A Escola Brasileira de Ecogastronomia (EBÉ) fica na zona sul de São Paulo, em uma rua tranquila do bairro da Saúde e em um imóvel com jeitão de casa de avó. A escola está ali desde maio de 2018, mas a história do empreendimento começou quatro anos antes, em 2014, quando Cássia Cazita, 40, Fabiana Sanches, 41, e Daniela Lisboa, 31, fundaram a Escola Como Como, que oferecia cursos e oficinas baseados na ecogastronomia, um conceito muito ligado ao movimento Slow Food, que propõe uma alimentação baseada no prazer e na ética, com respeito ao alimento, ao meio-ambiente, às relações de trabalho e de consumo.
Lá no início, a Como Como tinha como sede o quarto de hóspedes da casa de uma das sócias. Hoje, a EBÉ extrapola a função de escola e é um espaço multiuso que funciona, também, como restaurante-café e empório de produtos agroecológicos, além de ser um espaço de experiências que tem o objetivo de se tornar 100% sustentável e natural. “Nossa missão é conseguir usar apenas produtos naturais e agroecológicos e fechar todo o ciclo, inclusive sem gerar lixo”, diz Cássia.
Por enquanto, elas se consideram em fase de transição, já que há áreas em que ainda não conseguem usar produtos naturais, como na limpeza, e o lixo ainda não é 100% reaproveitado. Mas acreditam que é uma questão de tempo — e dinheiro — para a meta ser atingida. É um projeto ousado para três empreendedoras de primeira viagem, que têm um pé no idealismo, mas já aprenderam que para empreender é preciso encontrar o equilíbrio entre sonho e realidade.
A PAIXÃO PELA GASTRONOMIA COM CONSCIÊNCIA UNIU AS SÓCIAS
Vindas de áreas bem diferentes (Cássia é advogada, Fabiana é economista e Daniela, nutricionista e chef de cozinha), as sócias se reconheceram na paixão pela gastronomia e pelo universo da agroecologia e consumo consciente. Quando se encontraram, todas já estavam lidando apenas com a gastronomia.
Cássia trabalhou por alguns anos na área jurídica de bancos, até que resolveu passar uma temporada em Londres. Lá, foi trabalhar em uma cozinha, se apaixonou e nunca mais largou a atividade. Ao voltar para o Brasil, fez faculdade de gastronomia e passou dois anos dando consultoria para restaurantes no interior do país. De volta a São Paulo, abriu um ateliê dentro da cozinha de um coworking, no bairro da Vila Madalena, onde conheceu Fabiana e Daniela.
Fabiana é economista e se estabeleceu na área da gastronomia em 2005. Durante oito anos ela trabalhou administrando restaurantes de uma cadeia de fast food da sua família. Nesse período, conheceu o movimento Slow Food e passou a integrar toda a equipe de incentivo e desenvolvimento do setor agroecológico e ecogastronômico.
Daniela é nutricionista e chef de cozinha e trabalhou por dois anos na Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares da USP, com desenvolvimento de receitas, qualificação técnica para os empreendimentos, gestão de negócios de alimentação e implantação de uma padaria comunitária no CEU Butantã.
As três experiências distintas e complementares culminaram na Como Como depois que as três se conheceram no ateliê de Cássia e, juntas, organizaram, em 2014, a Disco Xepa, um movimento contra o desperdício de alimentos. “Ficamos seis meses planejando esse evento. Tínhamos um orçamento de 60 mil reais, montamos um crowdfunding e arrecadamos apenas 4 mil reais. Mesmo assim, fizemos a ação com essa verba e foi lindo. A gente meio que casou ali”, conta Cássia sobre a formação da sociedade. Depois dessa experiência, elas entenderam que havia muito para ser feito e que estavam diante de um nicho para empreenderem.
O PRIMEIRO TESTE DA EMPRESA FOI NA BIENAL DE ARTE DE SÃO PAULO
A primeira ideia das sócias foi montar uma cooperativa. Como Fabiana já estava envolvida no movimento Slow Food, elas montaram um Convívio, que são grupos locais ligados ao movimento, responsáveis por articular relações com os produtores, fazer campanhas para proteger alimentos tradicionais, organizar degustações e palestras, indicar produtores para participar de eventos internacionais e lutar para levar essa educação às escolas. Batizado de Como Como, esse Convívio é tocado por elas até hoje e surgiu junto com a Escola Como Como.
Em 2016, elas abraçaram a oportunidade de montar um restaurante dentro da Bienal de Arte de São Paulo: o Restauro. “Foi o maior desafio que a gente encontrou, porque além de ter toda a parte artística, que era o estudo do Jorge Mena Barreto, a gente tinha que operacionalizar um restaurante”, conta Cássia.
Durante 3 meses, elas serviram todas as refeições seguindo as premissas da Ecogastronomia. Ali, elas colocaram em prática ideias como comprar apenas alimentos agroecológicos, destinar o lixo corretamente, praticar preços populares (a refeição custava 12,90 reais, mas elas tinham subsídio da Bienal), entre outras. Foi uma experiência intensa. “Ver que era possível nos encorajou a ter um espaço”, conta Cássia.
COMO UMA REFORMA QUASE INVIABILIZOU A OPERAÇÃO DO NEGÓCIO
Depois de oito meses de reforma elas inauguraram o espaço da Como Como. E logo de cara, precisaram mudar o nome porque descobriram que o que tinham escolhido já estava registrado para um restaurante. Cássia fala a respeito:
“Precisamos refazer toda nossa identidade visual, mas Escola Brasileira de Ecogastronomia tem mais a ver com a nossa missão, que é ser um centro de pesquisa”
A EBÉ tem sala de aula, cozinha-escola, cozinha do restaurante, empório e a área do restaurante-café, que pode acomodar até 50 pessoas. A casa é toda permeada por jardins com plantas comestíveis e, também, muitas flores para atrair abelhas polinizadoras.
Existe um trabalho para destinar o mínimo de lixo possível para a coleta da cidade. Uma parte das garrafas retorna para os fornecedores que já trabalham com logística reversa. Dois catadores da região passam por lá e recolhem uma parte do lixo reciclável, como papelão e plástico. Outra parte, elas colocam no carro e levam até o Ecoponto (ponto de coleta de lixo reciclável da prefeitura de São Paulo) do bairro. O que sobra é destinado para a coleta da cidade. A ideia é implantar uma composteira em breve para diminuir ainda mais o volume de lixo.
Com o apoio da família, elas investiram 700 mil reais no negócio, dinheiro que foi praticamente esgotado na obra que transformou a casa onde antes funcionava um pet shop em um lugar mais sustentável, com captação de água da chuva e água cinza (água das pias, que é filtrada e reutilizada), piso externo drenante (que retém até 89% da água, evitando que ela vá para a rua e, ainda, mantém os jardins com umidade) e muito vidro para privilegiar a iluminação natural. O gasto alto na reforma fez com que elas inaugurassem sem capital de giro, um grade desafio para operar o negócio. “Eu não recomendo pra nenhum empreendedor. E um desgaste emocional gigante”, diz Cássia.
É PRECISO TEMPO — E PACIÊNCIA — PARA COLHER OS FRUTOS
Hoje, o faturamento está na casa dos 50 mil reais por mês, ainda abaixo do que elas previram no plano de negócios. A meta é atingir o break-even em 2019. E o principal é conseguir fazer isso de forma sustentável, seguindo os princípios de um comércio justo e ético. “Queremos que tudo aqui seja acessível. Trabalhamos com uma margem de 35% em cima de tudo o que vendemos. O nosso sonho é operar com contribuição voluntária das pessoas, mas entendemos que isso ainda não funciona na sociedade em que vivemos”, afirma Cássia.
O restaurante, que nem estava previsto para essa fase inicial do empreendimento e surgiu como uma demanda do bairro onde elas estão, é a principal fonte do faturamento juntamente com os projetos especiais e customizados que elas desenvolvem para empresas. O prato custa 30 reais e é feito com cerca de 90% de ingredientes orgânicos.
A escola é a frente que mais deve demorar para ter um bom faturamento. As aulas custam de 50 a 250 reais e há desde cursos mais longos como “Iniciação Culinária”, com seis módulos, até os cursos livres, com apenas uma aula. As empreendedoras têm noção de que o negócio que escolheram tocar precisa de tempo para gerar frutos, como fala Cássia: “A escola é um projeto de médio e longo prazo”. Ela prossegue:
“A gente começou grande demais. Talvez tenha sido até um pouco pretensioso, mas vimos que o que queremos é possível e realizável”
Afinal, sair de um quarto de hóspedes para um espaço bem maior, com restaurante, café, escola, empório e projetos especiais foi mesmo um passo ousado. Apesar dos desafios, da falta de grana, elas acreditam no potencial da ideia e do negócio. “Nem passa pela nossa cabeça que não vai dar certo”, diz Cássia. Então, avante!
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