A inovação já tirou muitas pessoas do aperto. Não foi diferente para Bruno Martini Frederico, 67, e seu filho, Bruno Abramo Frederico, 45.
Em 1979, Bruno pai fundou a metalúrgica Fuminas em Itapira, interior paulista, para produzir tampas para caixas de passagem de esgoto, rede telefônica, elétrica, fibra óptica, além de tampões e grelhas para captação de água da chuva.
A empresa segue viva até hoje (a capacidade de produção atual é de mais de 10 mil toneladas por ano), mas passou um sufoco por volta de 2015. Bruno filho, que é arquiteto, explica:
“A indústria metalúrgica é commodity, um mercado muito difícil. A margem [de lucro] é muito espremida, um negócio super competitivo, muito agressivo”
O período era particularmente desafiador. Naquele momento de ressaca pós-Copa do Mundo de 2014 (encerrando o ciclo de grandes projetos de engenharia), pipocavam escândalos de corrupção envolvendo as maiores empreiteiras do país, no rastro da Operação Lava-Jato.
Bruno na época atuava como gerente comercial da Fuminas, onde já tinha trabalhado quando adolescente, ajudando a descarregar caminhões, fazendo serviços administrativos e acompanhando o pai em eventos e viagens.
Teve então um insight: fabricar um produto complementar que não fazia parte do portfólio da metalúrgica – as caixas de passagem usadas em obras de construção civil e infraestrutura (para as quais a Fuminas produzia apenas as tampas).
Outra sacada foi a escolha da matéria-prima: em vez do concreto, cuja fabricação demanda consumo intenso de energia e gera alto volume de emissões de dióxido de carbono (CO2) –, a ideia era produzir as caixas com plástico reciclado.
O empecilho era o preço para criar um molde para o novo produto. “Eu já estava com o pré-projeto desenhado, estava atrás de fazer em impressora 3D, na escala que precisava, mas era muito alto o custo: uma peça custava de 10 mil a 15 mil reais…”
Ele então inventou uma viagem de férias com as filhas para Orlando, na Flórida. Por trás da curtição, o objetivo profissional era investigar diferentes formatos de blocos de plástico na Legoland. Sim, o parque temático da marca de brinquedos.
“Fui lá, comprei os Legos e voltei no avião montando caixa, testando, pensando, validando. Doze horas no avião, brincando de Lego. Cheguei no Brasil com o projeto pronto na cabeça”
Bruno encontrou uma fábrica terceirizada com uma máquina injetora de plástico, que topou produzir, primeiro, 5 mil peças – depois 10 mil, 20 mil, até que ele pudesse realizar todos os testes, adquirir uma máquina e fundar a Fuplastic.
Hoje, oito anos depois, a Fuplastic já fatura o dobro da Fuminas, segundo Bruno. Com uma fábrica em Cotia (SP) e 120 funcionários, vende para 16 países e fabrica ainda – no “melhor estilo Lego” – blocos (de plástico) para construção modulares, como casas, lojas e quiosques. Entre os clientes, estão McDonald’s, Chilli Beans, Havaianas, Oakberry e Localiza.
Para 2024, Bruno projeta um crescimento de 230%. “Meu pai continua na sua empresa [Fuminas] e, inclusive, está comigo na Fuplastic no dia a dia, dentro da fábrica. E está super feliz, voando junto.”
Leia a seguir a entrevista com o fundador da Fuplastic:
Como surgiu a Fuplastic?
Meu pai é da indústria metalúrgica. Quando eu nasci, há 45 anos, ele fundou a Fuminas, que fabrica tampas de ferro fundido para esgoto, água, telecom, gás, grelhas de boca de lobo, tampas para empresas de serviços em geral para a população.
Se você olhar para o chão em qualquer avenida grande – por exemplo em São Paulo, na Avenida Paulista, na avenida Rebouças –, vai ver as tampas Fuminas. Mas é um mercado muito concorrido, no qual várias empresas atuam.
Em 2016 eu tive o insight de fazer uma caixa de passagem para a rede subterrânea que substituísse a de concreto – porque para toda a tampa que a Fuminas fabrica tem uma caixa embaixo. Para [assim] chegar antes da concorrência e vender a caixa e também a tampa
A caixa [nesse caso] vira o produto principal, a tampa vira um acessório da caixa, e tiro o concorrente de uma concorrência, porque eu já vendo a caixa pelo ganho que ela dá para a obra.
A Fuplastic foi uma criação pós-Copa do Mundo em que o mercado de construção civil entrou numa retração absurda, com crises e escândalos. A gente estava num momento bem delicado da empresa. Tanto que fiz [o investimento] com recurso próprio: peguei do meu pro labore, fiz o molde, aportei.
O produto que a Fuplastic faz é um complemento da Fuminas?
Ele é um passo antes da Fuminas: antes da tampa tem uma caixa de passagem, uma caixa de rede subterrânea para água, esgoto, telecom, energia, por onde entra os cabos de emenda, e de acesso para fibra óptica.
Quem compra isso geralmente é a construtora. Toda obra tem caixa de passagem. Também é usada em estradas, e para semáforos.
A Fuplastic oferece uma caixa plástica reciclada, que substitui uma caixa de concreto e de alvenaria. A gente ressignifica o plástico pós-consumo, transforma o resíduo, o lixo, num produto de bem durável
Hoje as empresas [Fuminas e Fuplastic] andam em paralelo, mas totalmente separadas.
Como você chegou nessa ideia do plástico?
Como eu vendia para o mercado [como gerente comercial da metalúrgica], visitava muitas indústrias. E quando estava procurando uma solução para rede subterrânea, estive numa fábrica de embalagem, vi as máquinas, conversei com o CEO…
Ele tentou até me desanimar, “é um mercado muito louco, que não vale a pena”, mas eu visualizei que precisava criar uma solução com o plástico porque é uma operação que a máquina faz a injeção – é um processo rápido, limpo.
Como a gente veio da indústria metalúrgica – um processo muito pesado –, percebi no plástico a solução para criar um produto ativo e funcional. Você bota um operador, a máquina trabalha 24 horas, com três turnos, com três homens.
Então, é muito mais fácil do que uma fábrica metalúrgica, de concreto. Foi por isso que eu acabei animando para o plástico.
Como foi seu processo de criação do Fubox, o tijolo de plástico reciclado que serve como caixa de passagem e foi a principal inovação da Fuplastic?
Eu fui trabalhando as ideias e cheguei num modelo construtivo, porque como um molde de plástico é algo muito caro, eu precisava fazer um molde que fosse assertivo e que coubesse no momento que a gente estava passando.
Decidi criar uma solução – uma empresa – e fui à Legoland, nos Estados Unidos, em uma viagem com minhas filhas para a Disney. Levei um escalímetro [para medir], e busquei um Lego, que até virou uma tatuagem em que conto essa história no meu braço [ele aponta para sua tatuagem no antebraço direito].
Virei para minhas filhas, falei que eu ia pegar esses 8 dólares, que era [o preço de] um pote de Lego, e transformar em milhões
Com esse Lego, cheguei num produto que foi o Fubox, um tijolo de plástico de 20 [centímetros de comprimento] por 10 [de largura] por 15 de altura.
Um mês depois da peça estar pronta, eu conseguia fazer todas as caixas e passagens pré-subterrâneas. Consegui a resistência que o concreto tinha. E fui para o mercado para quebrar paradigma: tirar o concreto e colocar o plástico.
Um mês depois entramos na maior obra do país de fazenda de energia fotovoltaica, em Tabocas do Brejo Velho [na Bahia]. O primeiro projeto de 3 milhões de reais.
Com ele, consegui criar outros moldes e criei a empresa. A gente virou referência no mercado de energias renováveis solar e eólica, e de telecom.
A ideia de fazer com plástico reciclado surgiu desde que Fuplastic nasceu? Desde o princípio. Começou além do lado ambiental porque tem uma redução de custo também. É mais barato, 50% do custo de um [plástico] virgem e tem as mesmas características.
De onde vem esse plástico reciclado? Vocês mesmo reciclam?
A gente faz parte da logística reversa de algumas empresas, das indústrias de telecom, construção civil, automotiva. Mais de 50% [da matéria-prima usada pela Fuplastic] vem de parceiros que reciclam pós-consumo em São Paulo, Curitiba e interior, e mandam os pellets já processados, prontos para injeção.
Mas a gente tem uma estrutura mínima [de reciclagem]. Não para 6 mil toneladas, mas para um volume baixo, a gente faz hoje internamente.
Por exemplo, a gente pega as pontas dos dutos das redes subterrâneas, que são de plástico e sobram muito. A gente processa, tritura, gera um crédito e faz esse plástico voltar como produto, como caixa de rede subterrânea para Vivo, Claro, Enel..
Para você ter uma ideia, a loja da Oakberry, a gente faz os blocos 100% com os baldes [de açaí da marca], é o ciclo completo da logística reversa. A gente pega, por exemplo, 1 500 baldes, processa, tritura, injeta e produz os blocos que constroem uma loja. Fica bem bonita. No [parque] Ibirapuera tem, na [Praça] Panamericana…
Esse é o sonho de muitas marcas que querem ser mais sustentáveis: poder fazer a economia circular com ciclo fechado. Nesse caso você não precisa nem mexer na cor…
Sim, todas roxas, ficam lindas. A logística reversa mais legal que a gente tem hoje é da Oakberry. Mas a gente usa muito brinquedo, parte de carro…
Como o preto é uma das coisas predominantes para caixa de passagem, usamos muito painel, porta de carro, para-choque, grade. Hoje, 50% do carro é plástico, então um grande volume da nossa matéria-prima vem da indústria automobilística.
Quanto do lixo plástico do Brasil está sendo utilizado ou pode vir a ser usado pela Fuplastic nos próximos anos?
A gente é um copo dentro de um oceano, mas são muitas empresas que estão no mesmo caminho.
O ESG hoje está muito forte, mas vejo que é mais um problema cultural, porque o plástico é uma solução de engenharia perfeita. Não sendo jogado na rua, nos mares, ele é dinheiro, vira renda – e cada vez está valorizando mais
Então, se a gente conseguir fazer com que a cultura e a educação mudem, e fazer com que o plástico vire retorno financeiro, ele sustenta famílias. Vão ter famílias que vão ganhar 3 mil, 4 mil reais só levando e vendendo o plástico.
Hoje já tem pontos de coleta, pontos específicos linkados com indústria – e eu pretendo cada vez mais contribuir com isso.
Se a gente pegar 6 milhões, daqui a pouco 10 milhões de quilos por ano, em breve estaremos com um volume considerável de plástico sendo ressignificado, e transformado em um produto que vai ter uma vida de 50 a 100 [anos]. E, no caso da caixa subterrânea, enterrada, 300 anos.
E que outras vantagens usar o plástico reciclado trouxe até agora?
Fundamos a empresa em 2016 e em 2020 a gente já estava bem estabelecido: com máquina e produção própria.
Em 2020, na pandemia, o aço triplicou de custo, estava escasso, com dificuldade de chegar no Brasil, e a gente teve que se reinventar, porque usávamos aço nas bordas das caixas, numa parte metálica. E o custo da caixa ia ficar inviável para o mercado.
A gente acabou criando uma linha que eliminava o aço. Tivemos que fazer um grande investimento, ampliar a fábrica, comprar máquinas muito maiores, moldes muito maiores. Foi uma reviravolta no meio de uma pandemia, com a criação de uma linha nova
Além disso, esse mesmo bloco das caixas virou construções modulares: tapume, casa, contêiner, outras soluções de moradia, de loja, de comércio. Entramos num outro mercado que acabou explodindo também.
Hoje a gente está em 16 países, a empresa vem crescendo muito. Esse ano a gente vai mais dobrar de faturamento. E temos uma projeção bem bacana para os próximos anos.
Como você descobriu que trocar o concreto pelo plástico não tinha problema, não tinha risco?
Através de testes. Era um risco que a gente tinha, do plástico não se comportar como a gente gostaria. Então era um desafio, mas era um desafio que estava calculado. Poderia dar errado, voltaria atrás.
Mas deu certo, chegou na resistência que a gente precisava, que era suportar 40 mil quilos com a caixa montada, para competir com o concreto. Então, se tira um concreto que é altamente resistente, mas [de processo de fabricação] poluente, para uma caixa sustentável que resiste à mesma coisa
Há um ganho de logística muito grande com a criação do modelo Fubox em relação ao concreto, de 400%. A caixa de plástico tem 10% do peso de uma caixa de concreto. Você pode empilhar, mandar em kit, desmontar. E assim se polui muito menos.
Na nossa primeira venda foram 3 mil caixas. A primeira etapa da obra foi em concreto, eles usaram 100 carretas [para transportar as caixas]; na outra, foi o nosso material, caixas Fubox: a gente usou [apenas] 10 carretas.
O produto ser mais leve torna a logística da exportação mais acessível, certo?
Sim. Por exemplo, a Chilli Beans é uma cliente que está abrindo lojas na Europa.
Eles compraram blocos modulares para construir essas lojas e enviaram por navio para a Alemanha. E de lá a loja foi carregada num helicóptero e levada para os Alpes, na Áustria. Onde ela está trabalhando em uma temperatura de menos 20 graus.
Está sendo uma validação surpresa para todo mundo aí: a gente não sabia nem que dava para o contêiner andar de helicóptero…
Ontem fiz uma nova tatuagem de uma patente nossa, da caixa Stander Box, que a gente vende para 16 países. Desenhei a caixa e conto a história, que foi quando no meio da pandemia, tive que tomar uma atitude para criar essa linha.
E você tem outra tatuagem em homenagem à empresa, confere?
A primeira foi o tijolo. Eu fiquei 44 anos até fazer uma tatuagem. Escolhi contar a história desse produto que mudou minha vida. Hoje a gente está onde está por essa criação, esse insight.
Tatuei o número da patente, dos 8 dólares que eu falei que ia transformar em milhões, e o dia que saiu a primeira peça. E o projetinho do estudo do Lego, o rascunho que eu fiz.
Já que falamos de Lego, que é um brinquedo: se a gente fosse atualizar a história dos três porquinhos, onde é que entram as construções com blocos de plástico?
Entram como a casa mais resistente, que pode ser transportada. A gente manda uma loja para o Pará, num caminhão andando a 100km por hora com buraco na Transamazônica, ela chega intacta. Ela anda num helicóptero pendurado a -20ºC…
Tem uma casa que a gente construiu em quatro horas, de 50 metros quadrados. Morei por três meses pra sentir toda a parte térmica, acústica, validar o produto pra poder colocar no mercado. No frio a casa estava quente; no calor, estava super fresca. Um conforto absurdo
Hoje essa casa está na nossa planta de injeção, serve como apoio para os funcionários. É uma casa à prova de terremoto, porque a casa não seria “desmanchada” [em caso de um tremor]. É uma casa que a ONU teria que avaliar e levar pra usar em locais como Chile, Haiti.
Isso é algo que eu tenho como sonho: levar essa casa sustentável para lugares que tenham terremoto, para evitar mortes. Tenho muita vontade que isso aconteça.
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