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Conheça a designer que cria joias “de vestir” feitas com uma borracha amazônica colorida e sustentável

Daniela Paiva - 30 ago 2017 Flavia Amadeu é pioneira no uso de uma borracha amazônica sustentável, que ela transforma em joias "vestíveis". (foto: André Carvalho)
Flavia Amadeu é pioneira no uso de uma borracha amazônica sustentável, que ela transforma em joias "vestíveis". (foto: André Carvalho)
Daniela Paiva - 30 ago 2017
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Você já pensou em vestir uma joia? Mas vestir no sentido mais próximo possível do ato de cobrir o corpo, como uma roupa mesmo? Quase como usar uma segunda pele, ou, indo um pouco além, algo que dê a impressão de se tornar uma extensão do teu físico… Está aí o tesão da brasiliense Flavia Amadeu, 39, com as suas Joias Orgânicas. São produtos feitos quase que exclusivamente de uma borracha amazônica colorida e totalmente natural chamada Folha Semi-Artefato (FSA).

Flavia é pioneira na aplicação desse tipo de material na indústria de moda. Há mais de 13 anos ela investiga, desenvolve e produz peças e acessórios com a FSA. Só que a empreendedora não opera apenas na ponta mais pomposa deste ciclo, que é quando seus artigos estão prontos para seduzir os olhos femininos em vitrines e galerias. Ou passeiam pelo colo de celebridades internacionais, como a modelo e atriz inglesa Lily Cole (que usou no Met Ball de 2013 um vestido Vivienne Westwood feito com a borracha FSA de Flavia).

Entre os produtos de Flavia estão a pulseira Zig Zag é uma folha de borracha com cortes no meio que envolve o antebraço em uma espécie de “luva”, um longo bracelete, a 120 reais. Já a Sanfona parece uma tira cheia de círculos e torna-se uma série de pulseiras conectadas em uma onda, com movimento (custa 130 reais). Uma das marcas de Flavia Amadeu é o colar Miçanga, uma série de tiras em “V” (que ela usa na foto de abertura dessa reportagem) e que pode ser usado de várias formas, todo para frente ou puxado para trás, e custa de 180 a 190 reais. A marca também apresenta séries de brincos, como a linha Orbital, de borracha e aço cirúrgico, inox ou alumínio, que custam 130 reais.

Além de criar esses produtos, a brasiliense também faz um trabalho intenso na outra ponta da cadeia produtiva: lá na terra, perto do rio, junto aos fornecedores da Amazônia. Flavia capacita e aperfeiçoa o processo junto às comunidades ribeirinhas no Acre e no Pará, e também ensina técnicas de artesanato (em sua última viagem a Curralinho, comunidade no Acre, ela trouxe novas cores de FSA na bagagem). Um movimento que envolve parcerias com entidades e organizações como o Laboratório de Tecnologia Química (Lateq) da Universidade de Brasília (UnB), a SOS Amazônia, a WWF-Brasil e a ONU Mulheres. Atualmente, a rede de fornecedores é composta por mais de 120 pessoas, muitas treinadas por ela.

Flavia Amadeu na sua mais recente viagem ao Acre, de onde voltou com novas cores da borracha sustentável FSA que usa em suas criações.

Flavia Amadeu na sua mais recente viagem ao Acre, de onde voltou com novas cores da borracha sustentável FSA, que usa em suas criações.

Ao falar da disrupção que empreendeu, ela fica tímida ao dizer que ocupa o posto de “número um” da borracha colorida no País, e que seu business está entre os três maiores com essa borracha da Amazônia. Prefere, no entanto, destacar aspectos sustentáveis da maneira como isso acontece, como a eliminação da necessidade da queima (usada na borracha comum), que pode provocar problemas de saúde aos seringueiros. Ressalta também a extinção da indústria de processamento do ciclo que, segundo ela, polui e paga mal as comunidades pela matéria-prima. Ela também gosta de falar dos resultados positivos de seu empreendimento em um plano mais familiar, dentro das comunidades. A inclusão das mulheres e a aproximação dos casais no modo de produção é o principal deles.

Flavia conta ainda da importância de obter 100% de aproveitamento das malhas de borracha (como as que aparecem na foto acima), sem desperdício. Seus desenhos são minimalistas, pensados a partir dos espaços negativos e da possibilidade de transformar peças bidimensionais em tridimensionais (um colar precisa assentar no colo, uma pulseira tem de acompanhar o diâmetro do punho — essa sequência de vídeos das joias sendo “vestidas” te ajuda a visualizar isso).

O design arrojado faz parte de uma profunda investigação do comportamento do material, bem como carrega uma série de referências a como pintura indígena e o trabalho de Lygia Clark. “Quando vejo um material diferente, já coloco no braço e vejo como ele se comporta”, conta Flavia.

UM GUARDA CHUVA DE SERVIÇOS EM TORNO DA MESMA IDEIA

Flavia é, portanto, designer, pesquisadora e empreendedora social. Sua marca guarda-chuva é Flavia Amadeu Design Sustentável, que apresenta um tripé de ações e serviços: Design Sustentável, que abarca as Joias Orgânicas; Consultorias para projetos de responsabilidade social, coleções exclusivas e pesquisa, e o espaço Educativo, com workshops em design, sustentabilidade e empreendedorismo.

A Joias Orgânicas, semente de tudo isso, existe de 2007, mas o negócio encorpou mesmo após um período de “exílio cerebral”. Flavia passou uma temporada de cinco anos na Inglaterra fazendo doutorado no London College of Fashion, pela University of the Arts, entre 2010 e 2015. Por lá, aprendeu e ensinou um monte sobre Design e Sustentabilidade. E por aqui, ensina e aprende um monte também, principalmente sobre a arte de ser empreendedora.

Flavia Amadeu estudou wearable techonologies, e acabou aplicando o conceito às joias de borracha que cria.

Flavia Amadeu estudou wearable techonologies, e acabou aplicando o conceito às joias de borracha que cria.

Obviamente que quantificar o investimento de mais de 13 anos na lida com a borracha seria uma missão quase impossível. Mas, desde que voltou da terra da rainha, ela contabiliza uma injeção de cerca de 50 mil reais no negócio. Isso entre produção, montagem do estúdio, espaço de coworking em Brasília (o noSSo Estúdio e Design) e contratação de assistentes, apesar de  hoje estar só. O faturamento neste primeiro ano de foco total na Flavia Amadeu Design e Sustentabilidade ficou na casa dos 80 mil reais.

Colocar essa balança lá para o alto é a atual missão. “Meu desafio é aumentar o volume de negócios online e incentivar os pontos físicos a comprarem as coleções. Muitos lojistas querem trabalhar por consignação e não têm responsabilidade com o estado das peças, nem com as vendas dos produtos”, diz.

COMO UMA BRASILIENSE FOI PARAR NA AMAZÔNIA

“A minha viagem pela Amazônica começou quando eu tinha 15 anos” conta Flavia, sem esconder um bom tanto de alegria. Nessa época, ela participou de uma excursão do colégio Objetivo. Sua turma passou uma semana de vivência na floresta, navegando entre o Rio Negro e o Solimões. Entre as anotações para um relatório de biologia sobre a fauna e a flora, brotou o encanto genuíno:

“Meu amor pela floresta talvez tenha vindo dessa primeira viagem. Das caminhadas, de perceber a grandiosidade da Amazônia”

Flavia cursou Desenho Industrial na Universidade, especializando-se em Design Gráfico (entre 1998 e 2002). Para o trabalho final, criou uma coleção de moda inspirada nos grafismos das pinturas corporais dos índios caiapós. Mais uma pedra pioneira: o fashionismo no Desenho Industrial.

E se a Amazônia já fluía pelos dedos, o empreendedorismo também dava sinais de estar aqui. “Eu produzia e vendia bolsas e acessórios de juta, corda, pedras e murano. Nem pensava no dinheiro, queria apenas criar e fazer o negócio virar”, conta.

Em 2004, Flavia entrou para o mestrado em Artes Visuais na UnB, interessada no estudo das tecnologias para a área. Seu objetivo era explorar os wearable computers (tecnologia vestível) e descobrir novos materiais, desvendar as possibilidades dos sensores, entre outras cyber ideias. Em paralelo, ministrava aula em faculdades, trabalhava como consultora e designer gráfica.

Foi quando conheceu o professor Floriano Pastore Júnior, do Lateq (Laboratório de Tecnologia Química) da UnB, de pesquisa de produtos não-madeireiros para sustentabilidade na Amazônia. Um dos resultados dessas pesquisas era justamente a FSA, até então sem utilização e à espera de uma mão nada boba. “Adorei o material e aprendi a trabalhar a borracha dentro do laboratório, desenvolvendo texturas e melhorias”, conta ela. E tome costura daqui, retalha dali, aperta ali, estica acolá, testa como bolsa, roupa, acessório… até que:

“O estalo veio quando percebi que a borracha era borracha mesmo! Não era couro, não era tecido, tinha muito mais recursos. Aí comecei a trabalhar elasticidade, maleabilidade, caimento”

Salto conquistado, após a faculdade Flavia passou a buscar o alto padrão, elevando a qualidade no acabamento e na finalização. Ao longo desta fase, notou dois aspectos da cadeia produtiva que gritavam por atenção. Um deles era o relacionamento entre as comunidades e os designers, muitas vezes complicado, difícil e pontual – apenas para exposições. Outro era a entrega irregular, que atrasava, vinha com baixa qualidade. “Uma vez tive que jogar 1 mil reais no lixo.”

É PARA SER SUSTENTÁVEL, MAS TAMBÉM BONITO E SOLIDÁRIO

Essa percepção a guiou mais uma vez para a Academia, desta vez para o doutorado na Inglaterra com o objetivo de desenvolver uma metodologia de ensino, pesquisa e prática de Design e Sustentabilidade com as comunidades ribeirinhas. “Hoje eu domino o processo inteiro, da fonte ao consumidor. Design sustentável é você entender e trabalhar o processo de forma holística, e lidar com todo o processo de uma forma consciente”, afirma.

De ponta a ponta: Flavia desenvolve a produção, mas também capacita os fornecedores da matéria prima (foto: Eliz Tessinari).

De ponta a ponta: Flavia desenvolve a produção, mas também capacita os fornecedores da matéria prima (foto: Eliz Tessinari).

Isso significa, entre tantas outras peculiaridades (como a dificuldade de logística e comunicação), investir no processo de colaborar. Flavia é árdua incentivadora do trabalho do Doutor da Borracha, como é conhecido o seringueiro e artesão José Rodrigues.

Ele aprendeu a trabalhar com a FSA quase na mesma época que a empreendedora. Além de desenvolver peças em conjunto e vendê-las no tête-à-tête, Flavia lhe dá suporte e abre caminhos. O Doutor da Borracha chegou à Milão e expôs durante o Salone Internazionale del Mobile em 2014.

Certamente o retorno de Flavia ao Brasil foi crucial para esta fase, de consolidação da empreendedora social e designer. Em 2016, ela foi premiada no concurso de designer Objeto Brasileiro, do Museu A Casa de São Paulo, com uma coleção que mistura cerâmica e borracha em parceria com a artista Cristiane Dias. Também foi selecionada para o programa Desafio Amazônia – Negócios para a Floresta em Pé, da Natura e Artemisia.

Mas tem o outro lado de Flavia também, o de globe trotter que quer levar o colorido dessa borracha para o mundo. Ela vende na Dinamarca, Alemanha, Austrália, Inglaterra… O próximo passo são os Estados Unidos. E, quem sabe, uma passadinha  em Londres, com direito a uma exposição em um templo da moda por lá, o que pode acontecer em breve. E ela segue assim: flexível, colorida, mas sem esquecer dos pés no chão.

DRAFT CARD

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  • Projeto: Flavia Amadeu Design Sustentável
  • O que faz: Joias usando borracha amazônica, consultoria para projetos sociais e workshops sobre sustentabilidade
  • Sócio(s): Flavia Amadeu
  • Funcionários: 1 (a fundadora)
  • Sede: Brasília
  • Início das atividades: janeiro de 2016
  • Investimento inicial: R$ 50.000
  • Faturamento: R$ 80.000 (em 2016)
  • Contato: [email protected] e (61) 98347-7179
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