“Criadas para celebrar a diversidade, as cidades também se tornaram espaços de segregação”

Adriano Silva - 21 abr 2016
Mauro Calliari (de camisa escura e óculos), ao final de sua aula na Academia Draft: “As pessoas estão voltando para as ruas. E essa ocupação dos espaços públicos pela população é o que precisamos para começar a ‘colar’ a cidade de volta” (Foto: Johanna Faller)
Adriano Silva - 21 abr 2016
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Conheci Mauro Calliari como um executivo de grande empresa. MBA na Itália, passagem pela Unilever, diretor superintendente na Abril. (Nos anos 90, a Abril se dedicou a trazer MBAs para desenvolver a sua gestão e a sua área de negócios. Coincidentemente, Mauro foi, possivelmente, o primeiro dessas aquisições – e eu, provavelmente, a última.) Mauro chegaria à presidência da Abril Educação.

Foi uma satisfação reencontrá-lo em sua reencarnação pós-corporativa. Mauro deixou para trás a vida executiva e hoje se dedica a estudar e pesquisar a questão da urbanidade, das cidades, dos espaços públicos. De administrador de empresas, Mauro se tornou mestre em Urbanismo. E doutorando pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, a FAU, da USP. É professor visitante do Mackenzie e da Escola São Paulo – e agora, também, da Academia Draft. Mauro também é membro do Conselho de Políticas Urbanas de São Paulo e mantém o blog Caminhadas Urbanas, no Estadão.

A Aula de Mauro, “Cidades, Pessoas e Espaços Públicos – A Nova Cidadania” aconteceu na Academia Draft na segunda, dia 18 de abril. Mauro apresentou o conceito de não-lugar – um logradouro com o qual não se tem relação, um lugar de passagem, onde não se fica. Como a maioria dos aeroportos, por exemplo. (Há projetos em curso pelo mundo tentando mudar isso e transformar aeroportos em “lugares” capazes de gerar estima, pertencimento e bem-estar.)

Mauro falou da evolução dos espaços públicos – desde as cidades mais antigas, na Mesopotâmia. De como eles foram moldados pelo poder religioso. Depois, pelo poder político. Depois, pelo poder econômico.

Mauro apontou como o pior momento das cidades europeias, por exemplo, a virada do século 18 para o século 19 – quando o espaço público, tornado fabril, foi grandemente degradado pelo modelo de cidade industrial.

Mauro mostrou o presente fenômeno das cidades sem-fim, aquelas que se expandem tanto que se conectam a outras, gerando imensas áreas metropolitanas em que se perde a noção de história e também a referência do centro.

O sujeito já não sabe em que cidade vive – e isso altera o jeito como ele se relaciona com ela.

E você sabe o que define uma cidade? Trata-se, antes que tudo, de um lugar onde encontramos outras pessoas. A diversidade, portanto, está na base da ideia de urbanidade. No entanto, as cidades também se tornaram espaços altamente segregados – em que a diferença é reprimida, e em que os diferentes procuram não se conectar nem trocar informações entre si.

Mauro historiografa alguns desses conflitos urbanos – até chegar no mais recente: carros versus pessoas.

Outra oposição importante é a que se estabelece entre o público e o privado. Nos momentos de crise, o privado tende a superar o público – o cidadão se fecha em sua cidadela e decreta: “sou eu contra os outros”. E não mais: “eu com os outros”. Desaparece aí a ideia de coletividade. A convivência se torna hostil, operada entre interesses particulares cada vez mais ensimesmados. A experiência da alteridade, essencial ao conceito de cidade, se torna um pesadelo a ser combatido e não, mais, um encantamento a ser perseguido.

(Qualquer semelhança aí com sua vida numa grande cidade brasileira não é mera coincidência.)

Mauro diz que a grande doença urbana é o narcisismo, o não-reconhecimento dos demais, o império do “eu”. No entanto, só crescemos no embate com os outros.

Ensimesmados, em nossas casas, condomínios e carros, não trocamos, não nos testamos – permanecemos crianças mimadas, que não sabem discordar de modo civilizado.

Os elementos da urbanidade, segundo Mauro, surgem com fim do patriarcado e da escravatura. Aí deixa de ficar claro quem manda e entra em cena o conflito entre iguais, a disputa democrática entre cidadãos que têm os mesmos direitos. Esse foi o momento em que algumas sociedades aprenderam a conviver em coletividade – e outras, não. (Nós provavelmente estamos ainda no segundo grupo.)

Em São Paulo, os operários seguiram pelos trilhos e foram morar a leste. Os donos das indústrias foram a oeste. E a classe média se estabeleceu no centro. Com essa cisão espacial, a diversidade entre nós sofreu mais um golpe. Os bairros se tornaram guetos. E desembocaram na era dos muros (e, mais recentemente, das ruas fechadas com portão e guarita, em formato de vila, cujo subtexto é: “eu não tenho nada a ver com a cidade, não quero contato com nada que esteja além do meu quintal”).

Mauro vai adiante e propõe alguns elementos que definem, na prática, o que é um bom espaço público:

 

– Só espaços com significado se tornam bons lugares. Bons lugares têm alma e personalidade.

– Bons lugares oferecem diversidade de usos possíveis para os usuários, e também de frequentadores.

– Em bons lugares, as ruas têm “olhos” (usuários, gente circulando, “zeladores”). Em lugares ruins, as ruas são “cegas” (desertas, terra de ninguém).

– Bons lugares propiciam o encontro e estimulam a permanência.

– Bons lugares permitem que desconhecidos comunguem experiências – as chamadas “triangulações” entre as pessoas.

– Bons lugares têm comida, espaços abertos (que não sejam grandes demais), sombras, árvores, soft edges (fachadas ativas, pequenas vitrines, portas e mesas de bares), elementos que são “indutores de contato” e “não inibidores de contato”.

 

Em metrópoles como São Paulo, Mauro diz que é muito importante reconhecer o conflito. E compreender que as escolhas não vão agradar a todos. Para se reduzir as mortes no trânsito, por exemplo, talvez seja mesmo necessário reduzir a velocidade permitida nas vias. Por mais que isso gere incômodo.

E como o espaço é finito, há perdas e ganhos em cada decisão a ser tomada. Então é preciso envolver e discutir os vários interesses envolvidos em cada situação. Boas ações impostas ou mal explicadas geram reações ruins. A implantação das ciclovias em São Paulo é um bom exemplo disso.

Mauro termina dizendo que considera que estamos vivendo um momento de reapropriação dos espaços públicos pelas pessoas. Ou de resgate da cidadania por meio do jeito como nos relacionamos com as cidades.

“As pessoas estão voltando para as ruas. E essa ocupação dos espaços públicos pela população é o que precisamos para começar a ‘colar’ a cidade de volta”.

Que assim seja, Mauro. E obrigado pela ótima aula.

 

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