos, pois é impossível tirar as duas mãos do guidão (como se faz em uma bike) e não se desequilibrar.

Paula é clara sobre a questão: “Da mesma forma que a bicicleta, potencialmente, tem risco, a patinete também tem”. No entanto, ela acha seu produto mais confiável, por ter o centro de gravidade mais baixo e os pés perto do chão.

A Ride pretende produzir mais conteúdo para as pessoas adquirirem mais segurança e, também, bom senso. Vai descer a calçada? Nada de descer a guia dando um salto achando que vai pousar como se fosse um skatista habilidoso. Por outro lado, a lição número 1 para a empreendedora é aproveitar o passeio. “Na hora que o usuário pega uma patinete para ir a uma reunião, transforma seu dia. São dez minutos que ele tem contato com a cidade de um jeito diferente, algo que dentro de um carro é impossível. Naquele tempinho, ele se diverte no meio da rotina”, diz Paula. Já eu, posso dizer que voltaria a usar a patinete — com capacete da próxima vez.

DRAFT CARD

Draft Card Logo
  • Projeto: Ride
  • O que faz: Compartilhamento de patinetes elétricos
  • Sócio(s): Marcelo Loureiro, Paula Nader e Guilherme Freire
  • Funcionários: 48
  • Sede: São Paulo
  • Início das atividades: 2018
  • Investimento inicial: Não informado
  • Faturamento: 6 mil downloads do app
  • Contato: [email protected]
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