Renée Amorim, 41, sempre foi um cidadão bastante atuante em seu meio social. Demorou bastante tempo, no entanto, para que ele descobrisse exatamente que caminho gostaria de trilhar e em que meio atuaria. Nascido em Fortaleza, teve que cursar quatro anos da faculdade de veterinária antes de perceber que não era bem isso que queria. Mudou radicalmente para ciências contábeis, e trabalhou em seguida por cinco anos numa empresa exportadora de calçados.
Ao mesmo tempo, Renée era músico percussionista da banda Soul Zé – participante engajadíssimo do movimento manguebit, de seu ídolo Chico Science. Produzia e tocava em eventos culturais e festivais locais, além de ministrar cursos e oficinas sobre a evolução da música nordestina. Em 2004, a banda decidiu mudar-se para São Paulo depois de uma longa viagem pelo País. Era o momento de se instalar na capital econômica e cultural do Brasil. A boa fase durou outros três anos, até que o grupo se desintegrou, interesses diferentes emergiram – aquela velha história que acomete tantos grupos musicais.
Renée era apaixonado por música, mas sua paixão pela transformação e mobilização social era maior. “Decidi que precisava entrar no terceiro setor. Afinal, tinha experiência de gestão de projetos, como contador, e em educação, pelas aulas que dava. Trabalhar com música é muito legal, mas arte em geral é uma coisa muito egocêntrica. Eu sentia falta de fazer algo pelo outro”, diz.
Em 2006, ficou sabendo de uma vaga para captador de recursos na Casa Taiguara, uma entidade que presta vários tipos de serviços a jovens moradores de rua. Lá, encontrou um espaço repleto de demandas, mas também de liberdade. “Não tinha um site da instituição, nem um computador para trabalhar. Comecei a atuar não como um captador, mas como desenvolvedor institucional, pensando estratégias de curto e médio prazo para o desenvolvimento da entidade como um todo”, conta.
NA CULTURA, A SEMENTE DO DIGITAL
Renée sempre foi muito “mão na massa”, segundo suas mesmas palavras. Logo implantou oficinas e projetos culturais na Casa, sua área de expertise, fundando a Casa Taiguara de Cultura, com projetos de dança, capoeira e palestras culturais.
Por lá, Renée decidiu alocar também um laboratório pequeno de computação para ministrar cursos básicos de informática – era o começo do inovador projeto de sua autoria e hoje o carro-chefe da organização, a Casa Taiguara de Cultura Digital (CTC Digital). Com este passo, a instituição começava a entrar em um novo rumo nunca antes alcançado: colocar de vez os jovens assistidos no mercado de trabalho.
“A gente começou a fazer os cursos para os meninos atendidos e também para os funcionários da Casa Taiguara em uma sala construída a partir de doações espaçadas. Só que o curso foi crescendo, passou a ter uma procura espontânea e ganhar popularidade no bairro (na época, o Bixiga, no centro de São Paulo). Era o único curso em que praticamente não existia evasão. De quebra, alguns alunos ainda conseguiam estágios e trabalhos depois de completá-lo”, recorda Renée.
Com recursos do Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (Fumcad), a equipe conseguiu ampliar a grade horária do curso. A constatação era evidente: turmas de capoeira, por exemplo, começavam com 40 inscritos e se esvaziavam até quase se extinguir ao longo do primeiro mês. Já os grupos de tecnologia Web eram fiéis, com alta procura e casos de encaminhamento profissional depois de recebido o certificado de conclusão. Era hora de investir nisso.
CORAGEM PARA ROMPER COM UM MODELO TRADICIONAL DE ONG
Em 2012, a Casa Taiguara decidiu fechar todos os cursos artísticos e culturais e focar exclusivamente na escola de tecnologia digital. Assim nascia a CTC Digital, projeto pioneiro de escola social completamente gratuita voltada para o jovem estudante de Ensino Médio.
Para o calendário do primeiro semestre deste ano, que vai de 6 de março a 3 de julho, a Casa oferece dez cursos, dois deles duplicados: Web Design, Programação Básica, Office Avançado, Produção Audiovisual, Modelagem 3D, Arte Digital e Editoração Gráfica, Game Design, Game Tester, Google Adwords e Facebook Innovation Lab.
Ao todo, são 240 vagas em 2015, um número recorde em sua história. “Fizemos uma parceria importante com o Facebook, que patrocinou a construção de nossa segunda sala de laboratório”, diz Renée. Além disso, a agência de marketing digital DP6 desenvolverá, neste semestre, dois cursos dentro do espaço da própria empresa para os alunos da CTC Digital: um sobre Google Analytics e outro sobre Social Media Metrics. A Casa também mantém uma parceria com a empresa localizadora de vagas, Catho.
“Foi preciso estabelecer um processo seletivo bem rigoroso para entrar, que inclui prova escrita e oral, pois uma de nossas premissas é ter turmas pequenas, de 16 alunos cada”, conta Renée. A metodologia empregada é a da gamification, isto é, aplicar a dinâmica dos games no contexto do aprendizado. Assim, durante os cursos, os participantes são convidados a enfrentar uma série de desafios mediante recompensas, seguindo regras pré-estabelecidas. Os alunos acumulam pontos e no final, há vencedores, como Renée explica.
“Em vez de o aluno ter notas, o que é simbolicamente muito negativo, ele recebe muitas atividades a serem cumpridas e, por elas, vai recebendo pontos e passando de fase”
A quantidade de experiência atingida dá direito a vários benefícios, como não responder uma questão da prova e mesmo assim receber a pontuação por ela ou ganhar o direito de ajudar um colega em determinada pergunta do teste.
“A ludificação do processo aumenta o interesse e a participação do aluno, promove o trabalho em grupo e a competição saudável. De nossos dez cursos, sete adotam essa metodologia. Dá trabalho – o professor tem que quantificar os resultados dos alunos de maneira constante – mas o resultado vale a pena”, diz ele.
O DESAFIO DA SUSTENTAÇÃO FINANCEIRA
Uma das 15 funcionárias da CTC Digital é responsável unicamente por prospectar vagas em empresas de acordo com o perfil dos estudantes. A taxa de aproveitamento desses participantes é alta, uma vez que os cursos da Casa são criados a partir da percepção de uma demanda concreta de mercado que seja possível a um trabalhador com formação de curso médio.
Além dos cursos de quatro meses, a Casa oferece também oficinas de elaboração de currículo, de explicação sobre a realidade do mercado de trabalho e de orientação profissional. Visitas guiadas às sedes das empresas de tecnologia, como o Google e a Microsoft, também são utilizadas como forma de despertar a curiosidade e interesse dos alunos. A equipe também faz toda a intermediação entre o aluno e o empregador, sempre de forma gratuita.
Mesmo com o crescimento, Renée admite as várias dificuldades de se trabalhar em uma associação civil sem fins lucrativos, sem deixar de pensar em soluções para elas. “É muito difícil fazer a coisa funcionar em termos financeiros no terceiro setor, principalmente quando se trabalha com acolhimento institucional. É difícil achar parceiros e patrocinadores. Uma das tentativas de minimizar esta preocupação é um projeto que está em fase de elaboração. É uma empresa júnior, que contará com profissionais do mercado que guiarão nossos melhores alunos. Esperamos captar jobs que nos permitam, alem de proporcionar emprego, angariar também recursos para a Casa Taiguara”, afirma Renée.
Em 2023, para cada real de lucro, a MOL Impacto destinou 5 reais a organizações sociais. Roberta Faria fala sobre a cultura de doação no Brasil e como sua empresa engaja consumidores através do varejo para ajudar a construir um mundo melhor.
Desconstruir mitos e fórmulas prontas, falando a língua de quem vive na periferia: a Escola de desNegócio aposta nessa pegada para alavancar pequenos empreendedores de São Miguel Paulista, na zona leste de São Paulo.
Contra o negacionismo climático, é preciso ensinar as crianças desde cedo. Em um dos municípios menos populosos do Rio de Janeiro, a Recickla vem transformando hábitos (e trazendo dinheiro aos cofres públicos) por meio da educação ambiental.