• LOGO_DRAFTERS_NEGATIVO
  • VBT_LOGO_NEGATIVO
  • Logo

Por uma moda mais consciente: a história da Mattricaria e sua pequena fábrica de corantes naturais

Cristine Gentil - 5 jun 2017 Pelas mãos da designer de moda Maibe Maraccolo, da Mattricaria, mais de uma centena de plantas viram tintas naturais (foto: Luís Tajes).
Pelas mãos da designer de moda Maibe Maroccolo, da Mattricaria, mais de uma centena de plantas viram tintas naturais (foto: Luís Tajes).
Cristine Gentil - 5 jun 2017
COMPARTILHAR

Pode ser semente de urucum, casca de cebola, folha de boldo, talo de cenoura, tronco de jatobá. A lista de matérias-primas com as quais a designer de moda Maibe Maroccolo, 34, trabalha é tão vasta quanto permite a generosidade da natureza. Ela tornou-se uma garimpeira do cerrado. Recolhe, cataloga e testa amostras das chamadas plantas tintórias. Depois de uma cuidadosa alquimia, tudo vira corante. A partir deles, tinge os tecidos de fibras naturais em um processo totalmente artesanal.

Essa é a linha-mestra da marca chamada Mattricaria, com sede em Brasília, mais precisamente no Guará, bairro de classe média, a 10 quilômetros do centro da capital. Ali, Maibe nasceu, cresceu e cursou moda na Faculdade AD-1, hoje extinta. Num home office com menos de 10 metros quadrados, a designer vê, ano a ano, o crescimento da marca que criou. Patenteada em 2013, começou apenas com a comercialização de roupas, cujo diferencial era o tingimento natural dos tecidos. Pequenas coleções eram vendidas para amigos e familiares.

O tingimento dos tecidos de fibras naturais da Mattricaria dura, no mínimo, três dias (foto: Luis Tajes).

O tingimento dos tecidos de fibras naturais da Mattricaria dura, no mínimo, três dias (foto: Luis Tajes).

Aos poucos, a designer percebeu que o interesse das pessoas não se esgotava na compra de uma roupa com essa pegada sustentável. Estavam curiosas com o processo. “Me perguntavam de onde vinham aquelas cores, quais eram as plantas… Lembravam que a mãe pintava o cabelo com casca de cebola ou que desenhavam com urucum na infância. Elas traziam esse resgate, não só do conhecimento, mas de memórias afetivas”, conta.

QUANDO O MERCADO MUDA O SEU NEGÓCIO

A Mattricaria não tinha, até então, um conceito fechado. Antes de ser uma empresa, era um projeto de pesquisa. Mas a única fonte de renda vinha da venda das peças. “Com o crescente questionamento sobre o processo de tingimento, passei a oferecer também serviço, além de produto. Foi uma virada importante”, conta Maibe. Em 2015, ela inscreveu um projeto de oficinas num edital do Fundo de Apoio à Cultura (FAC-DF). A ideia era ensinar a comunidade, sobretudo artesãos e estudantes de moda, a tingir naturalmente os tecidos usando plantas. Foi contemplada com uma verba de 35 mil reais. Entre outros usos deste dinheiro (falaremos adiante) ela também montou cursos gratuitos, nos quais capacitou 54 pessoas. A designer fala de suas descobertas:

“Quando fiz o primeiro ciclo de oficinas, vi que era uma oportunidade de transformar o consumidor em protagonista da mudança da cadeia produtiva da moda”

Mas o processo não foi tão fácil. “Para mim, no início, era difícil ensinar o que tinha levado anos para aprender. Mas tive tanto retorno… Eu me reconectei com a minha história.”

Essa história começa em 2008. Depois de concluir o curso superior em moda, Maibe trabalhou em duas fábricas. Gerenciou produção, trabalhou com marketing, decorou interiores de lojas, fez vitrines. No chão de fábrica, percebeu um alto grau de desperdício e começou a questionar profundamente o processo de produção.

Flores e folhas do cerrado passam por um processo artesanal para extração dos pigmentos (foto: Luís Tajes).

Flores e folhas do cerrado passam por um processo artesanal para extração dos pigmentos (foto: Luís Tajes).

Tentou emplacar projetos de reaproveitamento de resíduos. “Sempre quis trabalhar com moda, mas estava muito frustrada. Já havia um movimento que mostrava que as marcas queriam parecer verdes, havia até uma certa intenção, mas no fundo era uma adesão de faz-de-conta”, afirma.

Bisneta de italianos, com passaporte europeu, Maibe migrou para Londres. A intenção era passar seis meses estudando inglês num curso gratuito. Desiludida com a moda, procurava também outra formação. Mas acabou trombando com uma proposta de mestrado que resgatou seu interesse: desenvolvimento sustentável em moda. “Era o lado B da cadeia produtiva da moda, que abordava desde o cultivo do algodão sem química até o trabalho escravo, além das alternativas de tingimento para reduzir o impacto da indústria têxtil, que é tida como a segunda mais poluente.” A London College of Fashion a aceitou com 70% de desconto, devido à cidadania europeia.

Ali, enfim, a designer mergulhou na pesquisa de plantas tintórias. Em 2011, voltou ao Brasil, mais precisamente ao interior de Goiás, onde fez um processo de imersão numa cooperativa de mulheres chamada Central Veredas. Elas cultivam o algodão, tingem e fiam, num processo totalmente artesanal. Passou a pesquisar o potencial do cerrado. Também resgatou livros e costumes antigos, sobretudo os indianos. Foi o início de um processo, também, de autoconhecimento:

“Fui testando em pequena escala, me encantando com o processo, me conectando com a natureza”

Concluído o mestrado, deu-se o dilema. Era mais fácil estar na Europa, onde a consciência sobre a necessidade de processos sustentáveis estava enraizada. “Ao mesmo tempo, eu pensava que era fácil criar lá. O desafio era trazer isso para o meu país, onde quase ninguém faz. Decidi voltar e aplicar aqui meu conhecimento.” Nascia, então, a Mattricaria.

DINHEIRO NÃO BASTA: A VIRADA VEIO COM DEDICAÇÃO EXCLUSIVA

Entre 2013 e 2015, conciliou o trabalho na marca com as aulas de inglês que passou a dar. Quando percebeu o tamanho do potencial das oficinas de tingimento para a geração de renda, passou a se dedicar integralmente à empresa. Com o investimento de 35 mil reais, aqueles do do Fundo de Apoio à Cultura do DF, Maibe comprou materiais, fez um site, contratou assessoria de imprensa e entrou forte nas redes sociais. Ganhou visibilidade.

Maibe, ao centro, com as alunas de sua oficina: gente da moda, artesãs e pessoas que queriam experimentar o processo

Maibe, ao centro, com as alunas de sua oficina: gente da moda, artesãs e pessoas que queriam experimentar o processo (foto: Nathalia Frensch).

“Estamos num momento de ressignificar muitas coisas, a maneira como consumimos, questionando a procedência do que se come, do que se veste. O avanço da marca veio com essa vibração também”, diz Maibe.

A Mattricaria fez 15 oficinas em Brasília e São Paulo. A renda obtida com os cursos, que custam entre 260 e 480 reais por pessoa (se feitas em Brasília), além da venda de roupas e o tingimento sob encomenda (38 reais, o metro quadrado, em média), paga o negócio. O faturamento oscila entre 2 mil e 8 mil reais, a depender do mês. Na maior parte do tempo, Maibe trabalha sozinha, às vezes com uma longa jornada, que vai das 7h às 21h. Os funcionários são contratados de acordo com a demanda das oficinas e da produção das peças de vestuário.

Com a ajuda de um consultor do Sebrae, Maibe conseguiu montar um plano de negócios, planejar o crescimento da marca, definir melhor as frentes de trabalho. Hoje, a Mattricaria tem três linhas de atuação. A primeira é a confecção de roupas, que não precisa obedecer ao esquema tradicional da indústria da moda, com coleções em série. A segunda são os cursos, que podem ser de um dia, apenas uma vivência, ou uma capacitação com mais encontros. Também é possível fazer o curso a distância. Nesse caso, a pessoa recebe o kit em casa, com instruções, e tira dúvidas via Skype. E a terceira frente de trabalho é o tingimento de tecidos sob encomenda.

UM ETERNO LABORATÓRIO DE EXPERIÊNCIAS

O que parece um crescimento rápido, na verdade, foi uma evolução lenta, aliás como deve ser, de acordo com Maibe. Antes de ser um negócio, a Mattricaria foi um projeto de pesquisa, um estudo de campo, um sonho de vida. E, na verdade, continua sendo tudo isso. Batizada com o nome científico da camomila (escolhido por remeter ao efeito calmante da planta), a ideia da Mattricaria é transmitir leveza, sensação exatamente oposta à proposta acelerada do fast fashion.

Maibe trafega na contramão de uma indústria que pede pressa, quer se manter respeitando o tempo de cada processo. Tingir uma peça pode demorar até uma semana. Esse prazo é, para ela, também uma oportunidade de maturação do negócio. Daí surgem ideias em série. Recentemente, ela decidiu criar uma linha de pigmentos. “As pessoas, às vezes, querem tingir, mas não têm como passar por todo o processo de coleta da planta e extração da tintura”, diz. Desenvolveu, então, quatro corantes, que podem ser comprados pelo site.

Também por demanda do público que criou, a Mattricaria vende os corantes naturais já prontos.

Também por demanda do público que criou, a Mattricaria vende os corantes naturais já prontos.

Também criou o projeto Memoriando, voltado para noivos que desejam imprimir as flores e folhas do buquê do casamento em peças de roupa, eternizando a emoção daquele momento. A transferência da planta para o tecido é feita a partir da impressão botânica, também ensinada em oficinas. Maibe aprendeu a técnica no Ateliê Segrê, que também trabalha com ecoimpressão, incorporou-a ao seu projeto com adaptações.

Como a pesquisa também não cessa, a designer cataloga as plantas que usa. Deriva daí o projeto novo de oficinas chamado Cores da Cidade, em que o tingimento é feito a partir da extração de plantas específicas de cada localidade. Começou por Brasília, chegou a Porto Alegre. Em julho, a equipe vai a São Paulo, a convite do projeto Mulheres que Inspiram, com um novo clico de oficinas. Ela fala desse aspecto mutante de seu business:

“A Mattricaria será sempre experimental. Enquanto houver plantas para colher, testar, tingir, estaremos pesquisando. Esse é um processo muito intuitivo também”

Produzir uma peça de roupa, a partir de uma fibra natural, tingida de forma totalmente artesanal não é um processo rápido, nem necessariamente barato. Portanto, fazer isso em larga escala, a ponto de influenciar na cadeia produtiva da moda, ainda é sonho. Até lá, Maibe precisa administrar incertezas.

O MERCADO DITA O PREÇO; E ELE NÃO É JUSTO

Como e onde encontrar tecidos 100% orgânicos? Este é um fator limitante de seu negócio. A ideia é encontrar parceiros que invistam na produção de algodão sem pesticidas ou outros químicos. Como precificar um processo que envolve tempo e pesquisa de campo? Maibe fala deste ponto, delicado:

“Tenho muita dificuldade em vender meu produto pelo que ele vale. O processo de tingimento é totalmente artesanal, dura de três dias a uma semana, não é possível sempre prever o resultado, nunca haverá uma roupa igual a outra”

Hoje, ela estima vender uma peça, por exemplo, pela metade do preço que cobraria se considerasse o tempo investido no processo. Uma camiseta de 180 reais, por exemplo, sai por 90 reais. Talvez por isso seu trabalho seja tão pioneiro.

Maibe sabe que esse abrir de olhos para uma moda menos poluente e sustentável não será um processo fácil, mas ela quer estar imersa nele. Por enquanto, ela trabalha em um home office e no quintal de casa (basta isso para sua pequena fábrica de corantes) e leva sempre para onde vai sacola, máquina fotográfica, tesoura, papel e caneta. Continua a recolher e catalogar as plantas. “Não quero só ganhar dinheiro com a marca, mas me tornar uma referência, criar um conhecimento para que os designers de moda possam oferecer, em larga escala, uma alternativa para a indústria têxtil”, diz esta alquimista da moda sustentável.

DRAFT CARD

Draft Card Logo
  • Projeto: Mattricaria
  • O que faz: Tingimento natural de tecidos, impressão botânica, confecção de roupas e oficinas
  • Sócio(s): Maibe Maroccolo
  • Funcionários: 1 (apenas a fundadora)
  • Sede: Brasília
  • Início das atividades: 2013
  • Investimento inicial: R$ 50.000
  • Faturamento: de R$ 2.000 a R$ 8.000 mensais
  • Contato: [email protected]
COMPARTILHAR

Confira Também: