Nascida nos anos 1980, Lara Folster, 34, como a maioria das crianças de sua geração, não escapou aos Miojos e biscoitos industrializados, que eram servidos pelas mães mais zelosas de vez em quando. Mas o que ficou de memória de infância foi ver a mãe e a avó sempre cozinhando – ela aprendeu a cozinhar com elas. E também aquele prazer de comer alimentos feitos na hora, que começam a ser deliciados ainda antes de ficarem prontos, o cheirinho de bolo que escapa do forno ou da carne de panela cozinhando a fogo lento. É essa sensação, agora aliada à alimentação consciente e saudável, salpicada de alimentos orgânicos e boas doses de frutas, legumes a verduras frescos, que ela leva atualmente para os corredores de escolas de São Paulo capital na Lanche&Co.
Lara é fundadora da empresa que atua com uma ambiciosa missão: “mudar o cenário da alimentação escolar no Brasil, levando comida de verdade feita na hora, todos os dias, para dentro da escola.” Dependendo do pacote fechado pela instituição de ensino, há opção de café-da-manhã, almoço e jantar, além dos lanches, por vezes servidos em sala de aula (normalmente para crianças menores) ou em refeitórios e cantinas, o que varia de acordo com a organização interna e preferência da instituição de ensino. Exceto alguns itens vendidos na cantina que vêm de fabricante parceiros, como o chocolate orgânico da Chokolah, o refrigerante Gloops, e os biscoitos Mãe Terra, todas as receitas são feitas em uma cozinha própria da Lanche&Co dentro de cada colégio.
A empresa adequa a estrutura existente no local ou monta um espaço do zero para produzir os alimentos ali mesmo, diariamente. Hoje, a Lanche&Co tem ao todo nove cozinhas em cinco escolas: Colégio Wellington Objetivo, Mapple Bear Pinheiros 1, Mapple Bear Pinheiros 2, Mapple Bear Morumbi e Escola Miguilin, todas na capital paulista, e serve em média 3 000 refeições diariamente a cerca de 680 crianças. O faturamento mensal é de 130 mil reais.
As receitas brincam de esconde-esconde com os ingredientes para mostrar que comida saudável pode ser saborosa: bolo de abobrinha com chocolate (campeão de vendas) ou brownie com cenoura e espinafre. Ao lado das saladas (charutinhos de manga enrolada em folhas, por exemplo) e dos espetinhos de frutas, há também mini-hambúrgueres, cookies e salgados. Também não falta o macarrão, sempre no topo da lista do gosto da criançada. A diferença é que se dá preferência aos alimentos orgânicos e integrais, com baixo teor de sódio, e o mais frescos e naturais possíveis.
“As frutas, legumes e verduras são recebidas três vezes por semana. Os pães normalmente são feitos no local e têm validade de um dia. Não usamos margarina, só manteiga pura, e nada de soja”, conta Lara, que especializou-se na Natural Gourmet Institute, em Nova Iorque, e tornou-se embaixadora da campanha Food Revolution do chef Jamie Oliver, com foco na alimentação saudável para crianças, no mesmo ano em que fundou a Lanche&Co, 2012.
A decisão de não ter uma cozinha central, o que poderia soar mais prático, é fundamentada no afeto e na ciência. “Um estudo da Reggio Emilia (pedagoga italiana surgida no pós-guerra) fala sobre a importância do cheiro de comida na escola, do barulho da panela de pressão, o aroma do biscoito no forno. Isso traz a sensação de aconchego. É um espaço de casa dentro da escola”, afirma Lara, que sentiu o primeiro gostinho na Lanche&Co dentro do próprio lar, desta vez quando ela mesma virou a mãe a colocar as refeições na mesa – ou na lancheira.
Há nove anos Lara tornou-se mãe de Gael – ela também tem um menino de três anos, o Otto, além da enteada, Helena, de dez. Quando o primogênito entrou na escola, ainda na primeira infância, ela passou a fazer lanches saudáveis para ele levar. Tinha dias em que a lancheira estava recheada com pepino e cenoura, além de um sanduichinho. Mas a concorrência era complicada. “A melhor amiga dele levava Doritos e Coca-Cola, eu falava que se ele comesse isso ficaria com a boca laranja”, conta Lara, que decidiu, então, conversar na diretoria da escola sobre melhorar a alimentação das crianças. Foi enviado ofício aos pais pedindo para evitar refrigerantes e salgadinhos. E eles logo procuraram Lara e propuseram que ela fizesse os lanches para vender.
A BATALHA: FRUTAS E PÃES INTEGRAIS X SALGADINHOS E REFRIGERANTES
Ali já nascia o modelo de refeições saudáveis feitas na cozinha da própria escola. “Começou pequeno, tinha uma cozinheira, a Selma, que está conosco até hoje, e uma nutricionista. Atendíamos a educação infantil. Aí, quando as crianças estavam prestes a ir para o ensino fundamental, os pais falavam: ‘mas ano que vem não vai ter mais o lanche?’. Com isso fomos aumentando”, diz Lara, se referindo ao Colégio Wellington, na Freguesia do Ó, zona noroeste de São Paulo, onde tudo começou. Ela investiu 300 mil reais, de recursos próprios, no início do negócio.
As refeições feitas 100% na cozinha Lanche&Co são servidas no jardim de infância e do primeiro ao último ano escolar. Do sexto ano em diante, normalmente os alunos compram na cantina, que também pode ser montada pela Lanche&Co. Ali se encontra o kit lanche do dia, contendo as mesmas receitas oferecidas às crianças menores, porém em maior quantidade, e outras opções de alimentos, alguns feitos por parceiros. “Buscamos sempre os melhores produtos do mercado. Contratamos uma empresa para desenvolver as receitas dos salgados, como a esfiha de mussarela com espinafre. O pão de queijo é de uma fabricante mineira que não usa margarina nem óleo de soja na receita. O hambúrguer é de carne Wessel, sem conservantes”, diz Lara.
Ela sabe que, nessa faixa etária da pré-adolescência e adolescência, é difícil concorrer com os industrializados. Por isso oferecem comidas que os jovens já consomem e gostam, mas feitas com ingredientes mais puros e livres de aditivos.
Outro ponto de se ter uma cantina para os alunos mais velhos é ensiná-los a controlar seus próprios gastos – além de manter os pais informados sobre o que os filhos consomem.
Graças a uma parceria com a Nutre-Bem, empresa de cartões pré-pagos para cantinas escolares, as compras são feitas em um totem, onde os alunos escolhem os alimentos desejados. O cardápio também pode ser acessado online ou via aplicativo pelos pais, que podem programar tanto o valor máximo de dinheiro gasto por dia quanto bloquear alguns ítens do cardápio. Lara conta:
“Foi uma briga grande no começo. Queriam peito de peru, aí mandávamos uma receita de como esse produto é feito, a mistura da carne, os conservantes. Construir uma alimentação saudável é um processo”
Comer bem é gostoso, é saudável, todo mundo quer? Não é bem assim. Um dos maiores desafios da Lanche&Co é mostrar constantemente que vale a pena investir em uma alimentação mais pura, feita com ingredientes naturais e frescos. E nesse trabalho a equipe também coloca a mão na massa.
EDUCAÇÃO ALIMENTAR TAMBÉM SE ENSINA NA ESCOLA
Quando uma escola contrata a empresa é feito um treinamento básico com funcionários e professores para falar da importância da alimentação mais natural, porque os lanches são feitos daquele jeito e como serão apresentados às crianças. Explica-se por que só é usado leite 100% integral e açúcar orgânico. A importância de fazer compostagem dos resíduos orgânicos, diminuir a quantidade de sal das receitas ou colocar linhaça no lugar do granulado no bolo de chocolate formigueiro. Esse pacote educativo pode ir além, com consultoria de educação nutricional alinhada ao plano pedagógico.
“Agora é lei as escolas terem educação alimentar no currículo. Vão abordar isso em classe, nas aulas de ciência, por exemplo”, conta Lara, que passou a oferecer parceria para esse tipo de conteúdo. “Nas aulas de química podemos fazer um pão de fermentação natural, na de biologia ver os alimentos por dentro, sempre junto com os professores”, conta, já apontando um novo produto da Lanche&Co.
Culinária para os pais é outro. Eles aprendem a fazer algumas das receitas oferecidas em sala de aula, como pães, cookies e saladas.
“Alguns pais nos diziam que em casa o filho não comia tomate e, na escola, sim. O curso era para fazer o filho comer em casa o que come na escola’”
E convencer as crianças a abocanhar um espinafre, é fácil? Um dos segredos é apresentar as novidades saudáveis aos poucos, sem sustos. Esse foi um dos primeiros aprendizados da Lanche&Co. “No começo fomos quase para a alimentação macrobiótica.
O bolo não era doce e a torta não era salgada. Tínhamos que achar um meio termo”, diz Lara. Então, passaram a introduzir a nova alimentação com aquilo que as crianças já gostavam, como mini-pizza, só que de massa caseira de farinha integral, com linhaça e chia. No molho de tomate, também ia beterraba e cenoura.
Assim, vão ganhando a confiança dos pequenos. “No começo do ano as receitas têm cerca de 30% de farinha integral, no final já vai para 70%. No segundo semestre, introduzimos os doces de tâmara e no final já servimos pasta de abacate como sobremesa”, diz Lara, que também conta que as crianças recebem bem sim as comidinhas mais naturais.
“Em uma das escolas era oferecida uma ‘poção mágica’ que era com suco de pozinho e bala de goma. Mudamos a receita para farinha de pitaya com uva passa e adoraram do mesmo jeito.”
MARGEM DE LUCRO APERTADA, MISSÃO IMENSA
Ingredientes orgânicos e naturais, embora tenham se tornado mais acessíveis, normalmente ainda têm um custo mais elevado do que os convencionais. Mas Lara não abre mão. “Não é que se não consigo o frango orgânico vou no convencional mesmo. Nunca comprei frango ou ovos de granjas”, diz Lara, afirmando que a Lanche&Co não vislumbra um retorno apenas financeiro.
“Claro que empresa saudável se paga e dá lucro, mas temos margem pequena perto de outras companhias de refeição coletiva. A alimentação escolar cria hábitos”
Para garantir os melhores ingredientes, a Lanche&Co faz parcerias com fabricantes que se alinham à sua proposta. Lara visita fazendas e fábricas para conhecer os processos de produção dos ingredientes. “Fechamos parcerias para o ano inteiro, com uma tabela melhor. E podemos mostrar aos clientes que também existem essas escolhas no mercado”, afirma Lara. Embora existam outras cantinas que se posicionem como de alimentação saudável, Lara não considera que a Lanche&Co tenha concorrência direta. “No Brasil não há outra empresa que faça o que a gente faz, com o mesmo padrão de alimentos e uma cozinha dentro de cada escola”, afirma.
O próximo passo é produzir os próprios ingredientes. Lara arrendou um sítio em Campo Limpo Paulista, a 50 quilômetros de São Paulo capital, com produção de orgânicos certificados. “Estamos finalizando o plantio agora. Teremos legumes e folhas, a princípio. Mas nossa ideia é sermos autossustentáveis”, afirma. Lá, ela também pretende fazer uma agrofloresta que poderá ser visitada por pais e alunos das escolas parceiras. A ideia é que conheçam o ciclo completo dos alimentos que vão para seus pratos. Esses planos ainda podem demorar a dar retorno. Mas, assim como as crianças, é devagarinho que a Lanche&Co cresce, sem perder de vista sua missão. “Alimentação escolar realmente muda o mundo”, diz Lara, convicta de que a ideia deve cair no gosto das pessoas.
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