A Escola de Notícias, organização que usa a comunicação para promover transformação social no Campo Limpo, zona sul de São Paulo, começou a fazer parte da vida da Camila Andrade, 25, em uma quinta-feira chuvosa de 2013, graças a um convite que veio por telefone, do Tony Marlon, 32, fundador do projeto.
Camila nasceu em São Paulo, é formada em Rádio TV e Cinema pela Anhembi Morumbi, e sempre trabalhou com projetos sociais ligados à comunicação. O cinema também foi uma paixão desde os 17 anos. Um dos seus trabalhos mais significativos foi participar de um programa da TV USP, chamado Quarto Mundo. “Foi um incrível porque tudo era feito pelos adolescentes, desde apresentação, até operação das câmeras e edição”, conta. Neste projeto, ele fez a primeira assistência de produção em um set de filmagem. Em seguida, em 2011, ganhou uma bolsa para estudar cinema na Escola São Paulo. Foi lá que cruzou Tony pela primeira vez, também bolsista do curso.
Os dois seguiram contato por todo o ano de 2012, até o telefonema de 2013, no qual o fundador a convidava para ser educadora de uma turma de vídeo da primeira turma da Escola Comunitária de Comunicação (ou ECOMCOM), o principal projeto da Escola de Notícias, que seria finalmente executado com o incentivo de fundos do edital VAI, da Prefeitura de São Paulo. “Demorei uma semana para responder, era muita responsabilidade. Aceitei porque fazia todo o sentido para mim”, diz Camila.
Até este ponto, a Escola de Notícias prestava serviços (como fazer vídeos e dar oficinas) para as organizações do Campo Limpo, atendendo a demanda local ligada à comunicação. Era uma forma de se sustentar, mas os serviços nunca foram a vocação da Escola. “Em 2013 a Escola de Notícias já estava mais madura, e sabia que não queria ser uma produtora. Queria ser uma organização que usa a comunicação para promover transformação social”, conta Camila.
Nesta fase surgiu o piloto da Escola de Comunicação Comunitária, uma jornada de desenvolvimento pessoal e produção comunicativa para jovens de 16 a 24 que estudem ou morem no Campo Limpo (bairro da periferia de São Paulo) e em Taboão da Serra (município da Grande São Paulo). A Escola mistura oficinas técnicas de comunicação — cinema, fotografia, escrita criativa — e a oficina chamada Transver, que discute os níveis de comunidade em que o jovem está envolvido: a família, a rua, o bairro e a escola. Camila fala dessa proposta:
“A comunicação é um meio, uma desculpa para discutirmos níveis de comunidade e as relações humanas. Não ensinamos a técnica pela técnica”
A Escola funciona no contraturno escolar, aos sábados. A proposta é que a jornada seja de três anos. O ano inicial é o ano de formação, e traz as oficinas de comunicação e desenvolvimento pessoal, para que o jovem desenvolva sua história de vida e da família, e entre em contato com a comunidade. Este primeiro ano é dividido em 4 módulos com grandes temas: “eu e minha família”; “minha rua, meus vizinhos”; “minha escola, meus saberes”; “meu território, nossa ação”. Dentro desses módulos, além de discussões sobre o tema central, os jovens criam produções técnicas, que são apresentadas em sessões comunitárias, geridas, inclusive financeiramente, pelos próprios jovens.
O segundo ano é mais conectivo, e propõe que o aluno saia do Campo Limpo para experimentar coisas fora dali. Com a ajuda dos educadores, o jovem mobiliza oportunidades de cursos e vivências na sua área de interesse.
O terceiro ciclo é uma vivência de três meses com um profissional da área de comunicação, como uma mentoria. “A ideia é que ele vivencie seu interesse, veja como funciona na prática antes de uma possível escolha de faculdade ou trabalho”, conta Camila. A proposta é, também, expandir a rede de relações deste jovem. Seguir para os outros ciclos não é uma obrigatoriedade.
SER MAIS UM NO NINHO
A Escola funciona no Espaço Cultural CITA, que é colaborativo e atualmente ocupado por mais de dez coletivos da região do Campo Limpo. Para preencher as 30 vagas disponíveis — 15 para as oficinas de cinema e vídeo e 15 para as oficinas de escrita criativa e jornalismo — a equipe faz uma mobilização online, nas escolas e outros pontos culturais do bairro. Os inscritos são chamados para um processo apreciativo, no qual se questiona a motivação deles, com a intenção de conhecê-los melhor.
Camila afirma que alguns jovens que passam pela Escola vão para a faculdade, outros direto para o mercado de trabalho. Outros, ainda, empreendem projetos pessoais. “É um espaço de testes, experimentação e de ganhar autonomia. O Marcos, de 20 anos, que está no segundo ciclo, está numa empreitada de montar uma produtora de vídeo para falar da cultura funk. Tem um mentor que trabalha numa produtora e o ajuda neste projeto”, conta.
A Escola de Notícias acaba de completar cinco anos de existência. A quarta turma da ECOMCOM se formou em dezembro último. As inscrições para a próxima turma abrem neste primeiro semestre de 2017. Camila diz, a propósito, que a própria Escola está em transformação o tempo todo e que já experimentaram diferentes durações das turmas, enquanto buscam entender a demanda local e as necessidades de cada uma, através de processo de análise geral da comunidade: “Somos fluidos, a Escola de Comunicação é um processo de vivência e experimentação tanto para os jovens como também para a equipe. É uma escola para dentro e uma escola para fora”.
COMO SUSTENTAR UM NEGÓCIO SOCIAL?
O principal projeto da Escola de Notícias, a ECOMCOM, é gratuita para os jovens. As oficinas são oferecidas pela equipe, que traz sempre um educador por turno, além de uma pedagoga e uma produtora (que cuida da parte logística, como materiais e lanches). Hoje, há quatro educadores fixos, além de convidados articulados da rede. Todos são remunerados.
A sustentação financeira se dá de duas maneiras: por editais privados e públicos e, além disso, pela prestação de serviços de comunicação.”Ainda estamos entendendo como funciona nossa prestação de serviços”, diz a coordenadora.
Hoje, isso acontece em dois núcleos criativos: um é o de produção de conteúdo jornalístico, escrita criativa, fotografia e audiovisual; outra forma de gerar receita são as oficinas de facilitação de processos, nos quais replicam a metodologia da Escola de Comunicação.
Em 2016, a Escola de Notícias foi responsável, por exemplo, pelo plano de comunicação do encontro de voluntariado do Instituto C&A, além de cuidar da produção de conteúdo de parte da campanha sobre trabalho infantil da Fundação Abrinq.
“No último ano, todos os trabalhos que fizemos como prestadores de serviço reservam 30% das vagas de trabalho para os jovens do último ciclo. Eles trabalham nos projetos como fotógrafos, assistentes de câmera, edição, operadores de som, produtores de conteúdo e são remunerados por isso”, conta Camila.
No recorte de editais, programas e investimentos, a Escola já recebeu recursos do Brazil Foundation (que é apoiadora permanente do projeto), do Programa VAI, da Prefeitura de São Paulo, do Edital Redes e Ruas e do Prêmio Milton Santos para iniciativas da cidade (os dois últimos, em 2015), entre outros. Os recursos são imprescindíveis, diz Camila: “Os editais são o que nos dá fôlego para nos dedicar ao nosso cerne, que é a Escola de Comunicação”.
Ela conta que uma das tarefas mais difíceis, atualmente, é fazer com que as pessoas entendam que mesmo tendo uma ação gratuita, o negócio se sustenta graças aos editais e prestação de serviços:
“Não fazemos trabalho voluntário nem caridade. Estamos num processo de gerar e distribuir riquezas, sejam elas materiais ou não”
Além da diversidade de frentes tornar a venda dos serviços algo desafiador, Camila também conta que não é fácil organizar o fluxo de trabalho, já que as oficinas da Escola de Comunicação demandam muita presença e se baseiam numa troca intensa entre educadores e jovens. A lista de obstáculos é farta: “Outro grande desafio é conseguir alinhar o cuidado com as turmas, oficinas e qualidade de presença no dia a dia da escola de comunicação com a prestação de serviços e os editais. Temos que virar várias chavinhas toda hora”.
NO FUTURO, O SONHO DE AUTONOMIA
Questionada sobre planos para o futuro, Camila diz que expandir o negócio é algo muito distante. “Ainda tem um potencial no Campo Limpo a ser explorado”, afirma. O maior sonho, em termos de continuidade e crescimento do projeto, é que cada vez mais a Escola de Notícias funcione graças a uma participação efetiva dos jovens que já participaram de seus processos.
Hoje, esses jovens formam um conselho consultivo, com decisões deliberativas e participativas que direcionam a Escola de Notícias. Além disso, dois deles atuam na diretoria, tomando decisões institucionais. “Queremos que um dia eles toquem a escola sozinhos”, diz Camila, sobre a notícia que um dia quer dar ao mundo.
Desconstruir mitos e fórmulas prontas, falando a língua de quem vive na periferia: a Escola de desNegócio aposta nessa pegada para alavancar pequenos empreendedores de São Miguel Paulista, na zona leste de São Paulo.
O chef Edson Leite e a educadora Adélia Rodrigues tocam o Da Quebrada, um restaurante-escola na Vila Madalena que serve receitas veganas com orgânicos de pequenos produtores e capacita mulheres da periferia para trabalhar na gastronomia.
“Nerd da favela”, João Souza sempre fugiu dos estereótipos. Hoje ele lidera a ONG FA.VELA, com foco em educação digital e empreendedorismo nas periferias, e a Futuros Inclusivos, agência de consultoria que atende empresas e governos.