Paulo Roberto Kress Moreira, 45, é um nome conhecido para quem acompanha a cena gastronômica paulistana. Ele foi um dos sócios do Grupo Egeu, dono dos restaurantes General Prime Burger, Kaá e Italy, e já foi eleito Restaurateur do Ano por publicações como Veja São Paulo e o extinto Guia Quatro Rodas. Foi ideia dele tirar o chef Salvatore Loi da cozinha do aclamado Fasano e levá-lo ao Girarrosto, que à época abocanhou o prêmio de restaurante italiano revelação da América do Sul pela revista inglesa Restaurant, uma das mais respeitadas do gênero.
Mas não vamos falar de restaurantes aqui, e sim de como um projeto inovador, ousado e que gera um benefício real para o lugar em que é implantando acabou ganhando o espaço principal na rotina deste empreendedor. No início do ano passado, Paulo Roberto vendeu sua participação no Grupo Egeu para dedicar-se exclusivamente ao Zolkin — um aplicativo que converte moedas virtuais em descontos, como um incentivo ao consumo de bairro (em restaurantes e cinemas, por exemplo). “O app que paga pra você ir logo ali”, como diz o site.
Funciona assim: ao se cadastrar, gratuitamente, o usuário ganha 100 moedas zolkin, que equivalem a 100 reais. Por geolocalização, ele escolhe – de padaria a pet shops – onde vai consumir: cada estabelecimento limita uma porcentagem da conta a ser paga com zolkins. Ao ser informado da forma de pagamento, o garçom lança o CPF na máquina de cartão, o desconto é efetivado e o valor pago em reais se transforma em zolkins, para serem usados em futuras compras dentro de um ano. Apesar de poder ser ativado de qualquer lugar, o intuito do aplicativo é incentivar as pessoas a usarem serviços no bairro onde moram e trabalham – o que, para os idealizadores, é uma revolução de qualidade de vida, fomento à economia local e até de segurança pública, já que gente circulando pelas ruas significa bairros mais humanizados.
De acordo com Paulo Roberto, há 113 mil usuários cadastrados no app e 120 estabelecimentos – casas do Grupo Egeu incluídas –, em São Paulo e Alphaville (que pertence ao município paulista de Barueri), por enquanto.
Para integrar o Zolkin, os estabelecimentos repassam 4% do valor total da compra para o aplicativo. Hoje em dia, isso representa um faturamento de cerca de 30 mil reais mensais para o negócio de Paulo Roberto. Uma das vantagens, para o estabelecimento, é que ele pode determinar o horário em que o desconto Zolkin funciona e, assim, gerar fluxo de clientes nos horários mais vazios de um restaurante, por exemplo.
A ideia é que, ainda este ano, o Zolkin esteja presente nas capitais do eixo Sul-Sudeste e, em seguida, nas do Norte, Nordeste e Centro-Oeste. “Mercados menores são mais abertos à inovação, apostamos nisso”, diz.
Fortalecer o comércio local é uma ideia boa, tornar a relação entre estabelecimentos comerciais e seus vizinhos algo mais humanizado também. Mas o app ainda não decolou. Então é disso que vamos falar: da escolha desse sujeito, de seus desafios e motivações.
A trajetória empreendedora de Paulo Roberto antes do Zolkin vai além da gastronomia: aos 24 anos, ele fundou o parque gráfico Total Print, que fornecia boletos e faturas para bancos e empresas de telefonia, chegando a ter três plantas no país (no Rio, em São Paulo e em Uberlândia). “Da família, só herdei a paixão pela comida”, diz ele. Sua avó era banqueteira em Guaxupé (MG), pertinho de Mococa (SP), cidade onde o paulistano cresceu. Outro negócio que ele criou, a Mindex Participações, foi uma das responsáveis por implantar o primeiro parque eólico privado do Brasil, em Água Doce (SC). Paulo Roberto vendeu sua participação nas duas empresas, antes de se desvincular do Egeu.
VINTE ANOS DEPOIS, ASSISTIR A UM NOVO NASCIMENTO
É comum que um empresário bem-sucedido seja cortejado com ofertas inovadoras ou propostas de parceria. Menos usual, no entanto, é ele se entregar exclusivamente a uma delas. Ainda mais se for algo com mais potencial do que retorno em vista. Pois foi o que aconteceu com Paulo Roberto, ao ser apresentado a uma plataforma que permite transações com voucher emitidos entre estabelecimentos comerciais, no fim de 2012. Seu irmão, Paulo Ricardo, que ainda é sócio no Grupo Egeu, embarcou junto para dar forma ao Zolkin.
A moeda ganhou o nome e a roupagem atuais pelas mãos dos dois. Eles investiram cerca de 500 mil reais para tirar o projeto do papel e, desde então, mais 20 milhões de reais para mantê-lo em pé (o que inclui, por exemplo, o salário dos 15 funcionários e gastos com marketing e sistemas). O aplicativo já teve que ser refeito três vezes para se adequar ao sistema operacional e às máquinas de cartão da Rede, por exemplo. O estabelecimento cadastrado precisa ter uma maquininha da Rede ou TEF para receber a moeda virtual.
POR QUE AINDA NÃO DECOLOU – OU SOBRE COMO SE JUNTAR A UM GIGANTE NÃO TE TRANSFORMA EM UM
Desde que adquiriu a startup, Paulo Roberto sabia que a demanda de trabalho seria grande. “Procurava acompanhar os restaurantes de perto, e isso começou a ficar cada dia mais difícil”, diz. Afinal, estruturar uma empresa de tecnologia não estava na sua expertise. Logo vieram as negociações com a Cielo, que inicialmente iria viabilizar as transações do aplicativo. A promessa da operadora era de que o Zolkin operaria no Brasil inteiro em um ano e meio. Mas não avançou.
Nesse meio tempo, a Rede (antiga Redecard, que hoje pertence ao Itaú) entrou em contato com Paulo Roberto e pediu que ele abortasse as negociações com a concorrente, sob a promessa de abrir o aplicativo nacionalmente em 90 dias após a assinatura do contrato. Ele topou e, idas e vindas de papel depois, o documento passou a vigorar. Há dois anos. Ele fala dessa espera:
“Estamos no aguardo de uma definição estratégica do Itaú para que o Zolkin seja lançado no resto do país”
Paulo Roberto prossegue, e conta como se sente: “A sua prioridade acaba indo para o fim da fila de a um gigante como o Itaú”.
O prazo final para que a Redecard viabilize a operação em nível nacional é junho deste ano. Do contrário, o pior que pode acontecer é o banco comprar o aplicativo e fazer dele o que bem entender. “Estou resguardado contratual e financeiramente, mas seria uma grande derrota pessoal”, completa o empreendedor. No entanto, a crença no potencial do negócio o mantém firme – ele fala em alguns milhões de faturamento quando o aplicativo começar a operar nacionalmente.
“Esperar o Zolkin acontecer é um exercício diário. Alguém sem a serenidade e a experiência que tenho hoje já teria enlouquecido”
A espera pelo parceiro gigante, entretanto, não é inerte. Paulo Roberto participa de reuniões semanais com representantes da Rede e diz nunca ter se sentido abandonado pela empresa. Trata-se, para ele, de perspectivas diferentes, entre a prioridade que ele e o Itaú dão ao Zolkin. A quem embarca nessa, principalmente se for com menor conforto financeiro, ele recomenda muita cautela e certo desapego. “Quando você se associa a uma grande marca, sua startup passa a pertencer a ela”, diz. Ou, como ele mesmo metaforizou em alguns momentos da entrevista, imagine um teco-teco prestes a se plugar em um Boeing 747.