Na linguagem informal, destemperado é aquele cara meio desatinado, descomedido, que não tem as ideias muito no lugar. Mas vendo cada um desses significados pelo lado positivo (afinal, quem tem as ideias exageradamente no lugar faz coisas realmente transformadoras?), destemperado é mesmo uma boa palavra para descrever o trio Diogo Carvalho, Lela Zaniol e Diego Fabris. Amigos gaúchos, eles se uniram nos idos de 2007 (a década passada é outra era, caros leitores) para criar o que seria uma das maiores plataformas de conteúdo sobre gastronomia do Brasil, o Destemperados.
Tudo começou com um blog e um perfil na rede social – que, no caso, ainda se tratava do Orkut (eu disse que falávamos de outra era…). Os três produziam conteúdos de resenhas de restaurantes e outros textos sobre gastronomia a partir de viagens e saídas que faziam. A ideia era poder escrever sobre o que gostavam e o que já faziam no dia a dia. Conforme o acesso online passou a aumentar, surgiu a ideia dos guias impressos em formato pocket com serviços de bares, restaurantes e cafés – ou tudo aquilo que valia investir seu dinheiro e sua fome. O primeiro foi sobre os locais mais legais para se visitar em Punta del Este, no litoral uruguaio, reduto de gaúchos (e brasileiros em geral) no verão.
O Destemperados já se tornava, nos primeiros anos, uma referência em conteúdo de gastronomia, com centenas de acessos. Mas para crescer, os sócios teriam que se dividir em 10 para dar conta de abarcar todo o conteúdo que queriam ver publicado. E foi o que fizeram. “Era a hora de abrir as portas para os food hunters”, explica Diego, sobre como eles passaram a chamar os colaboradores que queriam ir em busca de experiências gastronômicas bacanas e contar suas impressões no site. Na hora de escolher quem poderia colaborar, eles resolveram olhar para os próprios seguidores e leitores, como ele explica:
“Nossa visão é de que era justamente o nosso público que ia entender melhor o que a gente buscava”
A seleção sempre se deu pelas nossas redes sociais. O primeiro passo é pedir um email com o link das redes sociais e um parágrafo por que o “food hunter” deveria ser selecionado. Depois, uma entrevista feita por Skype, email ou pessoalmente, quando possível, trata de finalizar o recrutamento. “Sempre pagamos uma colaboração para cada post gerado. Uma ajuda para pagar a conta do restaurante”, conta ele. A regra de sempre pagar também ajudou a fundamentar o compromisso, mesmo que ele fosse mais intrínseco que financeiro.
“As pessoas nunca fizeram isso por dinheiro, até porque geralmente acabam gastando mais do que recebiam para produzir o conteúdo”, diz Diego. “Hoje já recebemos mais de 3 000 emails de pessoas querendo ser food hunter. E o que move a maioria é justamente esse sentimento de querer colaborar com algo que acreditam e de fazer parte de uma rede que troca muita informação sobre comer e beber bem.”
O PÚBLICO COMO PARTE DA EXPERIÊNCIA
O maior diferencial do Destemperados é usar seu próprio público como propagador (ou, no caso dos food hunters, até ativistas) de sua causa, de falar sobre gastronomia de um jeito descomplicado. “Sempre entendemos que nosso diferencial é o ponto de vista do consumidor”, diz Diego. Essa visão de não se levar tão a sério e de experimentar de tudo como a grande maioria das pessoas faz é que, segundo ele, aproximou a plataforma do público e fez o negócio crescer rapidamente:
“Queremos ser uma marca de experiências gastronômicas inspiradoras. Quando a gente se posiciona como marca, não limitamos os nossos produtos”
Dessa percepção, o negócio cresceu ao expandir das plataformas de conteúdo para as plataformas de geração de experiência, como eventos, cursos e até um food truck, inaugurado mais recentemente, que passou a circular em feiras e eventos principalmente em Porto Alegre com a marca Destemperados. “Nosso objetivo, antes de mais nada, é ser especialista no consumidor e não na gastronomia”, afirma Diego.
O curso criado pelo Destemperados, em parceria com a escola de criatividade Perestroika, não ensina a cozinhar: a ideia por trás do Food Experience, como foi batizado, é permitir que os alunos possam aprender a lidar com aquilo que comem de uma outra forma, ter uma melhor relação com o ato de comer. A cada edição, um nome da gastronomia nacional é convidado para dividir suas impressões, falar de suas vivências.
Já os eventos também seguem a linha de vender para empresas não apenas comida, mas uma experiência gastronômica. A criação dos menus, a ambientação de onde as refeições acontecem, tudo isso é bem pensado para que a marca parceira consiga atender seus clientes. “A gente acredita em branded content. Este é o caminho. As pessoas querem que as marcas ofereçam mais do apenas informações sobre o seu produto ou serviço, querem que as marcas ofereçam conteúdos ou experiências relevantes e únicas”, prossegue Diego.
Para ele, a visão de um jornal, revista, site, Instagram, programa de rádio ou o que for, deve ser de criar formas de integrar as marcas de forma transparente e natural no seu dia a dia. ”Ainda é difícil fazer isso no Brasil, pois o modelo de comissão de mídia ainda impera, mas a gente bate muito nessa tecla e já tem cases suficientes para conseguir convencer algumas marcas a saírem da zona de conforto”. E o mesmo se dá, segundo Diego, no mercado de eventos, com marcas querendo gerar experiências inesquecíveis para as pessoas. “Não existe publicidade melhor do que essa.”
CONTEÚDO, EVENTOS, CURSOS E FOOD TRUCK = NOVIDADES PERMANENTES
O Destemperados também aposta no fator novidade para renovar a imagem de marca. “Desde o início, definimos uma política de novos negócios dentro da empresa que a cada seis meses temos que lançar um produto novo no mercado. Acho que 90% das plataformas que a gente tem hoje foram pensadas ainda em 2007”, conta. “E lançamos sempre num formato beta mesmo, para ir construindo junto com o público e com as experiências do dia a dia.”
Um dos mais recentes passos foi assumir o caderno de gastronomia do jornal Zero Hora, do grupo RBS, que circula no Rio Grande do Sul. “Entramos agregando com a marca e expertise de inovação e novos negócios, e a RBS aportou a força comercial e a estrutura para desenhar esses novos negócios”, diz Diogo Carvalho, um dos outros três Destemperados. Na parceria criada, o caderno é tocado por eles com autonomia editorial total.
Outra novidade é a Casa Destemperados, que se tornou não só o QG da marca, como uma nova plataforma de negócios. “A Casa tem como objetivo ser o maior hub de cultura gastronômica do Brasil, na medida em que sediará os principais cursos, palestras, workshops, eventos e coisas ligadas à experiência gastronômica”, afirma. Um ponto fixo de onde podem nascer e ganhar espaço os diversos projetos pensados pelo trio. Hoje em dia, a maior fonte de receita dos sócios vem dos patrocínios da Casa, que conta com empresas como Bohemia, Claro, Wine, Nescafé e 99Taxis.
“A Casa Destemperados foi pensada para ser um modelo franquiável, seja ela como um todo, seja os ambientes da casa individualmente, pois nela teremos um mercadinho do pequeno produtor, um cook show, uma encubadora de novos negócios, entre outras coisas”, conta Diego. “Tudo sem nunca deixar de lado aquilo que nos pauta acima de qualquer coisa, que é a curadoria”. E um punhado de destempero, para dar mais sabor.
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