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Cortar custos ou salvar mais vidas? Dá para fazer os dois, garante uma startup que implementa inteligência artificial nos hospitais

Marília Marasciulo - 1 nov 2023
Os sócios da Munai: Hugo Morales (à esq.) e Cristian Rocha (foto: divulgação).
Marília Marasciulo - 1 nov 2023
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Uma década atrás, sem plano de saúde, o curitibano Cristian Rocha, hoje com 31 anos, experimentou a dificuldade de conseguir atendimento de emergência rápido e eficaz no serviço público.

“Sempre usei o SUS, a vida inteira”, diz. “Senti na pele o que é ter processos que não funcionam — e olha que o SUS é excelente.”

Dez anos depois, aquela espera “de mais de cinco horas” é rememorada por Cristian como justificativa do seu interesse em desenvolver tecnologias para aprimorar o atendimento médico.

Cientista de computação, Cristian hoje é um dos sócios da Munai. A startup usa inteligência artificial para mapear e reunir dados de prontuários e resultados de exames: 

“Nossa intenção era resolver dois problemas: melhorar a parte assistencial nos hospitais, reduzindo erros médicos e eventos adversos que contribuem para a mortalidade; e reduzir os custos assistenciais, pois mais da metade dos antibióticos são administrados sem necessidade”

Ao concentrar todos os índices dos pacientes num só sistema, a IA supostamente consegue prever, por exemplo, quais deles estão mais suscetíveis a serem transferidos para a UTI nas próximas 12 horas. 

Segundo Cristian, a Munai é capaz de antecipar uma possível deterioração clínica e, com isso, reduzir em até 25% os índices de mortalidade em um hospital (o dado vem de um estudo realizado na Santa Casa de Porto Alegre e apresentado neste congresso).

“Importante reforçar que não é a inteligência artificial sozinha que vai reduzir a mortalidade. Ela só mostra ações que os médicos podem tomar”, diz Cristian. “É basicamente um sistema de suporte para decisões.”

NO MESTRADO, ELE FEZ SUA DISSERTAÇÃO NUM HOSPITAL FRANCÊS REFERÊNCIA EM CIRURGIA COM ROBÔS

A história de Cristian poderia ter sido muito diferente. No começo da adolescência, seu futuro profissional apontava para outra direção.

“Quando tinha 14 anos, fiz ensino médio técnico em eletromecânica”, conta Cristian, que parecia não levar jeito para a coisa: “Ao mexer com a parte elétrica, eu sempre queimava todos os circuitos…” 

O contato com a computação acabou sendo a epifania que mudou sua trajetória.

“Quando descobri a programação, foi incrível, pensei que era aquilo que eu queria fazer da vida. Decidi com 15 [anos] que ia cursar ciência da computação”

Cristian entrou na Universidade Federal do Paraná (UFPR); durante a graduação, se dedicou à área de softwares livres. No intercâmbio na Universidade de Monash, na Austrália, entre os anos de 2013 e 2015, ele se aprofundou no tema da inteligência artificial.

Mais tarde, cursou o mestrado na Europa, passando alguns períodos na Universidade de Lyon, na França, e na NTNU, na Noruega, antes de realizar a sua dissertação no hospital de Estrasburgo (também na França), referência em cirurgias feitas com robôs.

“A tecnologia que estudei e ajudei a desenvolver no mestrado ajuda a automatizar esse processo.”

DE VOLTA AO BRASIL, CRISTIAN SE CONECTOU COM O SÓCIO, UM MÉDICO INFECTOLOGISTA

Em 2017, numa viagem de férias ao Brasil, ele esteve num evento da Sociedade de Infectologia do Paraná, onde conheceu Hugo Morales, médico infectologista — e seu futuro sócio. Cristian afirma:

“Não tinha tudo planejado [fazer networking para empreender na área], não era uma estratégia, mas estava avaliando oportunidades e possibilidades nesse sentido”

Depois do mestrado, ao voltar em definitivo ao país, no fim de 2018, o cientista da computação chegou “decidido” a criar algum algoritmo de inteligência artificial voltado à otimização dos fluxos em unidades de saúde. Hugo embarcou na ideia. “Conectamos a tecnologia com a medicina”, diz Cristian.

Na verdade, a história é mais complicada do que isso. Até o ano passado, a Munai operava sob a marca Robô Laura, startup (que foi pauta aqui no Draft) criada por outro empreendedor e hoje ex-sócio de Cristian e Hugo.

Cristian evita divulgar detalhes, mas diz que em 2022 ele e Hugo resolveram trilhar outro caminho e reposicionar sua empresa apostando na inteligência artificial generativa, olhando para a piora clínica dos pacientes e os custos dos hospitais.

UM DESAFIO: QUEBRAR A RESISTÊNCIA (E O MEDO) DA CLASSE MÉDICA À ADOÇÃO DA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL

O algoritmo da Munai, afirma Cristian, é treinado para aprender com o passado. 

Isto é, com quais sintomas — renais ou cardíacos, por exemplo — pacientes anteriores tiveram uma rápida deterioração clínica e acabaram não resistindo. 

“Olhamos para a saúde como uma função do tempo: tudo o que fazemos hoje tem impacto amanhã”

No caso dos pacientes internados, é importante acompanhar o histórico para entender o que pode acontecer a seguir, e assim evitar desfechos como uma sepse ou a morte do paciente. 

Hoje, segundo a startup, mais de 2,5 mil profissionais de saúde — incluindo médicos e enfermeiros — utilizam suas plataformas, com impacto em 500 mil pacientes e uma base de dados que já ultrapassa 15 milhões de registros.

Quebrar a resistência de uma das classes profissionais mais corporativistas do Brasil foi um desafio, diz Cristian.

O medo dos médicos, segundo o empreendedor, era o de serem substituídos pela inteligência artificial — e, eventualmente, perderem seus empregos. 

“No começo foi muito difícil, mas, com o passar do tempo, conseguimos conscientizar as equipes médicas e assistenciais de que a plataforma não vinha para substituí-los, mas para empoderá-los, facilitando o trabalho” 

A Munai atualmente conta 40 clientes, entre hospitais e operadoras de saúde. A lista inclui o A.C. Camargo em São Paulo, Hospital Mãe de Deus, em Porto Alegre, Unimed Florianópolis, Grupo Fleury…

PARA SOBREVIVER, A STARTUP PRECISOU CORTAR CUSTOS – E EVOLUIU COMO UMA SOLUÇÃO DE REDUÇÃO DE GASTOS DOS HOSPITAIS

A captação de 10 milhões de reais com dois fundos de investimento, em 2021, ajudou a catapultar a startup. Para mapear as condições clínicas dos pacientes e antecipar possíveis indícios de piora, a Munai criou uma plataforma de gestão de dados.

Em 2022, a empresa vinha crescendo e havia planejado uma segunda captação. Mas um novo obstáculo se impôs: para crescer, a Munai estava queimando caixa e ainda enfrentava o inverno das startups, com os fundos de venture capital fechando a torneira. 

“É um daqueles momentos em que a gente se pergunta se vai mesmo dar certo”, diz Cristian. 

A projeção de crescimento dependia de capital. O jeito foi adequar a estratégia — cortar custos para seguir em frente. A queima de caixa foi reduzida a 100 mil reais por mês, e a equipe foi de 70 para 40 pessoas.

“Foi doloroso todo esse ajuste, mas também foi o que nos possibilitou uma virada. O ano de 2022 foi de sobrevivência: ao mesmo tempo em que começamos a ter dificuldades com o mercado, as operadoras de saúde começaram a ter um ano difícil”

A Munai passou a focar não só em prestar serviços aos médicos e pacientes, mas também a gerar economia para os hospitais. Cristian cita o case do hospital Márcio Cunha, em Ipatinga (MG). Segundo ele, desde a implementação dos sistemas da plataforma Munai houve uma redução de 5 milhões de reais nos gastos, graças ao menor tempo de internação.

Outro exemplo é o da Unimed Florianópolis, que teria reduzido em 4 milhões seus custos com visitas ao pronto atendimento. 

A MUNAI AGORA QUER DESENVOLVER UM CHATBOT PARA AUXILIAR OS PROFISSIONAIS DE SAÚDE NO USO RACIONAL DOS ANTIBIÓTICOS

A Munai, diz Cristian, conseguiu equilibrar o jogo. Agora, espera atingir o break even e, em 2024, chegar à rodada de investimentos Série A, que ocorre quando uma empresa já tem um modelo de negócios consolidado, com receita relevante e um significativo número de clientes.

Recentemente, a healthtech chamou a atenção da Fundação Bill & Melinda Gates, que fomenta empresas com impacto social e científico, e foi selecionada para receber um investimento de 85 mil dólares.

“Se comparar com venture capital, é um valor baixo. Mas não é investimento em equity, não é um fundo aportando para ter participação na empresa… É um grant de pesquisa e validação de produto.” 

Com esse financiamento, a startup pretende utilizar modelos de linguagem, como o ChatGPT, para desenvolver uma assistente virtual com a missão de auxiliar no uso racional de antibióticos. 

“O objetivo é aumentar a adesão dos médicos aos protocolos hospitalares. Cada hospital tem o seu protocolo, e alguns médicos mais experientes já chegam com suas ‘manias’, adquiridas de outros hospitais… Eles não vão ler um protocolo em PDF, vão fazer o que acham certo – e, às vezes, podem errar”

A ideia é que o médico possa consultar o chatbot, em uma linguagem natural, qual o protocolo correto de antibióticos para cada situação. 

“A redução do uso indevido de antibióticos é uma das preocupações principais da ONU até 2030, pois pode gerar custos de até 1 trilhão de dólares até 2050, apenas na América Latina. Queremos atacar esse problema, pois ele traduz a nossa visão de tecnologia – e o nosso objetivo principal.”

DRAFT CARD

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  • Projeto: Munai
  • O que faz: Plataforma de inteligência artificial de dados de saúde
  • Sócio(s): Cristian Rocha e Hugo Morales
  • Funcionários: 30
  • Sede: Curitiba
  • Início das atividades: 2019
  • Investimento inicial: R$ 2 milhões
  • Contato: [email protected]
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