por Andréa Fortes
Este ano faz exatamente dez anos que cheguei em São Paulo. Digo cheguei, chegando mesmo, “de mala e cuia”, como falamos no RS. Porque antes de vir pra valer, com endereço e tal, eu já vinha bastante para estes lados. Mas não me passava pela cabeça a ideia de fixar residência por aqui.
Também em 2007 eu terminei meu mestrado, com uma viagem, em outubro, com toda a turma, para a Europa. Me tornei “mestre” em Porto Alegre, pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), desta vez na Administração (minha formação inicial também foi lá, em Comunicação Social). O mestrado tinha ênfase em gestão. Me dei conta, anos depois, que foi uma gestão num sentido bem amplo, parafraseando Nilton Bonder, rabino que tanto gosto (autor, entre outros, do livro que virou peça, A Alma Imoral).
O mestrado, a turma, as andanças, os amigos, as experiências e as conexões que fiz logo em seguida me mostraram uma “gestão” como “um grande gesto” que é a vida
Fomos, juntos, para Paris e Barcelona, em escolas de business que eu não imaginava conhecer. Fizemos visitas técnicas, tomamos vinho, passeamos, conversamos e nos conhecemos muito como colegas e seres humanos. Foi um resgate biográfico para todos nós.
Foi também neste emblemático ano que eu e o meu sócio, Paulo Bittencourt, fomos convidados por José Carlos Teixeira Moreira para fazermos o IMM na Escola de Marketing Industrial. O Industrial Marketing Management (rebatizado de Innovation Marketing Management tempos depois) era (segue sendo) um programa para altos executivos nesta Escola tão inusitada na Granja Viana, nos arredores de São Paulo. Uma escola que, há mais de vinte anos, fala sobre empresas válidas, aquelas que a sociedade aplaude porque existem. O José Carlos sempre foi uma pessoa especial e fundamental nas nossas vidas. Uma espécie de padrinho que nos provocou para virmos para São Paulo assim que nos conheceu.
Hoje, dou aula na EMI. Começou com aulas de Comunicação. Virou aula de Costuras de Relações. Neste curso, em 2007, o IMM, chegamos meio de paraquedas e convivemos com grandes colegas. Grandes em suas trajetórias como executivos e protagonistas em suas empresas. Maiores ainda quando os conhecemos de perto. Alguns deles, professores na época ou colegas, tornaram-se amigos e, hoje, dez anos depois, seguem costurando inquietações da vida com a gente.
Para completar este ano emblemático de 2007, foi também neste período que o Paulo “esbarrou” no Adriano Silva, na Vila Olímpia, aqui em São Paulo. O Adriano tinha sido veterano do Paulo na faculdade (também na UFRGS, também na Comunicação, uns anos antes de eu entrar). Eu sabia, pelo Paulo, que o Adriano era um grande cara, que “tinha feito América” por aí, em andanças pelo Japão, Rio e São Paulo, e que escrevia muito bem.
Eu gostava de acompanhar os textos dele porque me considero, desde os 12 anos, aprendiz de escritora. O que ele escreveu chamado Ode à mulher de 30 me tocou demais quando o li e eu tinha uma curiosidade de ligar o nome à pessoa. Foi o que aconteceu. O Adriano retornava a São Paulo e iniciava uma nova jornada, como empreendedor. No mesmo período em que nascia um novo projeto para o Adriano, nascia a Sarau na nossa vida. E nossas empresas ficavam na mesma rua, a Gomes de Carvalho. Conversamos, nos inquietamos e nos aproximamos. Em setembro, “inauguramos” oficialmente a Sarau, com coquetel e tudo, e, no ano seguinte, como já contamos em outro texto aqui no Draft, vivemos na pele a crise, recém-chegados na maior cidade do país. Sobrevivemos.
Foi a mesma crise de 2008 que me deu a oportunidade, nos meses seguintes, de circular por São Paulo e conhecer gente. Com cafés e a necessidade de fazer conexões, fui descobrindo pessoas, possibilidades, teorias e um espaço bem autoral. Descobri a cidade também através das pessoas. Foi também neste ano que eu conheci o Marco, um moço da fronteira do RS que, morando aqui há algum tempo, me apresentou a capital. Três anos depois, em 2011, casamos.
Nesta mesma época, fui pra Índia e para o Butão. Peguei carona na viagem de uma amiga (minha coach, na época) e acabei mergulhando na minha história neste curto período sabático, quase inesperado. Conheci os conceitos de FIB (Felicidade Interna Bruta), jantei com o Primeiro Ministro do Butão, na casa dele, subi montanhas, conversei com monges e experimentei estar comigo mesma de uma forma bem profunda. Para uma pessoa de formação católica, eu vinha descobrindo, há tempos, novas possibilidades de conexão com a alma. Comecei a espiar o Budismo e a me perguntar mais sobre todas as inquietações que carrego em mim desde pequena (eu era aquela aluna questionadora).
Em outubro do mesmo 2011, fiz uma formação chamada “Art of Hosting”. Estava casada há poucos meses e, naquele momento, grávida. Foi o Paulo, sócio, que me provocou. Disse que não tinha entendido exatamente do que se tratava mas que desconfiava que o tal curso tinha a ver comigo. Eu morava em São Paulo e o “encontro” seria em Porto Alegre. Uma volta às raízes. Fui. E lá abriram-se mais possibilidades.
De novo, pelo grupo, forte, marcante, pessoas com quem até hoje tenho conexões profundas e transformadoras. Mas também pelo jeito da condução, pelo entendimento de que esta tal “arte de anfitriar”, de mediar grupos e conversas era algo muito ancestral em mim. Eu estava em casa. Foi ali que tive contato, pela primeira vez, com alguns conceitos. Como o do mundo em rede, os do tal Schumacher College, no sul da Inglaterra. Foi lá que eu participei de reuniões e conversas circulares. E entendi que este era um bom jeito de conduzir grupos, como fazíamos, na minha infância, as rodas de conversa na fazenda.
Logo depois do curso, eu perdi o bebê. Tinha recém completado três meses de gestação. Aprendi a viver a perda e o recomeço
Meses depois, engravidei de novo e, com a Carolina na barriga, me abri para outras pessoas e universos. Foi grávida que, em 2012, conheci o Marcelo Cardoso, ex-VP da Natura (naquela época ele ainda estava lá), num curso, na Escola de Marketing Industrial, chamado “Inquietações Existenciais”. O Marcelo e a Delmar (esposa dele e companheira de jornada), nos viraram do avesso, no melhor sentido da palavra. Já tinha ouvido falar em Constelação Familiar, mas lá, grávida, vivi na prática uma delas. Neste mesmo ano, barriga enorme, Carolina quase chegando, costurei, com o Paulo e a Carol Piccin, que tinha conhecido no tal “Art of Hosting”, um encontro, em São Paulo, mais tarde batizado de “Mentes Inquietas”.
Quarenta e duas pessoas que nunca tinham se visto aceitaram um chamado às cegas para um encontro num fim de mês para falarem sobre inquietudes. Comecei a costurar um chamado naquele dia. O Adriano Silva foi. O Rodrigo Vieira da Cunha, meu ex-colega de colégio em Cachoeira, interior do RS, que eu reencontrei em São Paulo muitos anos depois, foi. O Tomás de Lara, que me ensinou muito sobre o mundo em rede, foi. Executivos conhecidos (aqueles que foram colegas no IMM) foram. E algo surgiu ali.
No dia 3 de novembro de 2012, Carolina chegou e virou de vez a minha vida. No melhor e pior sentido da palavra
Graças à Laura Gutman, autora argentina que o próprio Marcelo Cardoso me apresentou (ele e mais alguns amigos que não se conheciam), eu cheguei à Maternidade e o encontro com a própria sombra, um livro necessário e curativo, que me ajudou a resgatar a menina de Cachoeira que vivia em mim. Ter parido fez nascer em mim novas “Andréas”. E uma necessidade gigante de aproximar pessoas, testar teorias, conhecer gente, histórias, biografias e misturar tudo isto de um jeito bem meu.
Quando eu ainda estava grávida da Carolina, o Marcello Lacroix, que anfitriou o “Art of Hosting,” em Porto Alegre, meses antes, me convidou para conhecer a Florentine, uma holandesa inquieta que trazia consigo teorias e costuras bacanas. Fui num encontro que ela me apresentou o livro The Artist’s Way, da Julia Cameron. Tempos depois, Carolina com alguns poucos meses em casa, fiz parte de uma turma que a Flor criou, baseada no livro, na casa dela. A jornada de doze semanas do resgate do meu artista foi uma das experiências mais profundas que eu vivi.
Foi também com a Carolina bem pequena que me aproximei ainda mais da minha médica antroposófica, Dra. Sônia Fornazari. Além da Antroposofia, que já me provocava, ela reforçou em mim a vontade de saber mais sobre Constelação Sistêmica, do alemão Bert Hellinger.
Fiz uma formação de um ano e meio. Queria “ajudar” os outros. Acabei me ajudando
Um pouquinho depois disto tudo (e enquanto minha vida pessoal passava por muitas revoluções), recebi do mesmo Marcelo Cardoso o convite para conhecer uma formação que ele trazia para o Brasil: Consultoria e Facilitação Integral, pelo Meta Integral Brasil. Falei pra ele que não sabia direito o que era a tal Teoria Integral, mas que iria ao encontro, ainda que não tivesse interesse nem disponibilidade para uma formação deste porte e com esta entrega naquele momento (seria uma formação também de um ano e meio). Algo aconteceu naquele encontro e eu abri coisas da minha vida para pessoas que nunca tinha visto. Me deu uma vontadezinha de ir, de ser, mais uma vez, parte de uma turma inédita de algo que me causava um misto de curiosidade e desconforto.
Não é que eu fui? Como bônus, os encontros de imersão, a cada dois meses, em média, eram numa fazenda incrível. Eu, que fui criada no campo, vi minha menina nutrida por aquele lugar. Era uma fazenda de agrofloresta. Regeneração na veia. Fui, mais uma vez, buscando novos instrumentos para minha vida corporativa. Saí transformada como pessoa. No primeiro módulo, em agosto de 2015, encontrei uma turma linda e forte e que, de certa forma, já estava muito integrada entre si. Alguns tantos tinham trabalhado juntos e a maioria sabia muito da tal Teoria Integral. Eu só conhecia o Marcelo.
Eu não sabia muito bem o que fazia ali, mas gostava, no fundo, de saber que não sabia quase nada daquilo
Foi ali que tive o primeiro estalo mais forte da separação (um mês depois eu me divorciei). Foi ali que me reconectei com muita coisa minha. Tive que fazer “aula particular” para alcançar o nível da turma naquela teoria (logo eu, que me julgava “tão esperta”). Tive que juntar alguns cacos. E tive, uns dias depois, a oportunidade de ir para o Schumacher College, no sul da Inglaterra (a tal escola que alguns dos meus colegas do “Art of Hosting”, em 2011, tinham ido e comentado). Eu vinha ensaiando esta ida para o Schumacher há tempos. Não dava, não dava. Deu. Fiz um curso chamado “Liderança para a Transição”. E também conheci gente nova e bacana por lá. E conheci o Satish Kumar, um indiano incrível. Foi no Schumacher, dias depois de ter estado imersa numa fazenda de regeneração, que me regenerei e enxerguei muita coisa. Uma cura que veio do resgate da minha raiz.
Um pouquinho depois do primeiro módulo da formação da Teoria Integral (e uns dias depois da volta do Schumacher) me separei do pai da minha filha. Carolina completaria 3 anos em uma semana.
Foi no terceiro módulo do curso, em fevereiro de 2016, que o Adriano Silva me escreveu. Eu me sinto um tiquinho coautora do Draft, que ele criara uns tempos antes, e, como já disse, cheguei a escrever sobre a minha biografia e a da Sarau no site. Ele comentou, numa mensagem de texto que eu li no intervalo do curso, deitada numa rede, que queria que eu fizesse uma aula para a Academia Draft, que acabara de sair do papel. Fiquei super honrada e, ao mesmo tempo, triste.
Não conseguiria escrever nem uma linha naquele momento. Muito menos, dar uma aula
Comentei com ele que precisava de um tempo para me “regenerar”. Ele entendeu e disse que me aguardaria. Em junho, fiz um rascunho de uma aula que chamei justo de “Regeneração”. O Adriano gostou, coisa e tal, mas crítico como é (eu gosto disto), disse que achava que não era ainda o tom. Guardei o papel de pão numa gaveta e deixei tudo decantar. Fiz, cutucada por minha terapeuta, uma série de “aulas” preparatórias para a tal aula de verdade e aproveitei o período de julho para criar uma série de resgate dos meus estudos pós-nascimento da Carolina.
Fiz, na sala da Sarau em São Paulo, uma aula baseada no “The Artist’s Way”, da Julia Cameron. E fiz outra, para relembrar as Constelações Sistêmicas, do Bert Hellinger. Fiz também uma sobre a Antroposofia e o Rudolf Steiner (e coloquei pitadas de Satish Kumar, do Schumacher College). Finalmente, fiz uma conversa sobre o que estava vivendo na formação de Teoria Integral. E fui atrás da Biografia do Ken Wilber, o cara que criou esta trama toda da minha última formação. Nessas quatro aulas, convidei amigos. Eles foram. Eles me ajudaram a relembrar o conteúdo e a resgatar tudo aquilo que eu, teoricamente, tinha aprendido para colocar a serviço dos outros. Me dei conta de que minha aula na Academia seria, sim, sobre regeneração. Eu me regenerei nestes anos de formação, com as teorias, as pessoas e suas histórias.
A aula, que, finalmente, seria em outubro, não saiu do jeito previsto. Chamei-a de “Costura de relações”. Finalmente, encontrei um termo que me representava na vida. – Quem tu és, Andréa Fortes? – Sou uma “costureira de relações”, passei a contar. A aula ficou bonita. Costurei, ao final, biografias. Da Julia Cameron, do Bert Hellinger, do Rudolf Steiner, do Satish Kumar e do Ken Wilber.
Entendi o quanto conhecer profundamente essas vidas me ajudou a entender a minha própria
Como disse, a aula não saiu do jeito planejado. E o inesperado foi tão bom! Desde outubro, já fiz 16 turmas da tal costura. Em São Paulo, em Porto Alegre, no EBAC (Escola Britânica de Artes Criativas, dentro do São Paulo Tech Week), e na Escola de Marketing Industrial, aquela em que fiz o IMM há dez anos. Eu me transformei nestes anos de São Paulo. E foram o José Carlos, o Paulo, os colegas de turmas, os clientes da Sarau, os “alunos” e coautores de minhas costuras e as histórias destes teóricos tão práticos que estudei que me ajudaram nesta transformação.
Neste fevereiro, agora em 2017, reencontrei o Adriano Silva. Eu não estava numa rede, na fazenda. Tomamos um café, para não perder o hábito, num lugar gostoso de São Paulo. Ele me provocou, de novo. Desta vez, a contar para vocês um pouco desta jornada toda e um tanto das histórias destes grandes homens e mulheres que me ajudaram nos últimos tempos. Se você quiser saber tudo o que eu aprendi com a Julia, o Bert, o Satish, o Steiner e o Ken Wilber, continue comigo.
A gente se vê.
Andréa Fortes é fundadora da Sarau. Este artigo é parte da série de artigos intitulada “Costuras de Vida”, todos disponíveis abaixo:
COMO TUDO SE CONECTA
JULIA CAMERON e o Caminho do Artista
BERT HELLINGER e as Constelações
RUDOLF STEINER e a Antroposofia
KEN WILBER e a Teoria Integral
Andréa Fortes, da Sarau, conta como o "resgate do artista", as Constelações Sistêmicas, a Antroposofia e a Teoria Integral transformaram sua vida - para melhor - nos últimos anos. Para ler e mergulhar.