Costuras de vida, parte 5 – Ken Wilber e a Teoria Integral

Andréa Fortes - 21 jun 2017
Andréa Fortes escreve sobre as quatro teorias que transformaram sua vida. Este artigo encerra a série de "Costuras de Vida". (ilustração Alessandra Lago)
Andréa Fortes - 21 jun 2017
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Já contei por aqui que conheci o Marcelo Cardoso em meados de 2012, na Escola de Marketing Industrial. Foi numa formação chamada “Inquietações Existenciais”, onde eu, grávida, encontrei muito de mim. Aquilo foi só uma faísca para muito do que eu viria a estudar anos mais tarde, também através de um chamado do Marcelo. Em 2015, ele me convidou para um café da manhã com apresentação de uma certificação para facilitação em Teoria Integral. Falei que não tinha planos para uma formação longa naquele momento porque pensava, inclusive, em ter um segundo filho.

Meses mais tarde, acabei gestando um divórcio e vendo nascer um monte de possibilidades na minha vida

A formação começou em julho, numa fazenda, desenhada sob medida para uma turma de 20 e poucas pessoas, todas com bastante proximidade com o Marcelo. Fomos pioneiros nos conceitos aqui no Brasil, “cobaias” no melhor sentido da palavra. Gosto de ser a primeira turma. Nos entregamos de corpo e alma aos aprendizados. Eu tinha ouvido falar alguma coisa sobre a tal Teoria Integral, de Ken Wilber, e tinha, inclusive, participado de um encontro sobre o tema no Instituto Evoluir, em São Paulo. Mas vivência na área, vivência mesmo, zero.

Por outro lado, boa parte da turma já tinha trabalhado com o Marcelo, na Natura e em outros lugares, e tinham, na sua imensa maioria, experiência na tal Teoria Integral. Eu não conhecia ninguém, além do Marcelo, e sabia muito pouco. Como alento, me agradava que as imersões fossem numa fazenda. Ao menos minha criança interna estaria saciada com o ambiente. Sem contar, claro, que havia uma moeda de confiança muito forte presente.

Navegamos, ao longo de cinco rodadas de encontros, por temas profundos como níveis e estágios de consciência, linhas, estados, tipos e quadrantes.

Estes são a base da Teoria Integral, que segue sendo ampliada por Ken Wilber até hoje. As últimas investidas dele falam em uma espiritualidade integral, mas sequer chegamos neste estágio da conversa. É muita coisa, muita teoria e uma prática que, quando começa a ser incorporada, entra no DNA da gente.

O programa propunha três perspectivas de desenvolvimento, em primeira, segunda e terceira pessoas. O “eu”, “nós”, “eles” esteve presente em todos os módulos, numa dança reveladora. Foi lá, durante o curso, que entendi, por exemplo, o quanto temos legitimidade quando falamos a partir do que sentimos (“eu sinto”, “eu acho”, “eu vivi desta forma”). Não ficava muito à vontade para usar a primeira pessoa e, provocada pelo Marcelo, comecei a falar mais sobre sentimentos.

Eu, Andréa Fortes, gaúcha, 41 anos, estou aqui para contar a vocês como vivi e experimentei teorias que transformaram a minha vida — “eu”, em primeira pessoa.

Vim para falar sobre o resgate do artista (The Artist’s Way), Constelações Sistêmicas, Antroposofia e Teoria Integral (“ele”, “it”, terceira pessoa). Tudo isto para que você, leitor, saiba mais sobre o que eu e o meu grupo vivemos e que possa, tomara, ter vivências tão fortes como as que tivemos com ao menos alguma destas pistas que vou deixar por aqui (“nós”, segunda pessoa).

O desenho do curso propõe uma divisão 60, 20, 20, sendo 60% transformação pessoal, 20% consultoria e 20% facilitação, num grau “3” de facilitação, onde o facilitador interage com o grupo com tal intensidade que faz parte da transformação, sem se misturar com ele. Para mim, os 60% foram 80, ainda que os 20/20 tenham sido muito fortes.

Não dá pra resumir Ken Wilber e sua Teoria Integral em poucas palavras. Seria um grande pecado e uma pretensão sem tamanho. Mas, falando em primeira pessoa, tomo a liberdade de contar alguns dos ensinamentos que ele literalmente “integrou” ao longo de sua jornada. Lembre-se de é sob a minha perspectiva e, portanto, é parcial, ok?

Os quatro quadrantes da Teoria Integral (ilustração: Alessandra Lago)

Os quatro quadrantes da Teoria Integral (ilustração: Alessandra Lago)

Quando o Ken fala em Teoria Integral é porque, na prática, foi o que ele fez. Depois de ter lido e estudado muitas teorias ao longo de muitos anos (muitas e muitos mesmo), depois de ter se transformado com a convivência da esposa, Treya, depois de ter lido horrores, ele, que é um cabeção, fez um grande e simples desenho com quatro quadrantes. Nos superiores, o indivíduo. Nos inferiores, o grupo. À esquerda, aspectos subjetivos. À direita, objetivos, comprováveis. Na prática, o bom, belo e verdadeiro ou, mais uma vez, primeira, segunda e terceira pessoas.

Retomando um pouco do que conversei sobre minha experiência anterior no Schumacher College, sul da Inglaterra, nós, principalmente no Ocidente, ficamos muito focados no quadrante direito superior. Nos últimos 200 anos, então, nem se fala. Se não tiver como comprovar, não existe. O Oriente nunca deixou de olhar sua subjetividade. Vivemos como se os pouquíssimos anos de nossa régua de “Modernidade” fosse a única verdade. E não é. Ken comenta que somente quando integrarmos os quatro quadrantes teremos uma visão integral das situações. Faz muito sentido.

Uma segunda pista que adoro (e que uso muito na minha vida) é a questão dos níveis de consciência. Esta teoria não foi criada por ele, mas ele a incorporou e ampliou. A grosso modo, vivemos sempre em algum nível de consciência. A Humanidade desenvolveu-se a partir destes níveis.

A espiral que ilustra diferentes estágios dos indivíduos (ilustração Alessandra Lago).

A espiral que ilustra diferentes estágios dos indivíduos (ilustração Alessandra Lago).

Ancestralmente somos “Bege”, ou seja, trabalhamos apenas com instintos. Uma criança recém-nascida ou um adulto com Alzheimer estaria neste nível (individual). Num segundo estágio, passamos para um nível de consciência “Púrpura” (coletivo). É o nível onde temos questões religiosas, superstições, crenças, amuletos. Acima, o “Vermelho” (novamente, individual). Um vermelho de guerra, sobrevivência.

Um ponto acima, um nível “Azul” (coletivo, de novo). Um azul de burocracia, hierarquia, ordem, regras. Igrejas, escolas e exército, bem como instituições públicas estão representadas nesta cor. Mais um nível, acima, e chegamos na cor “Laranja”, onde boa parte das empresas vive hoje.

Um mundo competitivo (individual), onde departamentos e pessoas buscam atingir metas. Mais um? Chegamos ao “Verde”, o mundo que fala em sustentabilidade, em Gaia, cuidados ambientais (coletivo). Qual a crítica a este primeiro nível de consciência? Cada vez que nos colocamos num novo patamar, é como se desdenhássemos o anterior. Uma empresa, tipicamente Laranja, em sua maioria, costuma desfazer da importância dos processos e sistemas, o Azul. Um grupo que se comporta como Verde, fala mal do sistema das empresas, Laranja. Acontece que os níveis de consciência são como camadas ou andares de um prédio. Implodir o anterior simplesmente derrubaria a história toda.

Ken Wilber propõe que possamos construir um novo nível de conversa e que, ao integrarmos tudo, possamos criar novas cores e saberes. O “Teal”, aquele azul esverdeado do Planeta Terra visto de fora, e o “Amarelo” da energia renovável do sol. Somos capazes de integrar e de navegarmos para este novo mundo?

Tem um livro, ainda só em inglês, chamado Reinventing Organizations que conta como, aos poucos, algumas empresas estão criando algumas iniciativas da cor “Teal” no mundo corporativo. Ao longo da formação, também estudamos os Tipos (masculino e feminino, a sabedoria milenar do Eneagrama), as linhas e estados.

O que mais vivenciei e descobri com a turma e as vivências?

Dá para se fazer novos amigos aos 40. Quando nos entregamos para um processo, curamos coisas que nem imaginávamos que doíam

E, também, que ser a primeira turma é algo vulnerável e delicado, mas é também transformador, principalmente num Brasil tão carente de necessidades e possibilidades. Sigo conectada à turma (ficamos muito unidos), à Teoria (usando muito na prática). Baseada na Teoria Integral, desenhei novos projetos na minha vida pessoal e profissional (existem duas vidas, separadas?).

Descobri, analisando a biografia do Ken Wilber, que ele sempre foi um ser inquieto e transdisciplinar e que grandes crises muitas vezes são gatilhos para aprendizados. A história dele não foi diferente.

Ken Wilber nasceu em 1949 (EUA); é psicólogo, filósofo, cientista, místico e contador de histórias; integrador do conhecimento; tem mais de 20 livros traduzidos para mais de 30 idiomas;
é considerado o “Einstein” da consciência; propôs a integração de todas as áreas do conhecimento (Ciência, Arte, Filosofia, Espiritualidade); sua esposa, Treya, teve um câncer na lua de mel. Ficaram casados de 1983 a 1989, sendo que na maior parte do tempo ele esteve com ela. Ele escreveu o livro Graça e Coragem baseado nesta história; Ken Wilber convive com uma doença degenerativa rara e incurável. Depois de uma longa crise que durou anos e que o impossibilitou de produzir seus brilhantes artigos e livros, ele retornou as atividades plenamente em 2013, concluindo seu livro sobre budismo e a Trilogia do Kosmos.

COSTURANDO TUDO

Como Julia Cameron, Bert Hellinger, Rudolf Steiner, Satish Kumar e Ken Wilber conversam em mim?

Quando vim pra São Paulo, há dez anos, mal sabia atravessar a rua

Decorava o mapa, físico, e tentava entender se o destino que teria que ir ficava “acima”, “abaixo”, “à esquerda” ou “à direita” do Parque do Ibirapuera. Me encontrei por aqui, nos mapas e fora deles, muito pelas vivências que tive com tantas pessoas que conheci. Foi através das pessoas, e também da minha entrega aos convites que vieram através delas, que cheguei ao resgate do meu artista, constelei, entendi mais de Antroposofia e Biografia Humana e aprendi um pouco sobre a tal Teoria Integral.

Integrei em mim tudo isto e, hoje, transformada, começo a passar parte do que vivi. Tenho o texto como ferramenta e uma vontade enorme de compartilhar tanta coisa boa que vivi. O meu “padrinho”, José Carlos Teixeira Moreira, que conheci em São Paulo e que muito me incentivou a vir para estas bandas, um dia comentou que muitas vezes transformamos a vida das pessoas e nem nos damos conta. Ficam aqui algumas perguntas que tenho tentado responder para mim nos últimos tempos e o convite para que elas possam mexer contigo tanto quanto mexeram comigo.

São elas: Quem eu sou?; Como os outros me veem?; O que eu sou (ou penso que sou) parece com o que pareço ser?; Quais foram os momentos marcantes da minha vida?; Quais foram os grupos que mais mexeram comigo? E as pessoas? Grupos, formações, aprendizados?; Quais foram meus ciclos marcantes?; Quais são as minhas sementes? Onde elas vão brotar? Que árvores serão?; Quais foram as minhas grandes escolhas?; Quais serão as próximas?

Para finalizar, passo algumas dicas e referências finais. A segunda turma da Certificação Metaintegral começa agora, em outubro. Assista ao TEDx do Marcelo Cardoso, sobre Propósito. Assista à peça “A Alma Imoral”, com Clarice Niskier, adaptação do livro de Nilton Bonder (está há dez anos em cartaz e fala em tradição e traição). Todos os autores citados “traíram” com maestria tradições para ampliarem o espaço estreito de suas vidas e da Humanidade. Assista a Café Society, último filme do Woody Allen. Fala sobre escolhas. E, claro, sugiro que você faça a jornada da Julia. Compre amanhã mesmo o livro The Artist’s Way. Para começar a ler Ken Wilber, sugiro o Graça e Coragem, que conta a trajetória dele com a esposa, Treya.

Obrigada por teres chegado até aqui. Me sinto feliz por ter estado contigo nesta jornada.

 

Andréa Fortes é fundadora da Sarau. Este artigo encerra a série intitulada “Costuras de Vida”, disponível abaixo:
COMO TUDO SE CONECTA
JULIA CAMERON e o Caminho do Artista
BERT HELLINGER e as Constelações
RUDOLF STEINER e a Antroposofia
KEN WILBER e a Teoria Integral

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