Sabe aquelas moedinhas esquecidas no cantinho do seu sofá, no seu carro ou até debaixo do tapete? Juntas, elas podem fazer uma enorme diferença social via microdoação. É isso que move o Arredondar, um empreendimento social que incentiva as pessoas a literalmente “arredondarem” sua conta na hora do pagamento, destinando esses centavos a instituições sociais. Nos últimos dois anos, a ideia tomou corpo e o valor arrecadado aumentou mais de quatro vezes no período.
Em nova conversa com o Draft, o economista e investidor social Ari Weinfeld, 58, conta que até hoje 6 milhões (ante 1 milhão há dois anos) de pessoas já “arredondaram” suas contas, destinando quase 850 mil reais (há dois anos, 197 mil) a projetos sociais. A outra diretora e sócia, a administradora Nina Valentini, 29, não participou da entrevista dessa vez porque está de licença-maternidade.
Como funciona o Arredondar? Ao comprar, por exemplo, um par de meias de R$ 15,80, pode-se arredondar, no caixa, o valor para 16 reais – e esses 20 centavos são destinados a uma das organizações sociais selecionadas pelo Arredondar (todas alinhadas com os Oito Objetivos do Milênio). Esta doação não é tributada, e o doador recebe um comprovante já na boca do caixa, com informações sobre o Arredondar — que não tem fins lucrativos e pode, no futuro, usar 10% do que doa para pagar seus custos administrativos (hoje isso ainda não é necessário, pois o investimento inicial ainda sustenta a operação).
A ideia do Arredondar é simples, democrática e de impacto social direto – e o reconhecimento disso veio em 2016, quando o projeto conquistou dois prêmios que são o supra-sumo do Terceiro Setor: o primeiro, de Desafio de Impacto Social promovido pelo Google, e o Prêmio Folha de Empreendedor Social (este, para Nina Valentini). Ari fala sobre o “segredo” do Arredondar:
“Passamos seis anos elaborando um modelo em que o varejista praticamente não pudesse dizer não”
Ele prossegue: “Para recusar, ele tem que falar que não quer doar. Todos os outros empecilho nós resolvemos. Na prática, é importante que ele lembre a seus clientes que esta é uma oportunidade de fazer algo bacana para a sociedade.” O Arredondar já está presente em 530 lojas entre Rio e São Paulo, contabilizando em média 12 mil pessoas arredondando o valor de suas compras todos os dias. “Mas precisamos de muito mais”, afirma Ari.
O PLANO É CRESCER AINDA MAIS
Este ano, eles estão expandindo e levando o sistema para além de Rio de Janeiro e São Paulo, alcançando lojas em Minas Gerais, Espírito Santo e Pernambuco. Em paralelo, até o final do ano eles também vão aumentar de 40 para 70 o número de ONGs beneficiadas pelas doações. No site há uma relação de todas.
Também em comparação à primeira vez que apareceu aqui no Draft, o Arredondar aumentou de forma significativa sua entrada em lojas parceiras, operando no pequeno, médio e grande varejo, com a entrada de marcas conhecidas, como Havaianas e a rede de supermercados Pão de Açúcar. Ari conta como isso gera uma espiral positiva:
“A parceria com o Pão de Açúcar é um certificado de credibilidade: para estarmos lá, não podemos afetar a área tributária, fiscal nem de TI da empresa”
No dia-a-dia das operações, o Arredondar tem, pelo menos, três grandes desafios. O primeiro é fazer com que os varejistas entendam que mesmo mexendo na área tecnologia de seu negócio, nada será afetado. “Demora muito até que eles percebam que trata-se de um processo fácil. Além disso, somos o último assunto deles, pois os diretores financeiros têm outras preocupações como prioridade e ajudar o Terceiro Setor não é uma delas”, diz.
ESTÁ BOM, MAS NÃO ESTÁ FÁCIL
O segundo desafio é fazer com que o funcionário que trabalha no caixa pergunte ao consumidor – e explique – se ele quer arredondar. A pergunta, porém, só vem depois de questionar se o cliente quer informar o CPF para a nota fiscal, se o cartão é de débito ou crédito, se ele quer parcelar, se quer saquinho plástico, se quer recarregar o celular. Por último, pergunta-se se ele quer arredondar.
“Um caixa mexe com dinheiro, com fila, com pessoas sem paciência, então é um grande desafio fazer este treinamento”, conta Ari. Mas, com um trabalho de formiguinha, eles têm conseguido fomentar a cultura da doação.
Maria Besser, que trabalha no Arredondar e participa diretamente dos treinamentos das vendedoras e caixas conta que já é possível ver uma postura diferente.
“Elas gostam do novo hábito de doar, de escutar sobre o trabalho de ONGs, da colaboração para um Brasil invisível. Estamos plantando uma semente”, diz. Maria conta que os treinamentos variam de acordo com cada loja: alguns são presenciais, outros à distância via uma plataforma desenvolvida pelo próprio Arredondar.
Um grande problema do varejo, aponta ela, é a rotatividade de 80% para balconistas, uma taxa altíssima que exige treinamento constante para os muitos novatos que não param de chegar.
O terceiro desafio é lidar com barreira cultural nacional. “Há quem tenha contato com creches ou ONGs no dia a dia, principalmente na periferia, e consegue enxergar sua importância”, diz Ari. Mas ainda é pouco:
“ONG no Brasil é quase um palavrão, sinônimo de algo que não é legal. Mas isso vai mudar, está mudando”
Ele acredita, porém, que o país “está engatinhando” no sentido de uma melhoria dessa imagem e espera que o preconceito com ONGs possa se reverter em doações mais frequentes, especialmente de quem pode mais. Isso porque, diz, são as pessoas das classes C e D as que mais doam no país.
AJUSTANDO O MODELO PARA QUEM JÁ TEM UMA CAUSA
O Arredondar oferece dois modelos de operação para os varejistas. O primeiro é feito para os que ainda não tem “uma causa” ou um departamento que cuida de Terceiro Setor. Para este, o dinheiro é destinado para as ONGs do Arredondar.
O segundo modelo foi criado para varejistas maiores, muitas vezes já engajadas em alguma ONG. Desta forma, o Arredondar certifica se a organização segue seus critérios. Se aprovada, metade do dinheiro vai para a ONG escolhida pelo varejista, e metade vai para o portfólio do Arredondar.
Um dos varejista, por exemplo, pediu que os arredondamentos feitos em sua loja impactassem o meio-ambiente. Por meio de uma organização, foram plantadas 734 árvores – é um retorno tangível.
Ari conta que o dinheiro recebido pela ONG é usado da forma que a ONG escolher. Sabendo que elas são idôneas, confia-se que será uma verba bem usada. Ele diz, também, que é importante que o Arredondar não seja a única fonte de receita da ONG: “Não queremos esta dependência. Para participar, é preciso ter outros mantenedores”.
A equipe de oito pessoas do Arredondar (há dois anos eram cinco) coleciona casos de pessoas que doaram pela primeira vez por causa da oportunidade oferecida nas lojas.
“Sabemos que o brasileiro gosta de doar, mas não sabe como, ou tem medo. No Brasil se começa com o acordo de desconfiança – e não da confiança”, conta Ari.
Por ser pioneiro nesta área, eles não têm concorrentes. “Loucos, só nós,” brinca ele. Na verdade, ele considera “concorrentes” os frentistas e os garçons, por trabalharem em pontos-de-venda onde não se pode arredondar para não competir com a gorjeta destes profissionais.
A PRÓXIMA FRONTEIRA É DIGITAL
Por estas e outras, o fundador conta que o Arredondar está de olho no e-commerce, onde não há intermediários entre o cliente e a compra, e pode-se manter contato com os consumidores por email depois que ele arredonda. O desafio, diz, será encontrar a maneira de fazer o cliente topar a doação sem que tenha de apertar mais um botão antes de finalizar a compra (as taxas de desistência aumentam conforme aumentam as etapas antes do fim da compra online).
Na visão de Ari, a internet ajudaria também em outra frente: a crise econômica brasileira fez com que diversas lojas parceiras do Arredondar fechassem.
“Por outro lado, como temos 2 milhões de desempregados, as pessoas querem fazer algo positivo para ajudar. Arredondar é uma boa forma. Este modelo tem em poucos lugares do mundo e o mais parecido com o nosso vem da Alemanha, onde as pessoas já chegam na loja e falam que querem arredondar.”
Além de focar em mudar esta realidade, Ari almeja algo maior: ver brasileiros chegando no caixa com a mentalidade dos alemães, loucos para colaborar.
Desconstruir mitos e fórmulas prontas, falando a língua de quem vive na periferia: a Escola de desNegócio aposta nessa pegada para alavancar pequenos empreendedores de São Miguel Paulista, na zona leste de São Paulo.
Contra o negacionismo climático, é preciso ensinar as crianças desde cedo. Em um dos municípios menos populosos do Rio de Janeiro, a Recickla vem transformando hábitos (e trazendo dinheiro aos cofres públicos) por meio da educação ambiental.
O chef Edson Leite e a educadora Adélia Rodrigues tocam o Da Quebrada, um restaurante-escola na Vila Madalena que serve receitas veganas com orgânicos de pequenos produtores e capacita mulheres da periferia para trabalhar na gastronomia.