Donos de gatos sabem o quão difícil é convencer os felinos a tomarem água. Com seis na casa em que mora na zona leste de São Paulo, Agnes Cristina, 35, conhecia bem a situação: eles viravam potes, esperavam até que alguém abrisse a torneira da pia ou simplesmente não bebiam. Mais do que um comportamento “esquisito” ou típico dos gatos, que não gostam de água parada, esse é um dos principais fatores de risco para doenças renais que os acometem. Inquieta, Agnes juntou a vontade de empreender à busca por uma solução para o problema e criou um bebedouro específico para os felinos, carro chefe da CatMyPet, empresa dedicada a criar produtos para melhorar a vida dos bichanos e que hoje é tocado por ela e pelo marido (e também sócio) Diogo Petri, 39.
O envolvimento de Agnes com gatos vem da infância. Natural de Porto Alegre, ela cresceu em Florianópolis, em um conjunto habitacional popular. Animais abandonados eram frequentes por lá, e ela e o irmão levavam todos para casa, estimulados pela mãe, que sempre buscava proteger os bichos. Por causa do espaço pequeno, a família limitou os resgates a gatos, pois os consideravam mais fáceis de cuidar e manter. Mesmo assim, o objetivo principal era ser um lar temporário, tratando-os e abrigando-os até que fossem adotados.
Na hora de prestar vestibular, porém, Agnes nem cogitou fazer Medicina Veterinária ou Biologia. Tinha “pavor a sangue e doenças, não podia ver um osso exposto que desmaiava”. Cursou Comunicação Social na Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul) e, em 2011, mudou-se para São Paulo em busca de oportunidades de trabalho.
Foi contratada por uma multinacional de alimentos, onde ficou responsável principalmente pelo desenvolvimento de produtos. Em 2014, por mais que gostasse do trabalho, começou a se sentir inquieta. “Sabia que o setor em que eu trabalhava era limitado, não via como crescer dentro da empresa. Pensava: por que não desenvolver produtos para mim?”, conta. A sensação não era infundada. Pouco tempo depois, sua área foi terceirizada e Agnes, demitida.
A PAIXÃO PELOS FELINOS A FEZ EMPREENDER
Em vez de buscar um novo emprego, Agnes resolveu focar no desejo de empreender. Na época, era voluntária em ONGs de adoção e proteção de animais. E, ao mapear seus hobbies e interesses em busca de algo que pudesse transformar em negócio, percebeu que havia espaço para produtos no nicho dos gatos. “A maioria das empresas e petshops fazem produtos voltados para cachorros”, diz. Em conversas nas ONGs e observando a própria experiência, ela chegou ao problema da hidratação dos felinos:
“As opções de bebedouros disponíveis no mercado tinham motores de aquário barulhentos que afugentavam os gatos, em geral mais ariscos que cachorros”
E assim, em 2015, surgiu a ideia de criar o bebedouro Magic Cat, primeiro e principal produto da CatMyPet. O sistema é composto por uma hélice dentro de um compartimento com capacidade para um litro de água e um tubo transparente que conecta tudo a uma torneira. A hélice empurra a água tubo acima, que transborda e escorre tubo abaixo, dando a impressão de uma torneira que está sempre aberta (é possível entender melhor o funcionamento neste vídeo).
Só havia um problema: Agnes não tinha dinheiro para desenvolver o protótipo. Os 16 mil reais que investiu para fundar a CatMyPet foram destinados a burocracias da abertura da empresa, entre elas a patente do produto.
A empreendedora tentou encontrar parceiros e investidores no Brasil, mas ninguém comprou a ideia. “Não me conformava que todo mundo conseguia fazer seus produtos e só eu não por falta de dinheiro”, diz.
Persistente, analisou outros produtos atrás de pistas que indicassem como tinham sido feitos. Assim encontrou a solução que foi o pulo do gato, com o perdão do trocadilho. “Made in China”: a etiqueta em tantos objetos que Agnes encontrava pela casa indicou o lugar onde ela poderia buscar um parceiro.
Usando uma rede privada virtual (VPN), acessou sites chineses em busca de fornecedores. Do pouco que entendeu, chegou a um fornecedor via WeChat que não só topou fabricar o produto, como já fazia negócios com o Brasil.
“Falei para ele que era uma grande empresa brasileira, expliquei a ideia do produto, e quando ele disse que topava, pedi referências de clientes com quem ele havia trabalhado”, diz.
Uma das referências passadas pelo fabricante era uma importadora brasileira, que concordou em intermediar a negociação com o fornecedor chinês. Ele, por sua vez, aceitou confeccionar os produtos, desde que Agnes se comprometesse a comprar cinco mil peças. Ela não pensou duas vezes. Foram cinco meses e oito protótipos até chegarem ao bebedouro ideal, testado e aprovado pelos gatos das ONGs.
OUSADIA E PERSISTÊNCIA SE PAGAM NO FINAL
Mas a situação financeira não havia mudado e, não bastasse o preço cobrado pelo fornecedor chinês, ela deveria pagar 10% do valor das peças à importadora. Comprometeu-se, então, a pagar até 100% a mais pelas peças após a revenda do produto. “Fiz a importadora apostar no projeto comigo, pois eles compraram o lote sem garantia nenhuma de que eu iria vender”, conta Agnes. A importadora, por sua vez, barganhou com o fornecedor para que o lote inicial fosse de 500 peças.
Agnes levou então 60 fontes para tentar vendê-las em uma feira da ONG Adote Um Gatinho, em dezembro de 2014. Em meia hora, os produtos esgotaram. A fundadora brinca: “Nossa prova de conceito estava feita, criamos uma fonte de água que vendia que nem água”.
A CatMyPet passou a vender os produtos no site próprio, em feiras e em petshops especializados em gatos. Apesar do sucesso, o início foi bastante sufocante pelo ritmo de compra e revenda estabelecido com a importadora, com quem mantiveram contrato até o início de 2018. E o sucesso também teve um efeito negativo, na visão da empreendedora: chamou a atenção de marcas concorrentes, que começaram a lançar fontes parecidas. Agnes conta:
“Percebemos que não poderíamos ser uma empresa de um produto só, era preciso nos fortalecer como uma marca de soluções para gatos”
Ser “a louca dos gatos” novamente se pagou, pois a relação genuína de Agnes com os animais e as ONGs só ajudaram o negócio. “O lado social também é uma inteligência de mercado, pois não adianta ter um público que não acredita na sua marca”, fala.
O envolvimento é constante, seja nas sugestões de produtos que recebem, quanto na hora de validar as criações diretamente com o público-alvo. Agnes continua promovendo campanhas de adoção e fazendo as vezes de lar temporário. E, em dinheiro mesmo, ela estima que sua empresa tenha doado mais de 100 mil reais para as ONGs parceiras.
Além de acessórios para a fonte, como kits de limpeza (19,90 reais) e suportes específicos (59,90 reais), a CatMyPet lançou outros 20 produtos, como comedouros elevados (109,90 reais) e sofá com arranhador (199,90 reais, de onde um dos gatos de Agnes só levantou ao final da entrevista, não sem antes dar uma boa arranhada). Todos estão disponíveis no site da marca e em 600 petshops espalhados pelo Brasil. A estimativa de Agnes é de que já tenham vendido mais de dez mil fontes nos três anos de existência do produto. O faturamento no acumulado deste período foi de 5 milhões de reais.
QUANDO CLIENTES SE TORNAM SÓCIOS DA EMPRESA
Embora não descarte a ideia de ter uma loja própria quando tiverem ao menos 50 produtos exclusivos, o foco de Agnes para o futuro da CatMyPet no momento é outro. Primeiro, quer expandir dentro do próprio Brasil. Recentemente, a empresa fechou contratos de venda com duas das maiores redes de petshops do país.
Para levantar capital de giro e conseguir atender à demanda, no ano passado, fizeram um crowdfunding com uma recompensa pouco comum: quem participasse ganhava ações da CatMyPet — no total, 10,8% de ações foram colocadas à disposição para a campanha. O objetivo era levantar 800 mil reais, e eles alcançaram 650 mil reais, ganhando com isso 182 novos sócios. Três deles fizeram aportes de 40 mil reais, valor mais alto da vaquinha, e têm agora 0,55% de participação no negócio. A fundadora conta:
“Isso foi legal porque também estreitou nosso envolvimento com a comunidade e o público-alvo, que agora mais do que nunca sente que é parte da empresa”
E, finalmente, 2019 será o ano em que a empresa chegará aos Estados Unidos. A expansão ocorrerá graças a um contrato de 30 milhões de dólares em vendas, fechado com o empresário americano Kevin Harrington, que apareceu no programa de TV Shark Tank, no qual a CatMyPet participou na versão brasileira. Ele ficará responsável por distribuir o produto para os norte-americanos, pagando cerca de 10% em royalties por peça vendida. O potencial é grande: enquanto no Brasil existem 20 milhões de gatos domésticos, por lá são mais de 90 milhões de clientes em potencial. Resta saber se os gatinhos americanos também vão se encantar pela fonte mágica da CatMyPet.
O luto ainda é um grande tabu. Para ajudar tutores a superar a morte de seus pets (ou mesmo mães e pais que lidam com a perda de um filho), a artesã Malu Límoli cria delicadas “joias afetivas” que encapsulam e eternizam amostras de DNA.