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Conheça a Vila do Largo, um reduto de economia colaborativa que nasceu do sonho de um arquiteto

Maria Clara Machado - 23 jun 2016
Na Vila do Largo o acesso é livre e as casas se organizam para promover eventos como vernissages, exposições e shows.
Maria Clara Machado - 23 jun 2016
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A Vila do Largo fica no Largo do Machado (entre os bairros de Laranjeiras, Catete e Flamengo, no Rio de Janeiro) e hoje é um charmoso polo de economia colaborativa, artes e cultura da cidade. Ao todo, 36 casinhas abrigam residências, ateliês, empresas, espaços de coworking, cursos e um café. Há, ainda, um pátio interno com mesas e cadeiras coloridas, acessíveis a quem quiser fazer uma reunião de trabalho ou apenas bater um papo. De vez em quando, as casas se organizam e promovem vernissages, exposições e shows, sempre abertos à comunidade.

Carlos Rangel, o arquiteto visionário que revitalizou o espaço da Vila do Largo.

Carlos Rangel, o arquiteto visionário que revitalizou o espaço da Vila do Largo.

Se hoje o lugar é um endereço conhecido dos criativos e empreendedores da cidade, o mérito é do arquiteto Carlos Rangel, 64, que lá atrás, em 2002, arrematou uma vila totalmente deteriorada e, aos poucos, revitalizou o espaço e lhe deu nova vida.

À medida que a reforma das unidades era concluída, ele ia vendendo as casas (ainda há três disponíveis). O conjunto degradado foi comprado por 750 mil reais há 14 anos e, após o restauro, um único imóvel na Vila está avaliado em cerca de 900 mil reais. Ao longo dos anos em que as Casas de Ofício Vila do Largo (esse é o nome oficial do conjunto) foram tomando forma, Rangel (é assim que todos conhecem Carlos) tocou em paralelo projetos arquitetônicos, como reformas e construções de imóveis, – como, aliás, faz até hoje.

Quando adquiriu a Vila, Rangel sabia que teria uma longa jornada para reestruturá-la. Ele chegou a procurar linhas de crédito para financiar as obras, mas não obteve sucesso. Após algumas tentativas, acabou desistindo de conseguir dinheiro dessa forma, pois sabia que o projeto era arriscado demais aos olhos dos investidores tradicionais.

ELE TINHA UM SONHO — E NÃO TINHA PRESSA

Sem alarde, ele iniciou a reforma da primeira unidade com recursos próprios, até que apareceu o primeiro comprador. O valor da venda foi usado para cobrir os gastos com aquela unidade e iniciar a reforma da próxima, e assim sucessivamente:

“O próprio negócio gera o recurso para sua execução. Isso é o empreendedorismo”

No modelo de Rangel, só há obra se houver comprador. Por isso, elas avançam num ritmo bem mais lento que o usual: começaram em 2008 e até hoje não estão concluídas. Faltam as lojas frontais e duas casas que estão quase prontas, mas precisam do investimento do comprador para que sejam finalizadas.

Hoje, ele tem estas duas casas incompletas, outras três prontas (que estão à venda), além das lojas na parte externa do terreno. Enquanto não aparece um comprador, aluga as unidades reformadas no sistema de coworking. Cada uma comporta até 15 estações de trabalho, e uma vaga custa cerca de 750 reais por mês.

A fachada exterior da Vila tem duas grandes lojas, de quatro pavimentos cada e interligadas entre si. Ele quer fazer delas uma escola de empreendedorismo com três salas de reunião, duas salas de aula, 104 estações de trabalho e auditório para 94 pessoas. As obras estão adiantadas e o primeiro curso deverá acontecer já no segundo semestre deste ano.

Apesar de já ter vendido boa parte das casas e do rendimento com o aluguel de estações de trabalho, Rangel afirma que o lucro de seu empreendimento está nas unidades que ainda não vendeu pois, até, hoje, toda a receita obtida foi reinvestida no negócio. Ele fala a respeito:

“O retorno do investimento só vem no final. No empreendedorismo, você não pode pensar em lucro, tem que reinvestir para que aquilo cresça”

Em valores atuais de mercado, ele acredita que seu patrimônio na Vila valha 13 milhões de reais. E ele também não terá resistência de passar a escola adiante caso surja a oportunidade: “Uma vez funcionando e com rentabilidade, vai ter quem se interesse pelo negócio. Eu pego o que sobrar e faço outra coisa, outro projeto”.

COMO A PERSISTÊNCIA E A PACIÊNCIA LEVARAM AO SUCESSO

A essência das Casas de Ofício da Vila do Largo é oferecer espaços que sirvam ao mesmo tempo como moradia e lugar de trabalho. Esta era uma necessidade do próprio Rangel que sofria para encontrar o local ideal para trabalhar: se alugava uma sala em prédio comercial, tinha dificuldades para usá-la aos finais de semana; se trabalhava de casa, a vizinhança se incomodava com o vai e vem de pessoas no apartamento.

“Quem é profissional liberal nunca teve hora para trabalhar, nunca teve hora para criar”, diz. Sua ânsia por mobilidade era tanta que, antes mesmo de existir telefone celular, ele inventou uma engenhosa extensão telefônica colocando a antena do seu aparelho sem fio para fora da janela do apartamento à época, em Copacabana, para conseguir trabalhar da praia. Funcionava.

Até que, em 1998, surgiu a oportunidade que resolveria esta questão e se tornaria o seu projeto de vida. Rangel foi convidado por incorporadoras para solucionar um problema. Elas eram donas de 28 das 36 casas de uma antiga vila que seria demolida e daria lugar a um moderno edifício comercial. O impasse eram as oito casas não vendidas, que inviabilizavam a demolição. “Como elas não podiam construir o prédio, foram degradando a vila para que o pessoal remanescente desistisse dos imóveis”, conta ele. “O local virou foco de doenças e e a prefeitura começou a cobrar uma solução dos proprietários. Foi aí que as incorporadoras me chamaram, para propor ideias.”

Rua principal da vila antes da revitalização.

Foto antiga da rua principal da vila, perto do Largo do Machado, no Rio de Janeiro.

Ele, então, sugeriu retomar o espírito de colaboração e coletividade que o espaço abrigou em seu passado, com casas que se destinassem tanto à moradia quanto ao trabalho. “Minha ideia não era revitalizar a arquitetura, até porque ela não existia, eram casebres. O que propus foi a preservação da filosofia do viver em vila, a parte imaterial daquele espaço”, conta. Mas as incorporadoras não levaram o projeto muito a sério.

Nada foi feito e, em 2002, elas finalmente decidiram se desfazer das propriedades. Rangel, então, arrematou todas as casas à venda no leilão, e iniciou por conta própria o projeto que propusera quatro anos antes. As licenças na prefeitura demoraram seis anos, e as obras de revitalização só começaram em 2008, e o resto é a história.

Se antes as incorporadoras não deram atenção às ideias de Rangel, hoje querem participar dos lucros e tentam inabilitar judicialmente a venda ocorrida há 14 anos. “E eles querem de volta pelo preço que era na época, você acredita?”, diz ele, num misto de incredulidade e sarcasmo.

A valorização do empreendimento é mesmo impressionante. Rangel diz que quem aluga as casas para empreendedores no sistema de coworking chega a faturar 10 mil reais por mês, e que há quem tenha comprado a casa para morar mas, diante da valorização, prefere alugar o espaço como coworking e usar o rendimento para pagar um outro aluguel residencial.

O QUE A VIDA DE PROFISSIONAL LIBERAL ENSINA SOBRE O MERCADO

O último emprego formal de Rangel foi aos 22 anos. Recém-formado, se lançou na vida de trabalhador autônomo e empreendedor de múltiplos negócios: foi dono de jazida, de fábrica de armários, de pré-moldados de concretos, de serralheria. Ele também trabalhou na construção de prédios, de loteamentos, como professor de desenho, na elaboração de plano diretor (para o município fluminense de Volta Redonda) e com estruturas metálicas na Companhia Siderúrgica Nacional. Com bagagem tão diversa, ele diz ter aprendido algumas coisas:

“Todo negócio se apoia no mesmo tripé: capital, trabalho e mercado. A cada hora você tem um problema diferente”

Seguindo essa lógica, ele fala da Vila do Largo: “Aqui, tenho as casas para vender, gente para trabalhar nas obras, mas não tenho gente pra comprar. Por causa desse impasse, decidi arriscar o esquema de coworking, que vai muito bem, obrigado”.

Ao todo, a Vila do Largo tem 36 casas que, juntas, promovem eventos no local.

A Vila do Largo tem 36 casas que promovem eventos em conjunto e agitam o local.

Entre seus ensinamentos, também está o de que é preciso saber a hora de abrir mão dos planos, sem maiores dramas. Ele dá outro exemplo disso, ocorrido em sua vila. Por misturar história, cultura e urbanismo, as Casas de Ofício da Vila do Largo obtiveram, em janeiro deste ano, permissão para captar 5 milhões de reais via Lei Rouanet. A iniciativa beneficiada seria uma escola de música e dança, com aulas presenciais e transmitidas pela internet, além de alimentação aos alunos e uma formação completa em cultura.

Com a autorização da Rouanet em mãos, Carlos conta que procurou as cem maiores empresas do país. Nenhuma topou participar. “Há negociações pouco éticas para este tipo de investimento. De qualquer forma, faltou o capital no tripé do negócio”, diz ele.

Apesar da frustração, Rangel logo deu outro destino ao espaço, ainda na temática de educação, com a escola de empreendedorismo. As salas serão alugadas a quem quiser ministrar cursos – os primeiros serão em parceria com um primo de Rangel, que trabalha como coach de carreiras. As salas de reunião e o auditório poderão atender tanto a pessoas de fora quanto a empreendedores da própria Vila, que não têm tanto espaço para reuniões e eventos em suas casas de ofício. Rangel está confiante, mas espera a reação do público:

“O mercado é quem dirá se minha ideia é boa ou não. Se não der certo, desisto dela sem problemas e volto a procurar a vocação correta para o local”

E assim segue a vida deste arquiteto empreendedor. Ao que tudo indica, esse seu jeito o permite perceber corretamente as tendências. Afinal, em 1998 a ideia de home-office era pouco conhecida no Brasil. Coworking, então, nem existia. Parece inovador que ele tenha pensado nesses conceitos, home-office, coworking e economia colaborativa, há quase 20 anos. Mas ele não se enxerga assim.

“Não inventei nada. Não inventei que o sujeito trabalhe e more no mesmo lugar, isso já existia no Rio Antigo, com os sobrados em que o cara tinha a loja embaixo e morava em cima. Não inventei a internet, que possibilitou o trabalho de casa. Também não fui eu que disse que o transporte urbano seria esse caos”, diz ele, e prossegue: “A única coisa que o arquiteto faz é observar a tendência social. O espaço para o sujeito trabalhar e morar já era necessidade minha e seria de mais gente”.

A seguir, reflete mais um pouquinho, agora sobre o ritmo de seus projetos: “Toda ideia nova demora para vingar. Estou neste projeto há 19 anos e só consegui vender a primeira casa quando ela estava quase pronta”.

Apesar de ser o idealizador de um empreendimento que hoje ocupa um lugar de destaque na cena criativa e empreendedora do Rio, Rangel ainda acha que a sua melhor ideia será a próxima: “Quero que as Casas de Ofício funcionem, que deem certo, que se concretizem. E que eu vá fazer outro empreendimento, porque este já está feito. Eu já cheguei ao final dele. Meu negócio é criar”.

DRAFT CARD

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  • Projeto: Casas de Ofício da Vila do Largo
  • O que faz: Revitalização de uma vila, transformada em polo de cultura e empreendedorismo
  • Sócio(s): Carlos Rangel
  • Funcionários: 1 (apenas Rangel)
  • Sede: Rio de Janeiro
  • Início das atividades: 2008
  • Investimento inicial: R$ 750.000
  • Faturamento: Não fatura
  • Contato: [email protected]
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