Sabia que o centro da capital paulista tem potencial para abrigar uma bela área verde equivalente à metade do Parque Ibirapuera? São 258 mil metros quadrados de espaço para receber plantas. Mas este potencial não está no chão — e sim nas inúmeras empenas cegas dos prédios. Essas paredes altíssimas e sem nenhuma janela se multiplicaram na capital na década de 1960 por causa de uma legislação que exigia mais proximidade entre as construções. Agora, o Movimento 90° quer usar essa característica da arquitetura como meio de reabilitação social ao criar os parques verticais.
O projeto foi criado pelo paisagista Guil Blanche, 26, e hoje a equipe soma 12 pessoas, entre paisagistas, arquiteto, economista e engenheiro agrônomo. Mas não foi fácil chegar até aqui. A iniciativa nasceu como um manifesto, uma página no Facebook que defendia os jardins verticais como meio de transformação da cidade por serem capazes de reduzir o nível de poluição do ar, com a filtragem de CO2, de NOx (óxido de nitrogênio) e do material particulado — todos emitidos pelos escapamentos dos automóveis.
Um jardim vertical contribui também para a diminuição do nível de ruído e de no conforto térmico: nos prédios em que são instalados, diminuem a temperatura em cerca de 30% e assim ajudam a economizar o consumo de energia com ar-condicionado para resfriar os ambientes.
Era um manifesto, portanto ainda mais sonho do que realidade, mas a ideia ganhou bom empurrão para sair do mundo virtual quando o jornalista Gilberto Dimenstein viu e espalhou a ideia em seus veículos de grande leitura: Catraca Livre e Portal Aprendiz.
Foi aí que as ideias de Guil começaram a ganhar corpo, inclusive com a percepção de que poderiam se tornar um business:
“De manifesto nós viramos um negócio, porque não existia nada assim. Ninguém trabalhava com jardins verticais como parques urbanos”
Guil começou a sair pelo centro de São Paulo para entender o potencial da ideia e se deu conta do número enorme de empenas cegas da região, que tornam os parques verticais uma ferramenta realmente capaz de transformar a cidade.
“A ironia é que o centro é ainda a região com menor área verde, o que reduz drasticamente a qualidade de vida. Isso pode mudar se as paredes forem aproveitadas”, diz ele. Indicadores destacados por Guil mostram que São Paulo tem 2,6 metros quadrados de área verde por habitante, número bastante inferior aos 12 metros quadrados por pessoa recomendados pela ONU.
COMO ACHAR A PRIMEIRA PAREDE?
Com a convicção de que tinha chegado a um formato interessante para a cidade, Guil foi atrás de algo difícil para qualquer empreendedor: achar quem compre a sua ideia. Ele suou a camisa e, em 2013, enfim conseguiu o apoio de uma marca: a Absolut Vodka decidiu financiar um parque vertical. “Precisávamos deste primeiro projeto para provar o nosso ponto, mostrar o potencial de transformação”, conta. O propósito era nobre, mas foi difícil encontrar um condomínio que topasse ser a primeira cobaia do projeto: “Todo mundo pensava que era sujo, que daria trabalho para manter ou juntaria barata depois”.
Não sem esforço, encontraram no Minhocão (antigo Elevado Costa e Silva, recém renomeado para Elevado João Goulart) o lugar perfeito. O Movimento 90° já tinha a técnica do jardim vertical, que foi criada na França em 1994. Como paisagista, Guil faz projetos particulares para casas e outros espaços privados, até mesmo para equilibrar as receitas da iniciativa. Há, no entanto, grandes diferenças entre fazer um projeto do gênero num local reduzido e reproduzir em “escala megalomaníaca”, num espaço que passa a ser público. As chaves, Guil sabia, seriam conseguir fazer com o custo mais baixo possível e com a necessidade de manutenção menor ainda.
“Usamos plantas com baixa necessidade de poda e que são nativas, ou seja, que cresceriam na região em uma pedra se não existisse a interferência humana”, diz. O próprio sistema se alimenta com mecanismos para fazer a captação, tratamento e armazenamento de água. “É um sistema muito fértil. A única coisa que precisamos fazer é controlar, tirar mato ou outras espécies que podem crescer ali no meio.”
Com este conceito, o primeiro parque vertical foi inaugurado no fim de 2013 — justamente na época em que começou a borbulhar o papo de transformar o Elevado em um Parque (esta, uma iniciativa de Felipe Morozini). O resultado foi ótimo e amplamente divulgado, justamente como Guil imaginava. O problema era dar o próximo passo, já que depois de ser patrocinada por uma marca, a ideia perdeu o ineditismo e ele não encontrava outra empresa disposta a colocar dinheiro em uma iniciativa repetida:
“Chegamos muito perto de quebrar. O que nos sustentou foi que muitos arquitetos começaram a nos passar projetos particulares justamente porque acreditavam nos jardins verticais”
Foi nessa época que o apoio da imprensa fez o negócio ir adiante. “Sempre tivemos muita simpatia dos veículos de comunicação e o Estadão decidiu fazer uma matéria conosco, que saiu no domingo com chamada na capa”, conta. O material acabou caindo nas mãos certas e na segunda-feira o paisagista recebeu uma ligação da prefeitura da cidade. Fernando Haddad, o prefeito, tinha lido, se interessado pela iniciativa e chamou Guil para uma reunião. Bingo.
TER APOIO NÃO GARANTE GRANA
O paisagista chegou à Prefeitura com um mapa embaixo do braço para mostrar o potencial de aproveitamento das empenas cegas no centro da cidade. Usou todos os argumentos para convencer o poder público das vantagens da ideia. Com a lista de benefícios em mãos e muita discussão interna, a Prefeitura conseguiu chegar a uma maneira de tornar viável os parques verticais da cidade.
Demorou, mas em 2015 a legislação da cidade de São Paulo passou a prever este como mais um formato de compensação ambiental para empresas. “Muitas construtoras, por exemplo, precisam disso e chegavam a ter dificuldade para encontrar opções de compensação. O parque vertical soluciona isso e é ainda uma divulgação interessante para a companhia”, afirma Guil.
Meses depois, preocupada com a manutenção dos parques verticais, a prefeitura tornou viável que companhias se responsabilizem por manter estes espaços, arcando com os custos, algo que já é comum em praças e canteiros horizontais da cidade.
Com tudo regulamentado, o Movimento 90° teve que definir custos públicos que fossem baixos, mas capazes de sustentar a operação. Guil conta que o metro quadrado de um parque vertical precisa de 891,03 reais de investimento inicial. A manutenção é feita a 10 reais para o quilômetro quadrado por semestre — o que dá em média 250 mil reais por ano de custo. “Já pensamos desde o início em plantas que não precisem de muita poda ou manutenção. Hoje estes valores estão defasados por causa da inflação, mas estamos conseguindo manter assim. A operação se paga”, diz.
MUITO ALÉM DO VERDE
Com o apoio da Prefeitura, o primeiro passo do Movimento 90° foi trabalhar no corredor verde no Minhocão, que vai transformar a paisagem do elevado com a instalação de 10 parques verticais. “Já fizemos seis. É pegar o espaço privado e transformar para o bem público”, conta Guil, que também passou a convidar artistas para projetar desenhos para os espaços verdes, brincando com as folhagens e tipos de plantas.
“A ideia surgiu e decidimos fazer do Corredor Verde do Minhocão um museu a céu aberto, com artistas assinando cada painel”, diz ele. Isso só é possível porque cada criador tem à disposição uma paleta vegetal: a catalogação das plantas que crescem bem em jardins verticais ao sol, à sombra ou à meia-sombra. Vale a pena conhecer todas no site do projeto.
Com o apoio da imprensa e enfim do poder público, o Movimento 90° não contava que enfrentaria mais uma dificuldade. “A prefeitura é muito lenta para aprovar a execução dos parques. Temos os projetos, a verba da compensação ambiental, mas demora para a gente poder começar a fazer”, conta Guil. Ele gostaria de já ter concluído o Corredor Verde, algo que não aconteceu justamente por causa desta demora. “Nossa meta é acabar até o fim do ano.”
O projeto segue se tornando notícia, não só no Estadão, que no início deste mês de setembro fez uma reportagem com o jardineiro que mantém as empenas, como em publicações estrangeiras (sempre reproduzidas na fanpage do Movimento).
Guil prefere não definir um objetivo único para depois disso. Segundo o paisagista, diminuir a insalubridade de morar em uma metrópole é papel de todos nós e algo que tende a se tornar cada vez mais necessário. “Hoje 50% da população mundial vive em cidades, número que vai crescer para 80% nos próximos anos. A situação é crítica e precisamos tornar as cidades possíveis”, fala, deixando claro que, pelo menos ele, seguirá firme neste objetivo. Nem que tenha que subir pelas paredes.