Como zerar as emissões líquidas de gases do efeito estufa quando o seu negócio é cruzar o céu carregando pessoas e cargas em aviões movidos a querosene fóssil?
É o que a Gol quer descobrir até 2050.
A meta da companhia aérea de zerar as emissões líquidas ao longo dos próximos 30 anos está alinhada com compromissos do setor estabelecidos pelo Corsia (Carbon Offsetting and Reduction Scheme for International Aviation), plano de compensação e redução de carbono desenvolvido pela Organização da Aviação Civil Internacional (ICAO, na sigla em inglês).
Para isso, a Gol estruturou sua área de ESG em 2020, ano em que a demanda do mercado doméstico de aviação despencou 57%, segundo a ABEAR (Associação Brasileira das Empresas Aéreas), e tornou o tema da sustentabilidade mais presente nos níveis mais altos da hierarquia corporativa.
“As questões ambientais e sociais eram muito marginais [na indústria da aviação]. Agora, estão na agenda dos executivos”, diz Pedro Scorza, comandante e assessor de projetos ambientais da Gol, empresa com 14 mil funcionários e uma frota de 91 aeronaves operando voos no Brasil, América do Sul, América do Norte e Caribe.
Segundo Scorza, para zerar as emissões será preciso atuar em várias frentes, incluindo as que oferecem ganhos de eficiência energética, como a troca de aeronaves e ajustes operacionais. Mas a principal medida deverá ser investir na construção de uma cadeia robusta e financeiramente mais acessível de produção de combustíveis sustentáveis para aviação — o SAF (Sustainable Aviation Fuel) ou bioquerosene, como é mais chamado no Brasil.
Embora a tecnologia já exista e a própria Gol já tenha feito mais de 300 voos com uma porcentagem de bioquerosene no tanque, a operação ainda não é viável comercialmente e em larga escala. No mundo todo, de acordo com o executivo, o combustível sustentável é usado em menos de 0,1% das operações. Por outro lado, a aviação representa 2% das emissões de gases de efeito estufa.
Com a emergência climática batendo na porta sem pedir licença, é preciso começar o trabalho hoje para termos, o quanto antes, voos mais sustentáveis cruzando os céus. Na entrevista a seguir, Pedro fala sobre os desafios do setor e como a Gol tem buscado fomentar esse novo ecossistema da aviação sustentável.
Como a Gol pretende atingir a meta de emissão líquida zero até 2050?
Trabalhamos com uma cesta de medidas que vão ajudar a chegar neste resultado, algo que é respaldado pela IATA (International Air Transport Association). Tem as melhorias tecnológicas, relacionadas a aeronaves mais modernas e econômicas, com motores mais eficientes.
Hoje, é possível conseguir uma melhoria de 1% ou 2% em eficiência de combustível no desenho e fuselagem do avião, e 13% quando usamos aeronaves com motores mais eficientes. Em geral, a frota total de aeronaves leva cerca de 10 anos para ser trocada, ou seja, em 10 anos podemos conseguir uma eficiência de 15%.
Melhorias na infraestrutura e gestão de aeroportos também ajudam porque podem representar menos tempo de avião com o motor ligado no solo. Parece bobagem, mas é 0,5% a mais de gasto em um voo.
Tem ainda o desenho das rotas no espaço aéreo. Hoje, voamos cerca de 10% a mais do que se voaria em linha reta. Mas esse é um tipo de mudança difícil de fazer porque o espaço aéreo é gerenciado por órgãos públicos. O que fazemos é participar de grupos de trabalho, apontar a nossa problemática, fazer sugestões
E o outro ponto é a substituição do combustível fóssil, o querosene de aviação, por combustíveis sustentáveis de aviação, que a gente chama no Brasil de bioquerosene. Hoje, o bioquerosene proveniente da soja reduz em torno de 70% das emissões, enquanto o da cana-de-açúcar reduz em torno de 80%.
Esses combustíveis são a grande chave da redução das emissões na indústria da aviação, que é uma grande consumidora de energia. Para levar 200 passageiros de São Paulo a Paris é preciso muitos gigajoules de energia. Essa grande quantidade chega a representar 2% das emissões de gases de efeito estufa do mundo.
E por que a Gol ainda não usa biocombustível nas operações do dia a dia?
Porque é caro. Tirando um pouco a crise do Covid, que é a maior crise da aviação civil desde a Segunda Guerra Mundial, o preço do combustível é nosso grande desafio. Estou falando do maior custo de uma empresa aérea, que chega a 40%. E o preço do litro do combustível sustentável é de 2 a 3 vezes maior do que o fóssil.
Apesar de já existir tecnologia disponível, análises de ciclo de vida e sustentabilidade suficientes para garantir que é possível atingir bons níveis de redução, ainda não conseguimos arcar com esse custo. Mas a perspectiva é que isso vai mudar.
A projeção é de que os biocombustíveis vão ganhar eficiência e o combustível fóssil vai ficar mais caro por causa das taxações sobre o carbono
A IATA tem um estudo recente apontando que em 2037 as curvas de custo do [combustível] fóssil e do renovável vão se cruzar. São coisas para frente, mas a gente tem que começar a trabalhar hoje, porque estamos falando de uma mudança completa da base de fornecimento do maior insumo utilizado pelo setor aéreo.
A Gol já fez mais de 300 voos com bioquerosene. Como e por quê?
Temos trabalhado desde 2011 em projetos de bioquerosene e já fizemos mais de 360 voos no modo campanha. Durante a Copa do Mundo de 2014, todos os voos da seleção brasileira saindo do Rio de Janeiro (Galeão) foram feitos com uma mistura de SAF.
Também fizemos o primeiro voo comercial no Brasil e o primeiro voo internacional brasileiro com bioquerosene (de Orlando, a Flórida, a São Paulo, em 2014, usando um “blending” na proporção de 10% do combustível renovável, obtido a partir da cana-de-açúcar e 90% de combustível fóssil).
Fomos fazendo marcos para demonstrar a nós mesmos que, na indústria aérea, o uso de bioquerosene não muda nada [em relação à performance do avião].
O conceito desse combustível é “drop in”, que se baseia na não modificação no sistema de combustível e motores das aeronaves. É simplesmente “pingar dentro”, no mesmo tanque, misturado com fóssil e usar. Até porque a indústria da aviação tem que ter flexibilidade.
De que forma a Gol trabalha para fomentar e acelerar essa transformação no setor?
A gente se envolve em tudo que tem a ver com bioquerosene. Um dos trabalhos mais relevantes é a Plataforma de Bioquerosene e Renováveis da Zona da Mata. O conceito foi desenvolvido em 2016 junto com a prefeitura de Juiz de Fora, em Minas Gerais, e outros parceiros.
Hoje, é um projeto que engloba mais de 50 municípios e trabalha na recuperação de áreas de proteção permanente, reservas legais e terras degradadas. Fazemos essa recuperação com o plantio de biodiversidade nativa e macaúba, uma oleaginosa brasileira capaz de produzir bioquerosene.
É um projeto de longuíssimo prazo, que terá resultados concretos daqui a 10 ou 15 anos. Este ano faremos a primeira colheita de frutos da macaúba que serão convertidos em uma pequena usina para biodiesel
É um trabalho de organização da cadeia produtiva que é relevante não apenas para a Gol, mas para toda a comunidade, porque faz recuperação das terras degradadas e está ligado a um programa de recuperação de águas e recursos hídricos da região da zona da mata — o que gera inclusão socioeconômica na região. Acreditamos que daqui a 10 anos Juiz de Fora será um polo produtor de bioquerosene.
O que falta para o combustível sustentável ganhar espaço no mercado?
Políticas públicas. O Brasil tem a matriz energética mais descarbonizada do mundo, tem tradição na produção de soja, cana e sebo bovino, tem solo e sol, mas não tem política pública.
Hoje, o grande esforço da Gol é a construção de uma política que nos dê condições de consumir competitivamente esse combustível, de uma maneira que não tire a sustentabilidade econômica do negócio.
A Gol sabe do impacto climático que tem, mas não adianta resolver esse desafio fechando as portas e não voando mais. Queremos desenvolver um ambiente regulatório que permita ao investidor instalar uma planta de bioquerosene no Brasil e se sentir confortável em fazer o investimento — mas que nós também tenhamos previsibilidade e garantia de escalabilidade desse produto dentro do mercado
Para resolver um problema, gera-se custos. Os países que estão na frente estão vendo isso como oportunidade de desenvolvimento industrial. Estados Unidos e Europa veem a produção de bioenergia como uma mudança de patamar tecnológico. Eles querem vender tecnologia. Então, a gente vê isso como uma oportunidade e um custo a ser pago — mas não queremos perder a nossa competitividade no mercado.
Quais os principais insumos que podem virar bioquerosene?
Os primeiros insumos do biocombustível de aviação virão das commodities tradicionais, como o óleo de soja, o açúcar e o álcool. As outras são biomassas promissoras e vão ter um grande valor no futuro, como os resíduos urbanos, da agricultura e florestais,
O carro elétrico é uma realidade cada vez mais próxima. E o avião elétrico, já existe?
A aviação elétrica vai ser uma realidade daqui a 10 ou 20 anos, mas em voos de até uma hora e meia com 80 ou 100 passageiros. A capacidade de acúmulo de energia por quilo de bateria, ou seja, quanto um quilo de uma bateria consegue guardar de joules para fazer o avião voar, não permite fazer voos mais longos e mais pesados com segurança.
Hoje, já existem competições de acrobacias de aeronaves monomotores pequenas, 100% elétricas, conhecidas como a Fórmula 1 da aviação. Essa é uma forma de testar esse tipo de tecnologia.
A Gol conseguiu ganho médio de 2% de eficiência no uso dos combustíveis entre 2010 e 2020. Como chegou nesse resultado?
Com a renovação de frota e as melhorias em políticas operacionais. Vou te dar um exemplo: antes, uma aeronave carregava 80 quilos de papel, entre revistas, livros e manuais — ou seja, era um passageiro a mais. Trocamos tudo por dois iPads. Esse tipo de mudança na condução das políticas operacionais ajuda no ganho de eficiência.
Existe plano de comprar créditos de carbono?
Se tudo isso não acontecer na velocidade que queremos, vamos ao mercado de crédito de carbono. O crédito de carbono é uma medida de transição para uma economia descarbonizada. A solução definitiva é a redução das emissões; mas, enquanto isso não acontece, vamos usar soluções transitórias.
Como a Gol se organiza internamente para tratar de sustentabilidade?
A partir do segundo semestre de 2020, montamos uma estrutura transversal dentro da empresa, o comitê de ESG, o qual tem executivos seniores e membros do conselho de administração. Eles são apresentados a todas as demandas dos projetos.
Paralelamente, criamos um programa de mentores, onde gravamos conversas entre as nossas lideranças na área de ESG com mentores externos à corporação. O próximo passo é tornar esse material público para os 14 mil colaboradores em uma campanha de comunicação interna.
A pandemia impactou duramente o setor da aviação. Teve impacto, também, nos planos de sustentabilidade?
Na verdade, a pandemia turbinou esses planos. A Gol já tem uma grande maturidade de governança, mas houve uma sensibilização do nosso nível C [os executivos da alta liderança] quanto à temática de sustentabilidade, itens ambientais e sociais. Um tema que era mais marginal subiu e ganhou mais espaço.
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