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Como fomos capazes de normalizar 666 assassinatos e 26 mil estupros de mulheres por semestre? Precisamos dizer “chega!”

Fabi Saad - 2 fev 2022
Fabi Saad, fundadora do Mulheres Positivas e idealizadora do SOS Mulher e Waze da Violência.
Fabi Saad - 2 fev 2022
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De janeiro a junho de 2021, foram registrados no Brasil 666 assassinatos de mulheres, todos cometidos por companheiros ou ex-parceiros das vítimas.

No mesmo período, casos de estupro em geral e de vulnerável cresceram 8,3%, na comparação com o primeiro semestre de 2020, quando houve subnotificação por causa da pandemia.

Mais de 26 mil mulheres sofreram abuso nos primeiros seis meses do último ano – foram mais de 24 mil no intervalo em 2020

Para fechar os dados, 57% dos brasileiros conhecem alguma mulher que foi vítima de ameaça de morte pelo companheiro atual ou pelo ex, o equivalente a mais de 91 milhões de pessoas.

Todos os números são do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), divulgados em dezembro de 2021. 

COMO INTERROMPER O CICLO DA VIOLÊNCIA 

As estatísticas falam por si. Ser mulher no Brasil é viver em perigo constante, 24 horas por dia, 7 dias por semana, 365 dias do ano.

Tornar este lugar uma nação plenamente democrática passa pela interrupção desse ciclo de violência.

É algo que deve estar em plano de política de Estado – a exemplo de políticas públicas de saúde e educação. É preciso transformar essa realidade.

A pergunta é: como?

Além de ações estruturais de Estado (importante lembrar da Lei Maria da Penha, marco que completou 15 anos em 2021), é fundamental que haja engajamento de todos – sociedade civil, agentes sociais, empresas, formadores de opinião – para mudar esse trágico cenário

Combater a violência contra a mulher tem de constar como prioridade para uma ainda frágil democracia como a brasileira.

Iniciativas como Think Olga e Think Eva, Não Me Kahlo e Tamo Juntas são ótimos exemplos de como a sociedade, sobretudo as mulheres, pode atuar com assertividade para modificar esse panorama. 

A TECNOLOGIA COMO ALIADA NO APOIO A MULHERES EM SITUAÇÃO DE VULNERABILIDADE

Como já pontuei, esse ciclo é ininterrupto. Essencial reforçar a compreensão de que toda e qualquer mulher habitante do Brasil está ameaçada por uma vulnerabilidade cotidiana.

Na rua, no carro, no trabalho, em casa. Sim, nem em casa estamos seguras, muito pelo contrário – como escancaram os dados do FBSP. 

Um dos caminhos passa por fornecer às mulheres ferramentas para que elas se sintam amparadas e seguras ao longo do dia.

Desde a época da fundação, do planejamento e da gestão do SOS Mulher, plataforma que desenvolvi em parceria com a Secretaria de Justiça e Cidadania do Estado de São Paulo, focado em mulheres em situação de vulnerabilidade social, penso em criar algo que possa auxiliar no suporte e na cobertura no cotidiano de todas

À época do SOS Mulher, a promotora Gabriela Manssur começou a desenvolver o projeto Justiceiras, que consiste em ajuda via WhatsApp, e já havíamos conversado sobre a possibilidade de desenhar um “mapa de violência” para poder proteger as mulheres.

Faz todo sentido utilizarmos a tecnologia a nosso favor. O “clique” final aconteceu no evento Startup Itália, do qual participei em dezembro passado com o Mulheres Positivas, plataforma que criei em 2010  para contar histórias de mulheres que transformaram suas vidas, além de promover o desenvolvimento pessoal e profissional deste público.

COM O WAZE DA VIOLÊNCIA, VAMOS MAPEAR ÁREAS DE RISCO PARA O PÚBLICO FEMININO

Uma das iniciativas desse encontro foi o programa “Unstoppable Women”, vertente de negócios e debates voltada a mulheres empreendedoras.

Uma delas era a italiana Eleonora Gargiulo, que desenvolveu no país o aplicativo Wher, com mapeamento de geolocalização e estatísticas combinadas a inteligência artificial de programação para identificar locais de risco para mulheres.

Então, nasceu a ideia do Waze da Violência, com dinâmica muito parecida com o Wher – e parceria com a Eleonora, que vai nos indicar os pontos de atenção e relevância, para oferecermos um serviço útil e positivo.

Vamos estudar também o histórico de reclamações e interatividades da usuária da Europa para entender o que pode ou não ser relevante para o contexto brasileiro e latino-americano.

A mecânica é muito simples. Ao sair de casa, ela abre o aplicativo para ver o caminho que fará para chegar a um determinado local. Observa se há comentários ou qualquer tipo de denúncia realizada perto da localização por onde vai passar.

Para realizar uma denúncia existem duas opções, dependendo da situação. Se for um caso menos complexo, que sirva apenas para alertar outras pessoas, basta inserir no aplicativo o que ocorreu. Caso haja algum caso de violência a ser denunciada, oferecemos os links diretos tanto da Delegacia Online quanto do app SOS Mulher (que serve apenas para quem já possui a medida protetiva contra a violência).

Incluiremos também o link da plataforma SOS Mulher, que serve para tratar o pré violência e não o pós. Em qualquer escolha, os casos ficarão registrados, e, ao sair, a mulher pode entender se houve ou não casos de perigo no trajeto escolhido.

É HORA DE DIZER BASTA E PARAR DE BANALIZAR MORTES E ESTUPROS 

O objetivo é que o Waze da Violência organize um mapa de calor que dê mais segurança ao ir e vir de todas que utilizam o Mulheres Positivas no Brasil, além do Mujeres Positivas, a versão em espanhol do aplicativo que também lidero em outros países da América do Sul.

Esse tipo de ação com o mapeamento de pontos vulneráveis para a violência contra a mulher e da sinalização de “zonas de perigo” já tem sido implementada com sucesso em aplicativos semelhantes na Europa, em países como Itália e França, bem como no Reino Unido.

Mais do que um novo braço da nossa plataforma, o Waze da Violência é uma ferramenta capaz de garantir real autonomia no direito de ir e vir das mulheres que vivem no Brasil

Passou da hora de dizermos “chega!”. É inadmissível normalizarmos 666 assassinatos e 26 mil estupros por semestre. Com o Waze da Violência, o Mulheres Positivas quer transformar essa realidade e colocar mais uma pedra nesse terrível ciclo do Brasil.

Buscamos uma nova realidade em que ser mulher, longe de significar risco e perigo constantes, 24 horas por dia, 7 dias por semana, 365 dias do ano, simbolize potência, luz, inspiração, segurança. 

Vamos juntas?

 

Fabi Saad é mãe de dois meninos, de 4 e 2 anos, empreendedora e empresária. Formada em Comunicação, tem pós-graduação em Marketing Internacional e com MBA em Marketing Digital. Apaixonada por empreendedorismo feminino, publicou três livros sobre o tema e, em 2010, fundou a plataforma Mulheres Positivas. 

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