Por cinco anos, Adrian Tsallis se dedicou às competições de kitesurf. Chegou a ser vice-campeão brasileiro na modalidade “hang time”, aquela em que o vencedor passa o maior tempo voando metros acima do mar.
“Dar cambalhotas mexe com o meu coração”, diz. “Me encanta muito essa parte acrobática do esporte, virar de cabeça para baixo.”
Apaixonado por rodopiar no ar e ver o mundo sob ângulos inusitados, ele encarou outra montanha-russa: o empreendedorismo. Adrian, 42, é cofundador do Zipp, que se anuncia como o primeiro supermercado 100% online do país.
“Entendemos que o serviço de abastecimento doméstico online era muito ruim e caro, o oposto do e-commerce de forma geral. Acreditamos que isso representava uma oportunidade para construção de um negócio que tratasse de forma completa a dor do cliente ao abastecer sua casa”
A estrutura física do Zipp se resume a um galpão de estoque, de onde os produtos saem e são entregues diretamente nas casas dos clientes por uma equipe própria de 15 entregadores.
Lançada em 2017, a startup começou atendendo pedidos da Zona Sul do Rio de Janeiro, expandiu para a Barra da Tijuca (na Zona Oeste) e hoje atende a cidade inteira, além de Niterói e municípios da região serrana — e, aos sábados, Angra dos Reis, Búzios e Mangaratiba.
Na pandemia, mesmo com os perrengues, Adrian viu seu negócio crescer 400%. A ideia, agora, é chegar a São Paulo e outras capitais a partir de 2021.
NA ERA DIGITAL, PLAYERS TRADICIONAIS SE VIRAM COM “PUXADINHOS”
Você deve ter passado por essa amolação durante a Covid: depois de fazer suas compras online, receber um contato do supermercado (ou do aplicativo de entrega) para substituir alguns dos itens escolhidos.
Uma das razões, diz Adrian, é que as lojas físicas possuem um estoque flutuante que chega a variar 20%. São produtos que ainda estão nos carrinhos dos clientes ou foram trocados de lugar (ou eventualmente furtados).
“Os supermercados tradicionais vêm sofrendo loucamente com os processos de transformação digital. Seu foco não é o online — e para atuar dessa forma o que eles fazem é um ‘puxadinho’”
Na prática, o sistema indica que o supermercado tem a mercadoria — mas o funcionário simplesmente não consegue localizá-la.
Em um supermercado planejado para o ambiente digital esse risco não existe, diz Adrian. Desde o início, o objetivo foi criar o Zipp como um negócio com a cultura do e-commerce e foco na experiência.
“No e-commerce, é: pediu, levou. Ninguém te liga do site da Apple para perguntar se pode trocar o iPhone que você escolheu por um modelo diferente.”
O PRIMEIRO PITCH INFORMAL PARA UM SUPERMERCADO NÃO DEU EM NADA
Nascido em Brasília, Adrian chegou ao Rio na infância; o sotaque chiado confirma sua adaptação. Formado em Engenharia de Produção pela PUC-Rio, nunca trabalhou na área.
Ele define sua carreira como “errática”. Estagiou na Losango, empresa de empréstimos e crediário, depois trabalhou na indústria tabagista, atuando com tecnologia e soluções de abastecimento do varejo na Souza Cruz. Daí, se reinventou e por dez anos atuou como headhunter.
Foi nessa função, em 2013, numa visita a um cliente (diretor de marketing de um grande supermercado carioca, “com quase 40 lojas”), que Adrian se arriscou pela primeira vez a dividir uma ideia que vinha formigando na sua cabeça: o projeto de um supermercado online.
Sua intuição era seguinte: com a crescente digitalização, o ponto de venda logo perderia o valor — mesmo num setor em que as lojas físicas sempre foram vistas como um ativo da maior importância.
E o que aconteceu, depois que ele dividiu sua ideia? Nada.
“É muito dinheiro [no segmento]. Fica difícil convencer um cara desses dizendo: esquece tudo o que você sabe e comece do zero”
Adrian diz que o diretor da rede varejista até achou a ideia interessante… Mas o negócio não avançou. Para o empreendedor, substituir o modelo tradicional de supermercados — um segmento “de 350 bilhões reais e margem líquida de 3%” — demanda mesmo um excesso de “desprendimento”.
O INCÔMODO COM A QUALIDADE DO ATENDIMENTO INSPIROU A STARTUP
Anos depois, um encontro casual acabou sendo decisivo. Adrian esbarrou na rua com Felipe Verdial, um ex-colega de Souza Cruz. “Marcamos um almoço e compartilhei com ele a ideia do Zipp.”
Felipe tinha um background em logística, assim como Douglas Pinho, outro ex-colega de Adrian na companhia. Ambos se tornariam sócios do Zipp, levando essa bagagem para a operação.
O que nenhum dos três tinha no currículo eram passagens pelo setor de supermercados. Como consumidores, porém, carregavam a imagem de um atendimento muito ruim: entediantes filas de espera, funcionários no caixa falando mal da vida…
O Zipp, diz Adrian, nasceu desse desconforto.
“Esse é um [nicho de] mercado muito especial. Em teoria, se você conquista o cliente, ele vai dar preferência à sua marca a vida inteira, construindo uma relação muito próxima”
Realizando pesquisas, eles concluíram que 60% dos clientes “odiavam” ir ao supermercado, enquanto outros 20% eram indiferentes. Ou seja, 80% iam a uma loja física por falta de opção ou de hábito de fazer compras de supermercado online. Havia aí uma oportunidade.
PARA APRENDER RÁPIDO, ELES ASSUMIRAM AS COMPRAS DE 30 AMIGOS
Conveniência, economia e atendimento: eis o tripé essencial do setor, na visão de Adrian. Ao dar o start no negócio, os sócios priorizaram esse contato com o atendimento.
O primeiro passo foi convencer 30 amigos a lhes repassar suas listas de compras. Amigos próximos, que dificilmente diriam “não”.
O trio, então, se encarregou de ir ao supermercado por eles, assumindo a função de fazer as compras e entregá-las na casa de cada um — os amigos pagariam apenas pelos produtos, sem desembolsar nada pelo serviço.
Durante um ano, eles realizaram cerca de mil entregas na Zona Sul do Rio de Janeiro. Nessa fase experimental, tiravam aprendizados que iam sendo incorporados ao negócio.
UM ACERTO: TRABALHAR COM ENTREGADORES PRÓPRIOS, CONTRATADOS
Uma das sacadas foi a de que a equipe de entregadores deveria ser própria — nada de terceirizados.
Um entregador contratado, afirma Adrian, tem muito mais independência e chance de se engajar (de verdade) no atendimento.
A estratégia, portanto, ajudaria a humanizar o relacionamento com o cliente — e criaria um diferencial para a concorrência.
“Somente com esse modelo podemos dar autonomia aos entregadores. Aqui eles são empoderados para oferecer a melhor solução ao cliente. Se um ovo quebra, o entregador pode verificar sozinho se o cliente prefere trocar o produto, ficar com o crédito ou receber o dinheiro de volta”
Além disso, a equipe própria de entregadores deu flexibilidade para realizar entregas com hora marcada – e não no modelo tradicional, em que o cliente pode no máximo escolher receber as compras “de manhã” ou “à tarde”.
COMO AJUDAR A AMENIZAR O IMPACTO AMBIENTAL DO SETOR
Ter esse time de entregadores também facilitou parcerias, uma delas com a Coca-Cola, para trabalhar com embalagens retornáveis.
Desde 2019, o consumidor compra o refrigerante em um canal online, recebe em casa uma garrafa cheia e devolve a vazia.
“Para quem tem entregadores terceirizados, é complicado gerenciar esses cascos”, diz Adrian. “A operação de logística reversa se torna muito custosa.”
Iniciativas como essa foram ampliadas. O Zipp passou a trazer da casa dos clientes mais do que as garrafas — todo o plástico que o consumidor desejasse enviar para reciclagem.
“Ao longo do tempo, entendemos que o consumidor gosta da ideia da sustentabilidade, mas acima de tudo quer conveniência. Ou seja: deseja ser sustentável sem que isso gere trabalho adicional”
Dessa forma, afirma Adrian, o Zipp ajuda a amenizar o impacto da cadeia do setor: segundo o empreendedor, mais de 80% dos plásticos no lar têm origem nos supermercados.
Ao deixar as compras, o entregador leva uma bolsa para o cliente depositar as embalagens já limpas, que terão o centro de reciclagem como destino.
UMA PARCERIA VIABILIZA A COLHEITA, A PEDIDOS, DE HORTIFRÚTIS ORGÂNICOS
Outra parceria firmada no ano passado envolve produtores orgânicos de uma cooperativa agrícola de Tinguá, zona rural de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense.
Os hortifrútis que o cliente vê no site ainda estão na terra — e são colhidos para atender seu pedido. A ideia, segundo o empreendedor, era reduzir o desperdício e viabilizar uma oferta de ingredientes de qualidade por um preço atraente.
“A entrega dos pedidos feitos até 14 horas pode ser agendada para o dia seguinte, pois os alimentos serão colhidos após esse horário. Pedidos realizados após as 14 horas são agendados para dois dias depois, para que os produtores tenham tempo de fazer a colheita”
Os alimentos, explica Adrian, vão primeiro para o estoque do Zipp, onde são consolidados junto com o restante do pedido e só então enviados para a casa do cliente.
“Estamos sempre buscando novos fornecedores que estejam alinhados com nossa filosofia de atendimento ao consumidor.”
PARA EXPANDIR, ELES VENCERAM O DESAFIO DE CAPTAR RECURSOS
O Zipp tem hoje 70 funcionários, 4 mil itens no estoque (em São Cristóvão, Zona Norte do Rio) e tíquete médio de 340 reais, com uma compra nova por cliente a cada 20 dias.
“Hoje temos 10 mil clientes na base”, diz Adrian. “Seis mil deles estavam ativos no último mês, sendo 4 800 recorrentes e 1 200 novos.”
Em 2017 e 2018, o Zipp cresceu 8% ao mês sem gastar em marketing. Em 2019, com o apoio de uma agência digital, expandiu entre 8% e 15% ao mês. Rodadas de investimento também alavancaram o negócio.
No começo, captar recursos foi um desafio. Primeiro pelo fato de que o setor já era dominado por players tradicionais (ainda que estes estivessem só começando a se aventurar na internet).
Além disso, um e-grocery como o Zipp depende de estoque e entregadores para ganhar escala, o que pode desencorajar investidores de olho em negócios no modelo Uber ou Airbnb, que dispensam ativos físicos ou grandes equipes.
O primeiro investimento-anjo somou 300 mil reais e permitiu alugar depósito, comprar um carro de entregas e subir o site no ar.
Em 2018, um aporte da Zamboni, distribuidora atacadista, garantiu musculatura para o Zipp investir em entrega, câmara fria e tecnologia.
Agora, em agosto, a startup anunciou a captação de mais 3,5 milhões reais numa rodada com investidores como Rafael Duton (fundador da Movile) e Vinicius Panisset (CEO da Greenpeople).
A ideia é usar o dinheiro para iniciar uma expansão “agressiva” em 2021, começando por São Paulo.
NA PANDEMIA, A DEMANDA EXPLODIU E ELES TIVERAM QUE SE VIRAR
A pandemia também trouxe desafios, claro — mesmo para um empreendimento bem posicionado para crescer na crise.
“Tem aquele ditado que diz que enquanto uns choram outros vendem lenços”, diz Adrian. “Mas até para vender lenços foi dificílimo.”
A demanda explodiu. Do dia para a noite, as habituais 80 entregas diárias decolaram para 300. O prazo para a chegada das compras à casa dos clientes, que era de 24 horas pré-Covid, teve de ser esticado para oito dias.
Para dar conta, os sócios duplicaram o time de entregadores e a estrutura de estoque; por segurança, as sacolas retornáveis usadas na entrega foram substituídas por outras de papel.
Aos poucos, a startup foi normalizando o atendimento. Os esforços valeram a pena: nos três primeiros meses de Covid-19, diz Adrian, o Zipp cresceu 400%.
Superada aquela fase mais intensa, o empreendedor e ex-atleta de kitesurf consegue respirar e curtir a família. Pelo menos duas vezes por semana, sai de casa cedinho, às 7 da manhã, com a mulher e o filho de 10 anos para andar de skate.
De certa forma, ajudar os clientes a desfrutar melhor o seu dia é o que move o Zipp. “Queremos que as pessoas tenham mais tempo para curtir as coisas boas da vida ao invés de ficarem nas filas de supermercado.”
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