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Como o Centro Infantil Boldrini revoluciona tratamento de câncer pediátrico há 41 anos

Giovanna Riato - 29 abr 2019
Aos 76 anos, a pediatra Silvia Brandalise, segue à frente do dia a dia do hospital que ajudou a fundar 1978, além de liderar pesquisas em parceria com a Unicamp.
Giovanna Riato - 29 abr 2019
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O Centro Infantil Boldrini foi fundado há 41 anos para subverter conceitos há muito tempo estabelecidos, como a ideia de que os serviços públicos de saúde são pouco eficientes. O hospital sem fins lucrativos, sediado em Campinas, construiu grande reputação pelo tratamento pediátrico de doenças hematológicas e do câncer – é o maior da América Latina com este foco. Ali, 80% de atendimentos são realizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Mais de 30 mil crianças já foram atendidas e tratadas na instituição e, apesar do número importante, o impacto positivo do hospital vai muito além da capacidade de receber pacientes: há um compromisso enorme com a geração de conhecimento e com a formação de especialistas. “Nós sempre atuamos fortemente em pesquisas em parceria com a Unicamp e também trabalhamos com médicos residentes. O objetivo é fomentar a criação de uma assistência oncológica e pediátrica pelo Brasil”, conta Silvia Brandalise, 76, médica pediatra e responsável pela cofundação do Centro Infantil Boldrini em 1978, líder das pesquisas desenvolvidas pela instituição e uma profissional que diz sonhar em resolver 100% dos casos de câncer infantil.

Pelos resultados que ela obteve até aqui, a ambição não parece tão distante. “Lá atrás montamos um grupo para coordenar os estudos clínicos para estudar o tratamento de leucemia na infância. Em 1980, a chance de cura era de menos de 5%”, diz. Segundo ela, depois da primeira pesquisa, o índice de bons resultados subiu para 30%. Em 1985 a efetividade do tratamento já chegava a 70% e hoje está perto de 80%. O que garantiu a evolução foi o empenho do Boldrini na condução de seis grandes pesquisas, conta a especialista.

“Nós quebramos o paradigma da altíssima mortalidade causada pelo câncer infantil no Brasil. Conseguimos provar que o nosso país pode ter resultados próximos aos do primeiro mundo com atendimento pelo SUS.”

GERAR CONHECIMENTO PARA REDUZIR A MORTALIDADE

Segundo a médica, o Centro Infantil Boldrini também tem grandes resultados no tratamento de anemia falciforme, doença crônica que gera alteração nos glóbulos vermelhos do sangue e tem maior incidência na população negra. “Implementamos o diagnóstico precoce da doença com o teste do pezinho, iniciativa que virou lei municipal e, mais tarde, estadual”, conta.

Segundo ela, há algumas décadas a expectativa é de que 25% das crianças com a doença morreriam antes dos cinco anos de idade. A taxa era de 70% antes dos 30 anos. O índice despencou desde então: “Hoje a mortalidade é de menos de 0,1%”, conta. A tendência é de redução ainda maior deste número no curto prazo, diz a médica.

“Vamos implementar terapia genética para o tratamento de anemia falciforme no próximo ano”

Segundo ela, como a doença tem origem genética, o tratamento permitirá corrigir o que causa a doença, não simplesmente atuar para amenizar os sintomas.

Silvia conta que os bons resultados da instituição só são possíveis porque o hospital é fruto de uma Parceria Público-Privada entre a Unicamp, que apoia as pesquisas, e o Clube da Lady de Campinas. O hospital só recebe pessoas de até 17 anos para o primeiro tratamento, mas uma vez que passa pelo hospital, a criança pode fazer o acompanhamento e controle das doenças por lá pela vida toda. “Toda vez que um paciente é curado aqui eu digo que ele me deve dois netos mais para frente”, brinca a médica.

Nesse clima, Silvia orgulha-se em dizer que tem uma enorme família em torno do Centro Boldrini. Ela calcula já ter atendido 20 mil crianças com doenças hematológicas e 10 mil pacientes com câncer, grande parte delas hoje já adultos e com boa qualidade de vida, conta.

COMO EVITAR O CÂNCER INFANTIL?

Para manter a sua atuação, o Centro Infantil Boldrini trabalha constantemente para garantir a entrada de receitas para a sustentação financeira do projeto. Segundo Silvia, o que segura as pontas por lá é a solidariedade das pessoas da região de Campinas. “Metade das nossas receitas vem de doações de pessoas físicas”, diz.

Algumas empresas oferecem contribuição mensal e outras atuam em ações promocionais para levantar recursos – a 3M, por exemplo, patrocina a CorridaBoldrini, que acontece no próximo dia 28 de abril. Apesar de responder pela maior parte dos atendimentos, a verba oferecida pelo SUS só cobre 20% a 25% das despesas do hospital. Já os planos de saúde geram 25% das receitas.

Depois de tanto tempo equilibrando os pratos para fechar as contas, Silvia já nem vê este como o maior desafio da instituição. Para ela, existe um problema muito maior para ser revolvido: “Se queremos curar o câncer infantil, é essencial atuar na prevenção da doença.” Ela conta que a instituição trabalha em uma pesquisa global em parceria com a Organização Mundial da Saúde (OMS) para entender por que a doença surge.“O pico de incidência de leucemia é entre quatro e seis anos. Vemos crianças que desenvolvem tumor intraútero. Não podemos aceitar esta real idade, precisamos entender a causa”, diz.

Segundo ela, tanto a pesquisa em parceria com a OMS, quanto uma série de outros estudos deixam claro que a incidência da doença está intimamente ligada com o uso de agrotóxicos derivados de benzeno, substância cada vez mais presente na vida dos brasileiros, na contramão do que acontece em países desenvolvidos, diz.Segundo a médica, há aumento da chance de câncer pediátrico proporcionalmente à exposição dos pais e da criança a estes químicos.

“Os pesticidas são um fator de risco inquestionável e eles estão na nossa comida e na água que bebemos. Somos vítimas da nossa própria ignorância ao permitir uso tão amplo destas substâncias”

Segundo a médica, a instituição está disposta a comprar a briga contra os pesticidas ao fazer um trabalho de conscientização e cobrança das autoridades. Afinal, para Silvia, mais do que curar todos os casos, o ideal é que as doenças sequer ocorram.

Até que esse sonho se concretize, a médica se diz disposta a seguir trabalhando para oferecer atendimento humanizado e a gerar conhecimento para tornar mais efetiva a atuação do hospital. Mesmo diante de um cenário tão cruel quanto o das doenças infantis, Silvia diz ter muitos motivos para se manter otimista. “Todos os dias tenho pacientes lutando aqui, então preciso alimentar a minha esperança. Coloco os problemas de lado e não me permito perder de vista o sorriso das crianças e o abraço das mães quando as coisas dão certo”, diz. Segundo ela, independentemente das condições, é por estes momentos que ela trabalha.

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