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Conheça o site espanhol que vende caligrafias de moradores de rua e usa o lucro para ajudá-los

Mariana Pasini - 10 ago 2015 O argentino Guillermo Pizarra ao lado dos dizeres "A letra é comunicação, a escritura é dom. Te amo, meu amor" (foto: Fundação Arrels/Divulgação)
O argentino Guillermo Pizarra ao lado dos dizeres "A letra é comunicação, a escritura é dom. Te amo, meu amor" (foto: Fundação Arrels/Divulgação)
Mariana Pasini - 10 ago 2015
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É quase um padrão. Muitas organizações e campanhas focadas em assistência social acabam, invariavelmente, pedindo algo do público: seja filiações, doações, ou colaborações em geral. Mas o Homeless Fonts é inovador porque nasceu com uma uma perspectiva oposta — a de oferecer em vez de solicitar algo. Trata-se de uma plataforma digital que vende caligrafias originais e únicas de dez pessoas diferentes, com um pequeno detalhe: todos foram moradores de rua e hoje recebem assistência da fundação que é responsável pela iniciativa.

Quem conta é Olga Garcia, uma das funcionárias da Fundação Arrels, idealizadora do projeto, sediada em Barcelona, na Espanha. “Faz um tempo que vínhamos pensando que, em paralelo ao pedir, temos que oferecer, e que seja algo que a outra pessoa goste e que possamos trocar. Nesse sentido, o que é mais autêntico, bonito e pessoal que a letra das pessoas?”

O projeto começou na primavera de 2014, quando os dez participantes escreveram o abecedário e, com a ajuda de um time de tipógrafos voluntários de todo o mundo, de Hong Kong a Londres, cada letra foi convertida em uma tipografia usável e então colocada à venda no site do projeto. A ideia foi criada junto com a agência de publicidade The Cyrannos-McCann e também está neste vídeo.

Olga García, da comunicação da Fundação Arrels.

Olga García, uma das idealizadoras do projeto, trabalha na Fundação Arrels.

É possível comprar cada fonte independentemente, para uso pessoal ou corporativo. No primeiro caso, o custo é de 19 euros, no segundo, 290. Após o pagamento, o comprador recebe um e-mail para baixar um arquivo com a tipografia, com a possibilidade de usá-la em mais de um computador no caso de compra corporativa. O que o usuário adquire, na verdade, é a licença para usar a letra.

Desde sua criação, o site atingiu a marca de 473 vendas, 25 delas comerciais. O Brasil é um exemplo de sucesso de vendas que Olga lembra com carinho, ainda que nenhuma dessas vendas tenha sido para uso corporativo. Em todos os países, a maioria das vendas resultou em uso pessoal, mas algumas delas foram para marcas como as espanholas coom a Camper, de sapatos e acessórios, e a Valonga, de alimentos e bebidas gourmet.

Não existe um perfil único de empresa que adquire as tipografias do projeto, e houve até alguns casos em que a Arrels negociou com pequenas empresas que não dispunham de muitos recursos a compra corporativa da fonte por um preço menor ou, até, gratuitamente. A grande estrela do projeto é Loraine, uma inglesa que em 2009 chegou a Barcelona e, após perder o passaporte e uma série de problemas com a embaixada de seu país, acabou tendo que morar na rua. Sua letra já foi comprada mais de 400 vezes, tanto para uso pessoal quanto corporativo, como no caso da Valonga.

Há ainda um acordo com a empresa Monotype, gigante da criação e distribuição de fontes, para venda das tipografias do Homeless Fonts em diferentes plataformas. A empresa também vende as fontes do projeto da Arrels sem sem cobrar nada.

Lorraine, dona da letra que é o maior sucesso de vendas do projeto, segura uma garrafa de azeite da marca gourmet Valonga que leva sua caligrafia (foto: Fundação Arrels).

Loraine, dona da letra que é o maior sucesso de vendas do projeto, segura uma garrafa de azeite da marca gourmet Valonga que leva sua caligrafia (foto: Fundação Arrels).

No site é possível ler a trajetória pessoal de cada um dos criadores das caligrafias. “Além da letra em si, há uma pessoa e uma história por trás. E a partir dessa letra, vejo que há uma realidade que para mim era totalmente desconhecida”, conta Olga. Entre o que tem dado certo no projeto, ela destaca que todas as topografias têm condições de usabilidade e de serem baixadas. Além disso, entre os designers e agências de comunicação, o Homeless Fonts encontra uma divulgação considerável. Mas ainda é possível fazer algumas mudanças na página web do projeto.

O VALOR DAS TIPOGRAFIAS E BIOGRAFIAS

“Queremos expor as coisas que foram feitas com as letras, mostrar o que se pode fazer com as tipografias. Os tipógrafos e publicitários sabem o que fazer com as fontes, mas as outras pessoas, se nao veem, não se dão conta. Adoraríamos que pudessem usar as letras em seus casamentos, eventos familiares, blogs, em suas camisetas, como algo cotidiano, para celebrar sua vida cotidiana”, diz Olga, e destaca o que acredita ser uma necessidade de todo empreendimento social, a de se colocar “no seu lugar”:

“Nós, as organizacões sociais, temos que começar a entender que as pessoas que atendemos, sejam sem teto, crianças, mulheres, são pessoas que podem contribuir. Elas são os protagonistas. Nós somos intermediários. Apenas colocamos em contato uma causa e o cidadão”

Para ela, o Homeless Fonts é o exemplo dessa postura de atuar como intermediário, sem requerer o protagonismo. Além de boa vontade e paixão, que considera essenciais, é preciso também transparência e eficiência. “As pessoas têm que saber aonde vai o dinheiro, que são pessoas reais, que existem, mas a organização não é a protagonista. A protagonista é a causa. A organizaçao é o intermediário. Precisamos de dinheiro, claro. Mas também é importante saber como se consegue esse dinheiro”, diz.

O LUCRO MUITO ALÉM DOS NÚMEROS

Em um ano, o Homeless Fonts arrecadou 16 mil euros, e todo o lucro gerado vai para caixa da Arrels. “Saiu deles [os ex-moradores de rua] próprios a iniciativa de dizer ‘O dinheiro que entre através do Homeless Fonts que reverta para todos’. A ideia é mesmo que o trabalho de alguns poucos repercuta para todos na fundação”, afirma Olga.

Francisco segura um papelão com os dizeres "Algumas vezes, todos precisamos de um pouco de ajuda" (foto: Fundação Arrels).

Francisco segura um papelão com os dizeres “Algumas vezes, todos precisamos de um pouco de ajuda” (foto: Fundação Arrels).

Mas o que essa cifra significa em termos práticos? Olga explica em termos bastante “espanhois”. “A ideia do Homeless Fonts não é o dinheiro arrecadado, que não é muito nem pouco, mas o bonito é que foi uma gota de azeite. Sabe aquilo que cai e faz pum!”, diz, separando os braços. “Algo que se  expande? A ideia não é ter o controle, é expandir. É uma tipografia mas é mais que isso, nós não somos donos. Que faça um voo solo!”

O primeiro objetivo do projeto não era financeiro. Consistia em querer fazer algo bonito, criativo, autêntico e que fosse uma oferta. A autoestima que o projeto gera nos antigos moradores de rua é um dos grandes retornos do projeto — e é algo que não pode ser medido com números ou tabelas de Excel. Segundo Olga, é um grande impacto que as pessoas sintam que uma coisa tão banal, e ao mesmo tempo tão pessoal, quanto a própria caligrafia é admirada:

“É uma satisfação para eles ver a própria letra nos produtos. Ter um projeto, algo bonito a se fazer, que outras pessoas também gostem, isso é uma maravilha. Esse sentimento de poder contribuir com algo”

Se essa primeira fase vai bem, o lucro aparece. Mas Olga não esconde ter se emocionado mais com o retorno dos antigos moradores de rua do que com o resultado final visível nas tipografias. “Você pensa em alguém que viveu na rua sem nada, e agora tem um teto, um mínimo. E tendo só esse mínimo, é capaz de pensar no outro. Esse foi o aprendizado. O que é o mais potente do Homeless Fonts? A tipografia? Não. Que seja uma história internacional? Não. Que aviva as pessoas que, sem terem nada, se interessam em ajudar a outras pessoas.”

No próximo outono a campanha será relançada em diversos países, com foco especial em Londres, Nova York, São Francisco e Berlim. O Brasil, garante Olga, estará num lugar especial desse foco. “Além disso, em vez de apenas atendermos a demanda, vamos tentar ir diretamente atrás de empresas, por exemplo do setor editorial, de educação, tecnologia e multinacionais”, diz. Também está no horizonte da organização a criação de um aplicativo que permita aos usuários de smart phones escrever diretamente com as tipografias especiais em seus telefones.

Testes de tipografias de algumas das pessoas atendidas pela Arrels antes de serem catalogadas e transformadas em fontes utilizáveis para o projeto. (foto: Fundação Arrels)

Testes de tipografias de algumas das pessoas atendidas pela Arrels antes de serem catalogadas e transformadas em fontes utilizáveis para o projeto. (foto: Fundação Arrels)

 

A FUNDAÇÃO

Novecentas pessoas dormirão essa noite pelas ruas de Barcelona. São, em sua maioria, homens mais velhos, e boa parte dele tem distúrbios mentais e/ou abuso de substâncias. O número aumentou com a crise, e essas pessoas são cada vez mais jovens.

Foi pensando nessas pessoas que nasceu a Fundação Arrels (“raízes” em catalão), em 1987. Ela dá abrigo a uma média de mil pessoas a cada ano em seus alojamentos, e a previsão é de que o número cresça. O orçamento total anual da organização é de quase 3 milhões de euros.

Olga conta que a mais recente crise espanhola acabou fazendo com que mais pessoas compreendessem que a possibilidade de acabar na rua pode não estar muito longe. “A crise, nesse sentido, fez com que muita gente despertasse. Mas [na Fundação] sempre estamos em crise, porque atendemos também pessoas de crises anteriores.”

A Arrels conta com uma equipe de rua, geralmente dividida em duplas, que saem diariamente fazendo contato com pessoas sem teto, buscando aos poucos ganhar sua confiança. É um processo intricado, que às vezes envolve muitos pequenos contatos até que o morador de rua esteja confiante o suficiente para comparecer a alguma das sedes da fundação. Outras vezes, a ajuda se limita a alguns contatos esporádicos, sem que o morador de rua chegue jamais a se abrigar na fundação.

No total, 400 voluntários e 50 trabalhadores colaboram com a Arrels. Só a manutenção dos alojamentos demanda metade da arrecadação da fundação, que vem, além do projeto Homeless Fonts, de campanhas, atividades diversas e doações. Há ainda gastos com alimentação e atenção social e sanitária. Muitas pessoas que moraram na rua e recebem assistência da Fundação também ajudam. Conscientizar a população também é outro dos focos da Arrels, envolvendo rodas de conversa, campanhas e outras ações. “Vemos como normais coisas que não são, que não deveriam ser. Tem gente que mora na rua e isso não é normal. Para nós, isso não é normal nem bom”, diz Olga.

DRAFT CARD

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  • Projeto: Homeless Fonts
  • O que faz: Vende tipografias de pessoas que moraram na rua
  • Sócio(s): é uma divisão da Fundació Arrels
  • Funcionários: 1
  • Sede: Barcelona, Espanha
  • Início das atividades: 2014
  • Investimento inicial: 11 mil euros
  • Faturamento: Desde sua criação 16 mil euros
  • Contato: [email protected]
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