Shoot the shit é uma expressão em inglês que, em tradução livre, significa algo como jogar conversa fora. Que é mais ou menos o que começaram a fazer, em meados de 2010, os publicitários gaúchos Luciano Braga, 29, Gabriel Gomes, 25 e Giovani Groff, 29. Cansados das amarras do mercado, sempre vinculado ao veto do cliente, eles se reuniam toda terça-feira, na hora do almoço (cada um trabalhava em uma agência) para ter e executar as ideias que quisessem, de preferência com impacto social. A esses encontros deram o nome de Shoot The Shit.
Uma dessas conversas jogadas fora resultou em uma ação vencedora, este ano, do World Cities Day Challenge, um concurso do jornal britânico The Guardian que celebra o dia mundial das cidades, criação da UN-Habitat, braço de urbanização da ONU. Batizada de Que Ônibus Passa Aqui?, a ação dos publicitários consiste em colar, em pontos de ônibus, adesivos com a pergunta-título, uma breve explicação e um grande espaço em branco, convidando os próprios usuários do serviço público a colaborarem com a difusão da informação. A ação ganhou também este ano o prêmio Mobilidade Minuto, do Instituto Cidade em Movimento, na categoria Transporte Coletivo.
“Foi a ação mais legal e mais importante da Shoot The Shit. Tanto pela simplicidade e originalidade como pela capacidade de ser replicada e por ser colaborativa”, diz Gabriel.
Que Ônibus Passa Aqui? foi criada em fevereiro 2012, com 100 reais, usados para imprimir os primeiros 50 adesivos, colados em pontos de Porto Alegre. De lá pra cá, já teve duas passagens bem sucedidas pelo Catarse, parceria com a prefeitura de Porto Alegre e está em 30 cidades brasileiras – impactando, direta ou indiretamente, cerca de 3 milhões de pessoas – com mais de 20 mil adesivos impressos.
LOS TRÊS CRIATIVOS
Luciano, que é redator, Gabriel, diretor de arte e Giovani, da área de planejamento se conheceram em um curso de empreendedorismo criativo na Perestroika, em 2009. Conversando, na época, perceberam que compartilhavam da mesma insatisfação com o trabalho: sentiam falta de liberdade criativa, algo que não poderia ser resolvido dentro de uma agência. Queriam criar e executar ideias sem se preocupar com a aprovação de terceiros mas, em um primeiro momento, sabiam que não podiam abrir mão do trabalho. Foi quando surgiram os almoços às terças-feiras, já batizados de Shoot The Shit.
“A gente pensou a Shoot The Shit como um projeto paralelo e oposto ao de uma agência. As reuniões não tinham pauta, a gente falava o que tinha acontecido na semana, o que tinha visto de referência bacana, se tinha uma ideia que queria realizar”, conta Luciano.
Já na primeira semana, resolveram desengavetar uma ideia de Gabriel reprovada anteriormente em uma agência. Ratearam 120 reais e mandaram fazer 100 adesivos com a frase Salve uma vida, apague o seu cigarro. Colados em pequenos postes de Porto Alegre que lembravam cigarros de ponta cabeça, acabaram se transformando em uma ação para o Dia Nacional do Combate ao Fumo – eles aproveitaram a efeméride, comemorada dia 29 de agosto. Luciano descreve o que sentiram com a repercussão:
“Saímos no Ads of the World, que é o maior site de publicidade do mundo. E com um trabalho feito no nosso tempo livre. Isso mostrou que fazia sentido o que a gente pensava e que podíamos, talvez, alçar voos maiores”
Cerca de dois meses depois rolou a ação seguinte. Dessa vez, não usaram adesivos, mas a ação aconteceu em um ponto (ou parada, se você é de Porto Alegre) de ônibus, onde foi disponibilizado durante uma tarde, e para uso público, um aparelho de ginástica (do tipo que mexe braços e pernas ao mesmo tempo). Chamava Mexa-se e tinha como propósito fazer com que as pessoas refletissem sobre a prática de atividade física. Mais de 20 pessoas usaram o aparelho e ação se transformou em vídeo, postado no Youtube.
“Ficamos pilhados depois da primeira ação. A segunda, apesar de ter um pouco menos de repercussão, saiu em vários sites de publicidade e em países como Rússia, Espanha, Estados Unidos, Inglaterra e Canadá”, diz Luciano.
Em maio de 2011, o vídeo de uma ação chamada Porto Alegre, Paraíso do Golfe, em que os publicitários, vestidos a caráter, jogavam golfe nos buracos das ruas de bairros nobres de Porto Alegre ao som de “Dime”, do Cake, viralizou rapidamente e chegou a 80 mil views no Youtube em uma semana. A prefeitura tapou os buracos e a ideia ganhou o prêmio Ação do Bem, do Festival Mundial de Publicidade de Gramado daquele ano.
QUANDO O PRAZER VIRA NEGÓCIO
Com o reconhecimento, eles deram entrevistas aos principais jornais do país e a Shoot The Shit começou a render também comercialmente: a partir daí, eles passaram a ser convidados para dar palestras. “Primeiro fomos chamados por agências de publicidade, aí veio um evento, depois faculdade e quando vimos a gente estava fazendo muitas apresentações. Começamos a cobrar no momento em que percebemos que despendíamos bastante tempo montando os conteúdos, mas até então não tínhamos pensado nisso como um produto”, conta Luciano.
No currículo de palestras da Shoot The Shit estão também dois TEDx, o do Parque Farroupilha (RS) e do Pelourinho (BA). No fim do ano de 2012, já ganhando um valor considerável (as palestras custam entre 2 mil e 2.500 reais), Luciano pôde pedir demissão da agência em que trabalhava para dedicar mais tempo à Shoot The Shit. Já Giovani, que não estava na mesma pilha, escolheu sair do grupo.
No ano passado, a Shoot The Shit fechou um contrato com um colégio particular de Porto Alegre para fazer workshops e ações sobre a cidade com alunos de sétimo a terceiro ano. Seguiu 2014 na mesma pegada. “Esse projeto trouxe estabilidade financeira, mas paramos o ritual das terças-feiras e perdemos o espaço que tínhamos de criatividade porque era hora de pôr a energia em outras coisas”, fala Luciano.
A EMPRESA AMADURECE
Em março deste ano, Gabriel mudou-se para o Rio de Janeiro, onde abriu uma empresa. Mas ele segue fazendo parte da Shoot The Shit, que agora ruma para um novo caminho: quer abraçar ações de maior impacto social em parceria com marcas e empresas. Para a empreitada, eles trouxeram para o time, há cerca de dois meses, o gerente de projetos Artur Scartazzini, 28. “Sempre tivemos muita oferta para tocar projetos de empresas mas não pegávamos porque faltava alguém como o Artur, com experiência de fazer reuniões, falar com cliente”, afirma Luciano.
O posicionamento da Shoot the Shit, segundo ele, é o mesmo: ser uma não-agência e gerar comunicação através de projetos sociais. E a certeza de que não terão clientes, mas parceiros.
“Não somos fornecedores: vamos trabalhar junto com as marcas, em parceria”
Dentro deste conceito, também não há metas ou plano de negócio. “A real é que eu penso de uma maneira orgânica, o dinheiro vai vir através de coisas legais que a gente fizer. Se eu estabelecer uma meta e for atrás dela a gente talvez perca nosso propósito, perca essa organicidade que é necessária para ser honesto e legal”, diz Luciano que, além das palestras, complementa a sua renda escrevendo roteiros e dando cursos.
Um dos projetos já certos da Shoot The Shit para 2015 é um curso para ajudar publicitários a pensarem em projetos colaborativos e de impacto social. Por enquanto, apenas em Porto Alegre. Eles pretendem também dedicar mais tempo às ações de rua, que diminuíram mas não sumiram por completo este ano.
Uma delas, Cinema na Anita, reuniu cerca de 300 pessoas na rua Anita Garibaldi, na capital gaúcha, para uma sessão gratuita que era também uma manifestação sobre obras públicas e mobilidade urbana. O evento foi além, se transformando em uma confraternização. Torcemos para que essa ação se replique tanto quanto os adesivos nas paradas de ônibus (ou ponto, se você é de São Paulo).
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