Quando eu tinha 6 anos, lá na China, descobri que meu sonho era ser professora. Não sei exatamente o porquê, mas lembro que foi no meu aniversário que a ideia surgiu.
Logo depois de cantar parabéns, tem toda aquela coisa de fazer um pedido e apagar as velinhas. Pois bem, enquanto outras crianças pediam brinquedos, eu pedi para ser professora. E meu pedido se realizou! Mal sabia eu os rumos que essa profissão iria me levar!
Na Universidade de Hubei, em Wuhan, fiz minha graduação em Literatura e Língua Chinesa, um curso de licenciatura para ensinar chinês para os próprios nativos.
Mas foi no último ano do curso, em 2009, que entendi que na verdade, queria ensinar o idioma para estrangeiros, expandindo os meus horizontes.
É até engraçado, pois nesse mesmo ano, um amigo meu da faculdade — quase um profeta — falou: “Imagina que legal você conseguir ensinar chinês pela internet para as pessoas do mundo todo!”.
Eu nem conseguia imaginar. Para mim, isso era uma coisa muito distante, até mesmo porque a internet não era a mesma de hoje.
Menos de dez anos depois dessa conversa, em 2015, o Pula Muralha nascia como um curso de mandarim 100% online. Desde sua fundação, alcançamos pouco mais de 600 cidades (tanto no Brasil como fora dele), 28 mil alunos no curso experimental e 6 mil na versão completa, além de mais de 740 mil inscritos no canal do YouTube.
Na época do lançamento do curso, no entanto, eu só me via como professora. O empreendedorismo só foi vir depois.
Muita gente me pergunta como eu vim parar aqui no Brasil. Isso aconteceu no final da minha graduação em Hubei, quando surgiu a oportunidade de fazer um mestrado em universidades internacionais parceiras aqui ou nos Estados Unidos.
Eu estava em busca de uma experiência diferente e, já que iria ensinar chinês para estrangeiros, por que não aproveitar essa oportunidade pra me jogar em uma outra língua e em uma outra cultura também?
Como eu já tinha conhecimento do inglês, escolhi vir para o Brasil. Na verdade, eu até brinco que foi o Brasil que me escolheu. E, em 2011, embarquei nessa jornada, que não foi nada fácil!
Eu cheguei aqui sem falar muito bem português e, uma semana depois, já comecei a dar aulas.
Apesar da dificuldade com a língua, foi bom porque isso me ajudou a estabelecer uma relação com meus alunos. Eu ensinava chinês para eles e eles me ensinavam português, a cultura brasileira e ainda me levavam para passear!
Nessa relação com meus alunos é que surgiu a ideia de criar o canal do Pula Muralha e começar a empreender. Na verdade, foi um aluno em específico que me motivou. E hoje, ele é meu marido e meu sócio!
Quando eu conheci o Lucas, ele trabalhava com vídeo e comunicação. Um dia, ele me viu gravando um vídeo de parabéns para uma amiga que ia se casar e disse que eu me comunicava muito bem, que deveria criar um canal no YouTube.
Eu fui sem expectativa nenhuma. Lá na China não tem YouTube e mesmo aqui no Brasil. eu não usava muito essa plataforma.
Isso foi em 2014. Até aí, eu ainda não tinha o domínio do português nem o conhecimento técnico necessário para gravar um vídeo para a internet.
Quando eu e o Lucas começamos a gravar, também não tínhamos ideia do que as pessoas queriam assistir. Os primeiros vídeos eram só da minha mão escrevendo ideogramas, mas poucas pessoas assistiam.
Percebi, no entanto, que o nível de chinês dos brasileiros era muito básico. Como a nossa intenção inicial com o canal era atrair mais alunos para as minhas aulas, mudamos de estratégia e montamos um curso de chinês do zero para o YouTube.
Foi assim que eu comecei a aparecer mais nos vídeos, ensinando coisas mais básicas como “oi”, “tchau” e “obrigado” em mandarim. Assim, o canal começou a crescer.
Porém, quando um negócio começa a crescer, a gente precisa fazer escolhas. Em 2015, o canal já estava bem estabelecido e eu e o Lucas sentimos que já estávamos prontos para dar um passo a mais com o Pula Muralha.
Ao mesmo tempo, eu terminava um mestrado em Relações Internacionais e todos os meus colegas do curso estavam seguindo caminhos diferentes nessa área.
No meio de tudo isso, ainda tinha meu orientador, que me incentivava a seguir com um doutorado ou ser professora universitária.
Eu realmente pensei na possibilidade de largar tudo o que estava construindo e ir para esse lado das Relações Internacionais. Talvez, trabalhar em ONGs…
Mas na hora, me lembrei de uma frase em chinês que eu gosto muito e que traduzida significa basicamente: “Não esqueça da sua intenção original. Com ela, você pode ir mais longe”.
Então, eu pensei que se desde os 6 anos eu queria ser professora e eu já estava no caminho antes, então por que mudar naquele momento?
Hoje em dia eu agradeço muito por ter seguido nesse caminho e sei que o que eu faço também é capaz de mudar vidas.
Vejo relatos de alunos meus que, por causa do chinês, seguiram trajetórias de vida que nunca tinham nem pensado. Isso é muito gratificante!
Apesar de não conseguir manter contato com todos diariamente, sinto que desenvolvemos uma relação muito próxima. Para todos, crio nomes em chinês baseados nas suas características. Isso nos ajuda a estabelecer uma relação de confiança, mostrando que cada aluno é único.
Durante essa trajetória com o Pula Muralha, me marcou muito uma ocasião em que estava viajando e fui abordada por uma pessoa na rua em Paraty, no Rio, e ela falou: “Nossa! Você é a menininha do YouTube!”.
Eu nunca esqueci esse comentário. Naquele hora, pensei: Tá, mas eu não quero ser só isso. Eu quero ser a professora Sisi, a educadora, a empreendedora Sisi!
As pessoas que veem meus vídeos acham que é fácil, que a vida é boa, mas não enxergam todo o trabalho e esforço que eu coloco em cada produção
Como mulher, então, essa barreira de “menininha simpática do YouTube” faz com que muita gente não leve a sério o nosso trabalho.
Outro dia, eu achei um diário antigo que escrevi pouco antes de vir para o Brasil e lá eu falava de todos os receios que tinha: medo de não conseguir falar português, de não acompanhar o curso, de não me adaptar no país… Enfim, muitas coisas.
Hoje em dia, penso que tudo o que passei até agora, tanto as coisas boas como as ruins, fizeram parte da minha trajetória e foram importantes para o meu crescimento e o do Pula Muralha.
Muitas pessoas que começam no YouTube, igual começamos, desistem rápido porque apesar de ser um trabalho legal, é um compromisso e precisa de muito esforço para ter um retorno financeiro
Empreender não é nada fácil. Existe uma visão muito romantizada sobre o empreendedorismo no Brasil de que só trabalhar com o que amamos já basta.
Isso precisa ser desmistificado, porque não adianta só força de vontade e motivação. É preciso muito trabalho e planejamento.
Vão existir várias dúvidas no caminho e vários perrengues, com certeza. Talvez não haja retorno financeiro no começo. E isso é normal, faz parte.
Mas desde o começo, se o que se deseja é empreender, um dos objetivos principais precisa ser a questão financeira, senão o negócio não seguirá adiante
Para o futuro do Pula Muralha, espero continuar o trabalho que já fazemos hoje, buscando maneiras inovadoras e criativas de conectar mais brasileiros com a China, aproximando, de formas diferentes, essas duas culturas.
Como eu já falei antes, é muito gratificante ver meus alunos seguindo trajetórias de vida completamente diferentes por causa do nosso curso de mandarim, então queremos investir cada vez mais em novas oportunidades, como intercâmbio e eventos culturais.
No mais, minha dica para quem deseja empreender é a mesma que me motivou a seguir em frente com o meu negócio: “Não esqueça da sua intenção original. Com ela, você pode ir mais longe!”.
Si Liao, carinhosamente apelidada de Sisi, veio ao Brasil há dez anos como intercambista em Linguística da China, em uma parceria da Universidade de Wuhan com a Unesp. Com o sonho de ser professora, ela criou o canal do YouTube Pula Muralha. Hoje, a edtech tem o maior curso de mandarim do Brasil.
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