Terminar o relatório do mês, olhar o ambiente ao redor e, apesar do salário pingar religiosamente na conta, pensar: qual é mesmo o propósito disso tudo? Essa pergunta é cada vez mais comum entre profissionais, de todas as áreas. Com Andreas Ufer, 35, engenheiro de materiais, não era diferente. No caso dele, porém, a saída para essa angústia foi criar um próprio caminho — que só se firmou após atravessar a dificuldade em tornar financeiramente viável a própria vontade de mudar o mundo. Ao resolver o próprio “problema”, Andreas acabou desenvolvendo o que vem a ser o melhor produto do Sense-Lab, a consultoria empresarial, ou “empresa de estratégia de inovação social”, que criou.
Um dos objetivo do Sense-Lab, nas palavras de Andreas, é “apoiar iniciativas do terceiro setor com gestão”. Ou seja, levar profissionalismo e ferramentas de administração a projetos que costumam ser carentes nisso. Desta forma, consegue fazer com que eles ganhem forma e consigam se sustentar – ou, pelo menos, que não naufraguem por falta ou erro no uso destas técnicas. O outro é “trazer propósito e impacto social para as grandes empresas”.
Por isso o Sense-Lab também se ocupa de criar pontes entre startups e empresas que visam o setor social e negócios de impacto social e ambiental. Hoje, oferece o serviço de formação de empreendedores (no caso dos cursos), de consultoria (para empresas que querem fazer projetos sociais) e também em projetos autorais (que desenvolvem entre os sócios e captam recursos para colocar em prática).
Desde quando fazia a graduação na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, Andreas se preocupava com causas sociais e ambientais. Daquele momento até hoje, passaram-se 12 anos, muitos deles na carreira corporativa. Ele conta que todo o conhecimento adquirido foi revertido para o negócio social do qual é fundador, e que foi lançado em paralelo à rotina de sócio de uma outra empresa, em 2014:
“Já nos primeiros meses do Sense-Lab, sentimos que a ideia teria tração. Fizemos algumas consultorias pro bono e vimos que daria para contribuir com o nosso conhecimento”
No final do ano, quase em 2015, conseguiram fechar o primeiro contrato remunerado. Um dos principais trabalhos que o Sense-Lab desempenha hoje é de estruturação de redes de colaboração que auxiliam na tomada de decisões. São formas diferentes de se organizar, baseados em princípios como o da holocracia, em que há consenso e tomadas de decisões integradas, e em que todos os participantes possuem voz, ainda que permaneça uma hierarquia.
Ele conta que essa estruturação envolve desde do desenho da governança, planejamento financeiro e de comunicação até a tomada de decisões estratégicas. Um dos trabalhos desenvolvidos recentemente foi para o WWF, o Observatório de Governança das Águas, com o objetivo de melhorar o sistema hídrico nacional.
O engenheiro que virou inovador social conta diz que observa cada vez mais reflexões sobre essa nova forma de atuar dentro das empresas. “Tudo isso tem sido mais falado, mas nosso mindset ainda é voltado para a hierarquia. Queremos transpor a barreira de só fazer cursos, dar palestras”, diz, sobre a dificuldade de efetivamente mudar a organização dentro das empresas. Mas coleciona cases positivos: Medley, vagas.com, Reserva e Patagonia são exemplos de empresas que já investem nessa nova forma de pensar a organização.
INVESTIR OU EMPREENDER? ÓTIMA QUESTÃO
“Mas para quê? Esse ‘para quê?’ faltava”, conta Andreas, expressando o que sentia quando se pegava imaginando diante de si toda a carreira preconcebida no ambiente corporativo. A primeira alternativa, foi buscar saídas no empreendedorismo. Começou a olhar startups, participar de encontros e pitchs. Até então, não sabia se queria investir ou empreender. Estava aberto a novas propostas, mas eles não pareciam estar na mesma direção. “As pessoas queriam o novo unicórnio, um novo Facebook. Ainda não fechava essa conta”, diz.
Após a formação prática em estruturação de negócios de impacto social da Artemísia, passou a participar de projetos com pessoas que conhecia nos cursos e encontros de formação, gerando uma rede. Com o tempo, Alice Castello Branco e Yurik Ostroski, hoje sócios, se aproximaram dele por pura afinidade e, consequentemente, começaram a fazer parte dos projetos do Sense-Lab. Muitos outros colaboradores participaram em outras ações, mas acabaram seguindo outros caminhos. Alice, com formação em administração e Yurik, em Turismo, com uma grande passagem pelo marketing da Johnson & Johnson, se juntaram oficialmente à empresa na segunda metade de 2016.
DOIS ANOS E MEIO ATÉ O NEGÓCIO COMEÇAR A SE PAGAR
No início do Sense-Lab, em junho de 2014, todos trabalhavam como mão de obra não remunerada, todo faturamento ia para o capital de giro da empresa. O investimento inicial de 20 mil reais foi feito por Andreas, a partir de economias e reservas pessoais. O primeiro cliente pagante só apareceu oito meses após a fundação da empresa. Andreas conta que o Sense-Lab começou efetivamente a se pagar, e a remunerar os sócios, somente com dois anos e meio de funcionamento – por isso, ele passou o primeiro ano dividindo atenções com a empresa da qual era sócio. Só foi se dedicar integralmente ao empreendimento na segunda metade de 2016.
Ele compartilha uma angústia comum a muitos empreendedores sociais, lembrando do momento em que a renda gerada com os trabalhos fechados servia para pagar as contas e gerar fluxo de caixa:
“A sustentabilidade financeira e a curva de receitas foi uma inquietação para nós até o meio deste ano, quando alcançamos um patamar mais equilibrado”
Mas uma hora a roda começa a girar para o lado certo. Hoje em dia, o Sense-Lab tem um faturamento de 40 mil reais mensais — e que deve crescer nos próximos meses. Entrar grana, porém, não significa o fim dos problemas. O objetivo atual, diz ele, é conciliar as demandas crescentes com uma equipe reduzida e sobrecarregada.
O PASSADO NOS PREPARA PARA O PRESENTE
Vida de empreendedor social é tudo menos entendiante. No caso de Andreas, a formação convencional pregressa ajudou-o a ter ferramentas para o caminho profissional que escolheria ao abandonar o mundo corporativo. Assim que se formou engenheiro, Andreas foi trainee de supply chain e planejamento estratégico na Votorantim. De um jeito ou de outro, sempre tentava envolver as questões de responsabilidade social onde estava, ainda que isso seja pouco visível. Em sua trajetória, por exemplo, ele tornou-se sócio-diretor de uma empresa de bens de capital, a Metaltrend, por sete anos: desenhavam equipamentos e instalações para empresas metalúrgicas.
De ascendência germânica, ele viajava constantemente para a Alemanha, país onde estivera antes para fazer parte de sua graduação na Universidade de Aachen (onde fez aulas de administração, mas também de economia ambiental e reciclagem). Depois, fez MBA em Gestão Estratégica de Negócios pela FGV e pós em Estratégias de Impacto Social pela Universidade da Pensilvânia (nos EUA). Ele fala dessa fase: “Faço planos de negócio e imagino novas empresas desde a época de faculdade, mas a maioria dos projetos não saiu do papel”.
Ele prossegue, e diz que percebeu, ao longo dos anos, que seu erro estava em “gastar centenas de horas planejando sem testar e validar a ideia” — e que isso só pode ser feito quando potenciais parceiros e clientes passam a ter contato com o projeto. Diz, portanto, que o ponto de virada foi o projeto de uma vitrine de arquitetura online que começou com alguns amigos, em que gastaram muito tempo discutindo detalhes e acabaram se cansando, e enterrando a ideia, antes de lançar. Aí veio o aprendizado:
“Lancei o Sense-Lab antes mesmo de saber o que ele era. E hoje ele é o resultado das minhas inúmeras interações com diferentes pessoas ao longo do caminho”
E este é um aprendizado sem fim. Andreas é professor convidado do Certificate for Business Administration no Insper, e atua como local faculty no curso IHP Social Entrepreneurship Innovation, Technology, Design, and Social Change. Mas também aprende com o pé na rua. A equipe do Sense-Lab está fazendo, por exemplo, um mapeamento de iniciativas de inovação social no zona sul de São Paulo. É onde ele aprende novas visões e oferece seu conhecimento acadêmico a pessoas como os que cuidam do Projeto Viela, na periferia da capital paulista. Para que tudo isso mesmo? Para isso.
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