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“Cuidado com a saúde emocional não ajuda só na pandemia: é tendência que deve perdurar”, diz CEO do Gympass no Brasil

Cláudia de Castro Lima - 7 maio 2020
Priscila Siqueira, head do unicórnio brasileiro e parceiro da Sodexo, conta como o mercado fitness está enfrentando a crise provocada pelo coronavírus – e como deve se reinventar Foto: iStock
Cláudia de Castro Lima - 7 maio 2020
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Em abril, em plena pandemia do novo coronavírus, com o mundo enfrentando a pior crise econômica desde a Grande Depressão, a executiva Priscila Siqueira arregaçou as mangas e assumiu uma nova missão: tornou-se a CEO no Brasil do Gympass, depois de quase um ano e meio atuando como vice-presidente de vendas.

A startup brasileira, criada em 2012 e que virou unicórnio em 2019, é parceira da Sodexo nas soluções de Bem-estar & Saúde e oferece benefício corporativo de acesso ilimitado a uma rede global de 23 mil academias no país inteiro – ao todo, nos 14 países em que atua, são mais de 55 mil. Academias que, do dia para a noite, tiveram que fechar suas portas por causa do isolamento social necessário para conter a disseminação da Covid-19.

A executiva assumiu o cargo de CEO do Gympass em plena pandemia

A nova ordem mundial está obrigando todo mundo a se reinventar. Não foi diferente com o mercado fitness. “Foram os 50 dias mais intensos da nossa organização”, diz Priscila, que tem em seu currículo uma experiência de 11 anos na Oracle, sendo três deles como VP da Oracle Digital para a América Latina, e que também trabalhou em empresas como Petrobras, Vivo, Bradesco, Banco de Chile e Bimbo México, entre outras.

Nesta entrevista, concedida via Zoom, Priscila explica como o Gympass vem enfrentando a pandemia, conta as ações criadas para ajudar as academias parceiras e as tendências que devem permanecer – além de revelar o que ela própria tem feito para manter a sanidade física e mental.

A pandemia afetou praticamente todos os setores da economia. No segmento fitness, as academias, que são as parceiras do Gympass, foram obrigadas a não funcionar. Como isso impactou o negócio?
Somos uma plataforma de benefício corporativo para atividade física. A empresa nos paga um valor para usar a plataforma [que tem academias parceiras cadastradas] e os colaboradores da empresa escolhem um plano que faça sentido para eles e pagam a coparticipação. É um marketplace de três pontas, uma relação de ganha-ganha: a empresa oferece um benefício que leva saúde e bem-estar para seus colaboradores; o usuário tem a possibilidade de frequentar uma academia ou praticar uma atividade física que ele provavelmente não tinha antes, em um ponto mais acessível, quebrando a barreira de distância, preço e de ficar preso num contrato, e a academia recebe um público que antes não a frequentava. Hoje, 80% dos usuários de Gympass não eram matriculados em uma academia. Dito isso, imagina o impacto dentro desse ecossistema quando as academias se fecharam? Meu produto final não estava mais disponível. O RH das empresas perguntava: “E agora, como faço? Agora que meus colaboradores estão em casa, como manter o bem-estar e o equilíbrio mental deles?”.

E o que vocês fizeram?
Para continuar agregando valor para esse ecossistema, lançamos três novas opções. Já estávamos para colocar no ar uma plataforma de bem-estar. E, acompanhando o que estava acontecendo na Itália e em outros países, conseguimos oferecer essa solução logo. Em vez de nós gravarmos os conteúdos, pegamos os melhores aplicativos que existiam e, com a mesma mensalidade que a pessoa já paga do Gympass, ela agora tem acesso ao conteúdo deles. Temos, por exemplo, BTFit, da BodyTech, para atividade física; TecnoNutri, para nutrição; ZenKlub e Zen, para saúde mental; Wellness Coach, com historinhas para ajudar a criança a dormir. Começamos com seis aplicativos, fechamos abril com 50 e devemos ter 100 até o fim de junho. Outra coisa que fizemos foi habilitar as academias a promover aulas lives. Muitas delas já pensavam em oferecer isso antes da pandemia, mas não sabiam como. Trabalhamos fortemente apoiando-as nessa transformação. Fornecemos uma plataforma para elas poderem gravar e demos consultoria de como fazer isso. A terceira coisa, que estamos colocando no ar agora nesta semana, é o personal trainer virtual. A pessoa pode agendar um horário com um personal mesmo, mas de forma virtual, usando plataformas como o Zoom. Ele pode corrigir o usuário, interagir com ele.

Como essa nova estratégia foi traçada num tempo tão curto? Me conta um pouco dos bastidores?
Apesar de termos crescido, nunca perdemos o mindset de startup. Temos isso de precisar ser rápido, de testar. Entendemos o erro e aceitamos ele. Erramos, não deu certo? Mudamos. E esse momento nos colocou à prova. Pensamos: o que vamos fazer? Vamos tentar fazer o melhor ou sermos rápidos? E priorizamos bastante a velocidade. Claro que agora o produto está muito melhor do que no começo de abril. Mas lançamos para o usuário uma versão beta de uma solução sem medo de ser feliz. Temos um time no Brasil, um em Portugal, outro em Nova York. Juntamos esse pessoal de uma forma que trabalhamos mesmo 24×7, se considerarmos o fuso, para lançar tudo isso em semanas. Obviamente que as coisas mudaram no meio do caminho. A gente tinha a ideia de vender o serviço de wellness de uma outra forma. Mas pensamos que dentro do plano ele agregaria mais valor e mudamos de ideia. E teve também a questão com o time de marketing e de vendas, principalmente, que conversa diretamente com o cliente. Isso também não foi simples. Imagina o que é pegar um produto que você estava acostumado e mudar em uma semana? E daí passa uma semana e ele tem que mudar de novo? Cheguei a fazer três reuniões com o time de vendas por semana.

Depois disso tudo, vocês tiveram que usar esses apps mentais, não?
[Rindo] E usamos mesmo, até porque queremos saber exatamente como funcionam. Uma coisa bem “walk to talk”. E obviamente isso tudo muito em conjunto com os usuários, tendo feedback constante deles e das empresas. Comecei hoje uma reunião dizendo que foram os 50 dias mais intensos da nossa organização. Mas foi muito bom. Ver a evolução é muito legal.

O que você pode me dizer sobre essa evolução?
Fora o fato de que vamos chegar com até 100 aplicativos parceiros, tivemos 50 mil aulas programadas das lives em abril. E 10 mil academias que se cadastraram para oferecer essas lives. É um bom sinal. Se elas estão se cadastrando é porque estão vendo valor. E outra coisa legal que aconteceu é que vários clientes nos procuraram porque estamos oferecendo uma solução completa, mais holística, abrangente. Foram mais de 20 novos contratos em abril com empresas como B3, Colgate-Palmolive e Aços Cearense. Todo mundo que percebeu que precisava entregar algo mais para o colaborador.

Muito se especula a respeito de como o mundo vai ser no pós-pandemia. Com que cenário o Gympass trabalha?
A gente não sabe quanto tempo isso vai durar, quando vai ser essa tal “volta ao normal” e nem como ela vai ser. Pelo que temos acompanhado em outros países, não vai ser rápida. Portanto, não dá para saber. Então nós nos adaptamos. Se for para ser aula presencial, estamos preparados. Se não der para ser isso, temos alternativa. Acreditamos no poder da aula presencial, do contato humano. Mas arrisco dizer que a aula online pode ser uma nova fonte de renda para o parceiro mesmo depois da pandemia. Acredito que essas aulas lives vão ocupar um novo segmento de mercado, se apresentam como uma nova solução para o mercado fitness. Nosso desafio é a luta contra o sedentarismo, é tirar a pessoa do sofá. E agora ela pode até ficar na frente da TV para isso.

Muitos de seus parceiros vão ter problemas sérios de fluxo de caixa por muito tempo. Alguns devem até encerrar o negócio. Como vocês analisam essa possibilidade?
Desde o começo trabalhamos com esse tema. Temos hoje 23 mil parceiros aqui. Preciso continuar tendo essa capilaridade, essa cobertura. Por isso, precisamos apoiá-los. A primeira coisa que fizemos foi, lá no começo, como não sabíamos como as coisas seriam, antecipar o pagamento mensal que fazemos para eles de acordo com o número de usuários. Depois, os habilitamos a oferecer essas aulas online, que são uma nova fonte de renda. E agora estamos vindo com mais duas ações. Uma é um dos nossos braços, o Gympass Plus, que é basicamente um marketplace para academias, que faz negociação de aparelhos, por exemplo. A gente pode colocar em contato parceiros com empresas que façam algum empréstimo com taxas extremamente vantajosas. A outra coisa é para a promoção das aulas lives. Criamos uma campanha: quanto mais aulas o parceiro der, mais ele pode ganhar. É até R$ 25 mil adicionais. Isso tudo não é ajuda, não é assistencialismo. Em vez de dar o peixe, estamos ajudando-os a pescar. E estamos hoje bem melhor do que estávamos no começo da pandemia.

Qual a importância, neste momento, de parceiros como a Sodexo?
Os parceiros têm uma importância gigantesca para nós, principalmente os ligados a benefícios, porque a gente trabalha muito em conjunto para que eles possam entregar valor agregado para seus clientes. Neste momento, eles continuam sendo superimportantes, especialmente porque eles também foram fortemente afetados pela pandemia. Estamos trabalhando muito em conjunto para que eles possam mostrar para os clientes que, apesar de tudo que está acontecendo, eles têm valor agregado em seu serviço, o que inclui todos os benefícios do Gympass.

Além das aulas ao vivo, quais outras tendências que vocês acham que vieram para ficar?
A questão do cuidado com a saúde mental, que se provou tão importante agora, passa a ser uma tendência. E não só saúde mental na questão de fazer terapia ou meditação, mas também nas atividades como ioga, que trazem benefícios. Com a pandemia, antes as pessoas talvez não se sentissem à vontade para falar sobre isso. Agora, como estamos todos no mesmo barco, as pessoas estão mais livres. Não estamos nem tratando como “saúde mental”, e sim como “saúde emocional”, para sermos mais abrangentes. Isso é uma coisa que já era uma tendência, mas não era tão massificada. Tenho a sensação de que vai acontecer isso agora.

Quais lições o Gympass, que já nasceu dentro da economia criativa, pode dar ao mercado e também tirar dessa crise toda?
Aprendemos muito com nossos clientes, que a velocidade faz diferença no que podemos oferecer. O maior aprendizado que tivemos foi a questão de ter uma visão mais mais holística e mais integrada entre bem-estar e saúde. E mostramos que, mais do que a tecnologia empregada, o que faz a diferença é nosso mindset, nossa cultura. A agilidade, a história de não parar, de não ter medo do erro, de apoiar o ecossistema todo.

E você, além dos apps mentais, o que tem feito para manter a sua saúde?
Eu comecei a fazer treinos funcionais virtuais – e não parei. Mas eu gosto muito de correr e só esse exercício não estava dando conta. Eu sentia falta de cansar, suar. Precisava de endorfina. Então aluguei uma bicicleta de spinning [ela ri]. E olha as adaptações que acontecem em épocas como esta: os estúdios de spinning começaram a alugar as bicicletas que estavam ociosas. Esse do qual eu aluguei fez até parceria com uma outra empresa que criou uma espécie de central e aluga bicicletas de vários estúdios, porque não estava dando conta da quantidade de gente buscando. Muito bacana ver isso. Tenho também feito meditação, que era uma coisa que nunca imaginei que conseguiria. Só consigo meditação guiada, mas já é um começo. Tenho feito à noite e faz muita diferença.

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