Nascido na Rússia e criado no Canadá, o economista Michael Kapps, 30, fala um português quase sem sotaque, aprimorado durante um sabático em que trabalhou como vaqueiro na fazenda do tio de um amigo, no Pantanal.
Escolhido como um dos “Innovators Under 35” (“Inovadores com menos de 35 anos”) pelo MIT Technology Review, Michael realizou um sonho antigo em 2014, ao empreender a TNH Health, startup que desenvolve chatbots para a gestão de saúde.
Sua aposta mais recente é ferramenta Vitalk, que usa um robô terapeuta (cuja interface é um avatar batizado de Viki) para acompanhar e dar suporte à saúde mental dos usuários — hoje, são cerca de 50 mil.
Em 2019, a TNH Health faturou aproximadamente 3 milhões de reais. O ano foi impulsionado por um aporte, em outubro, de 8 milhões de reais do fundo Valor Capital Group, dos fundadores dos laboratórios SalomãoZoppi, Vidalink e Maria Health Partners.
O PRIMEIRO PROJETO FOI DERRUBADO DEPOIS DE POUCOS MESES
Michael criou o negócio com dois sócios brasileiros: o paulistano Thomas Prufer, 30, e o catarinense Juliano Froehner, 42. Os três se conheceram enquanto cursavam Economia em Harvard. Juntos, formularam a ideia de um produto para enviar mensagens de SMS com lembretes para não deixar as pessoas esquecerem de tomar o remédio.
Após o curso, Michael mudou-se para São Paulo e, com os sócios, chegou a criar uma versão simplificada da ferramenta, batizada de Tá Na Hora (daí o nome atual, TNH). Eles acreditavam que farmácias e até planos de saúde pagariam para incluir seus clientes.
Não foi o que aconteceu: os usuários se irritavam com as mensagens, as farmácias não demonstraram interesse pelo serviço, e em poucos meses o projeto foi derrubado.
O trio, porém, viu que quem chegou a experimentar o Tá Na Hora respondia as mensagens, com dúvidas ou buscando aconselhamento. Segundo Michael:
“Vimos que poderíamos estruturar as conversas em uma ferramenta de educação e monitoramento de pacientes”
Eles resolveram modificar o projeto para criar um chatbot de acompanhamento de gestação, uma espécie de assistente virtual para grávidas. A ferramenta enviaria dicas, lembretes, questionários, imagens e vídeos para as pacientes, que poderiam interagir com o conteúdo e enviar o feedback para os serviços de saúde, como hospitais, clínicas e postos de saúde.
RECURSOS DE UM PROGRAMA CANADENSE PERMITIRAM REFORÇAR O TIME
Em 2017, os sócios inscreveram o novo projeto no programa Grand Challenges Canada, que financia soluções para desafios de saúde em países em desenvolvimento — e foram aprovados.
Aquela foi uma primeira virada de jogo. Com a mudança de conceito da empresa e os recursos recebidos (cerca de 600 mil reais, divididos meio a meio entre o programa canadense e a Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal), a startup contratou um CTO e um jornalista.
O CTO chegou para desenvolver o novo conceito do chatbot, que agora não só enviaria informações, como passaria a recebê-las com auxílio de um plugin para aplicativos de mensagem como WhatsApp e Messenger (e que pode ser plugado também em plataformas de uso corporativo, como o Slack).
O jornalista, por sua vez, tinha papel fundamental na estruturação das informações de forma clara para os pacientes. Segundo Michael:
“Somos quase como a mídia tradicional, pois criamos conversas e confiança com o usuário. A diferença é que enviamos conteúdo relevante e conseguimos monitorar em tempo real para personalizá-lo”
Com a capacidade de monitorar cerca de 4 mil pessoas de uma só vez, o custo dos cuidados por paciente chega a cair dez vezes, de acordo com o empreendedor, em relação ao monitoramento sem uso da ferramenta. O objetivo, porém, não é substituir o atendimento profissional:
“Nunca entramos no lado de diagnóstico. O que buscamos é engajar para identificar riscos e encaminhar para o atendimento se necessário.”
A VONTADE DE IMPACTAR MAIS GENTE LEVOU A NOVAS MUDANÇAS
O negócio foi acelerado pelo Quintessa, que deu suporte à TNH Health em sua primeira rodada de captação, entre 2016 e 2017; segundo Michael, a aceleradora ajudou com a estruturação da área de crescimento (vendas e marketing), na criação de budget, de processos e rituais de gestão.
“O mentor deles, Ricardo Ikeda, fez uma mentoria excepcional para mim, me ensinou quase tudo sobre como ser um CEO, da postura a atitude, entre outros”
A segunda virada veio quando perceberam que poderiam criar chatbots nos mesmos moldes para diferentes problemas — de diabetes ao sono, tudo poderia ser monitorado. Foi também o que validou a hipótese de que governos e planos de saúde comprariam a ferramenta, pois ela ajuda a reduzir custos de atendimento e de tratamentos de doenças.
A prefeitura de Marechal Deodoro, em Alagoas, usou o chatbot em duas iniciativas. A primeira se deu durante um surto de leptospirose. A campanha monitorou mil famílias, detectou 32 casos e, graças à identificação precoce, segundo Michael, não houve nenhuma morte naquele ano. Em outro projeto, o chatbot serviu para acompanhamento pré-natal, ajudando a reduzir o índice de mortalidade em 48% comparado ao ano anterior.
Em dois anos, entre 2017 e 2019, a startup conquistou 30 clientes (de redes de farmácias como Raia e Drogasil a prefeituras como a de Arapiraca, também em Alagoas) e monitorou umas 300 mil pessoas. Michael diz:
“Estávamos dobrando o faturamento ano a ano, mas não decolando, e sentíamos vontade de fazer algo que impactasse mais gente”
É que, apesar de possível e rentável, criar chatbots personalizados para a necessidade de cada cliente dificultava a escalabilidade do negócio. Outro empecilho era que, por questões contratuais, os dados ficavam retidos em cada cliente e não podiam ser cruzados, dificultando a vida dos empreendedores na hora de aprimorar sua ferramenta.
CONCENTRAR TUDO NUM PRODUTO AJUDOU A ALAVANCAR O NEGÓCIO
A essa altura, Thomas já havia se afastado do operacional. Juliano, atual membro do Conselho de Administração, seguiu até o fim de 2019 no dia a dia do negócio, hoje a cargo de umas 30 pessoas, entre especialistas clínicos, jornalistas, UX writers, designers e o time de dados.
A equipe identificou uma relação direta entre sofrimento psíquico e saúde física. Segundo Michael, dois terços dos pacientes com doenças crônicas, como diabetes ou hipertensão, têm também algum transtorno mental (que por sua vez afeta o quadro geral do paciente).
Diabéticos com depressão, por exemplo, custam até oito vezes mais para os serviços de saúde, de acordo dados levantados pela startup. Decidiram mudar mais uma vez e reunir todos os bots num só assistente de saúde, um robô terapeuta com foco na atenção primária.
Dar essa nova guinada, num momento em que startup ainda não estava bem estabelecida, não foi obviamente uma decisão fácil. Michael lembra:
“Era algo arriscado, pois significaria perder clientes para se tornar mais sustentável”
O movimento, porém, fazia total sentido: o mercado é grande e não há muita concorrência. Só no Brasil, cerca de 12 milhões de pessoas sofrem com depressão e outras 13,2 milhões têm algum transtorno de ansiedade, segundo dados da Organização Mundial da Saúde.
APOSTANDO NO B2B, A EMPRESA JÁ ESTÁ ATUANDO NOS ESTADOS UNIDOS
A Viki começou a ser desenvolvida no começo de 2019. Em um teste feito com 700 usuários, aqueles com ansiedade alta ou muito alta tiveram o problema reduzido em 40% após seis semanas interagindo com a avatar (que, como os demais bots da TNH Health, pode ser plugada em aplicativos de mensagens ou ser acessada pelo site da empresa).
Para o público final, há uma versão gratuita, com sessões de terapia auto guiadas e conteúdos sobre o tema. Em dezembro, a TNH Health lançou duas versões pagas: uma que custa em torno de 10 reais ao mês (a precificação ainda está sendo ajustada), com um volume maior de conteúdos, indicada para usuários que querem “conversar o dia inteiro”; e outra que vai custar entre 60 e 70 reais mensais, incluindo o acesso a terapeutas via chat.
A principal aposta para o faturamento, porém, está no modelo B2B, com planos voltados para empresas — hoje são cinco clientes, incluindo Siemens e Indústria Fox — que desejam apoiar e acompanhar de perto o estado psíquico dos seus funcionários. O serviço pode ser contratado pontualmente ou por meio de uma assinatura (ao custo aproximado de 15 reais por colaborador).
O robô por ora só fala português. Mesmo assim, a TNH Health já iniciou sua internacionalização, com três projetos em andamento nos Estados Unidos e foco em populações carentes. Num deles, com a prefeitura de Baltimore, a startup monitora 2 mil pacientes crônicos para prevenir internações.
Não importa onde, diz Michael, a missão segue a mesma: alcançar o maior número de pessoas possível e usar a tecnologia para melhorar o acesso à saúde.
Fundada por Luana Wandecy, a startup potiguar Blindog vem desbravando o mercado pet com uma solução de saúde canina: um dispositivo que identifica obstáculos no caminho e ajuda a dar mais autonomia aos animais que perderam a visão.
Criar um chatbot contra a prescrição indevida de antibióticos. Essa é a próxima missão da Munai, que aposta em inteligência artificial para ajudar hospitais a evitar erros médicos e reduzir o tempo (e o custo) de internação.
Os modelos de inteligência artificial serão cada vez mais especializados. Essa é a aposta da Maritaca AI, que desenvolveu um chatbot treinado para entender a nossa realidade, da legislação brasileira à prova do Enem.