Como se faz uma cidade inteligente? O senso comum nestes tempos modernos sugere algo como sensores instalados no mobiliário urbano, de bueiros a postes de luz, coletando dados e conectando equipamentos. Faz sentido, mas a abordagem puramente tecnológica será sempre incompleta. E a inspiração para uma resposta mais holística pode estar abaixo dos seus pés. “Uma colônia de formigas fica mais inteligente ao longo do tempo”, diz a jornalista Natália Garcia, criadora do projeto Cidades para Pessoas. “As formigas se encontram e trocam informações umas com as outras. A inteligência emerge a partir da interação entre os indivíduos.”
Criar um ambiente fértil à inteligência via troca de informações entre indivíduos: esta foi a missão que impulsionou o Prisma. Organizado pela GloboNews no último dia 2, em São Paulo, o festival de inovação com foco em empreendedorismo, sociedade e sustentabilidade mobilizou parte do time de profissionais do canal e tirou muitos paulistanos mais cedo da cama naquele sábado de sol. Antes das dez, o público já se aglomerava diante dos quatro coworkings de Pinheiros que acolheram o evento (Impact Hub, Virgílio 297, House of Work e Ahoy! Berlin), à espera das sessões gratuitas de “nutrição intelectual”, nas palavras do jornalista André Trigueiro.
Apresentador do Cidades e Soluções, Trigueiro mediou o encontro entre Natália e Washington Fajardo. De pé, o urbanista deu uma aula-show. Desmontou o modelo de modernidade de Brasília, comparou as manchas urbanas de Atlanta e Barcelona (com os mesmos 5 milhões de habitantes, a metrópole americana ocupa uma área 26 vezes maior e emite dez vezes mais CO2 em deslocamentos) e revelou a sua estratégia na época em que coordenava o projeto “Centro para Todos”, no Rio de Janeiro: caminhando com os responsáveis pelo serviço público, Fajardo apontava problemas e transmitia tudo pelas redes sociais. “Eles pararam de me chamar para o chope, mas o Centro hoje funciona muito melhor”, disse, divertindo a plateia.
A participação do público foi um dos atrativos do Prisma. Sem a tela da TV, os espectadores puderam interagir ao vivo com os convidados. Foi assim logo pela manhã, no Ahoy! Berlin, na sequência da conversa sobre a revolução do dinheiro digital. Quando a mediadora Juliana Rosa, apresentadora do Conta Corrente, abriu o tempo para perguntas, os dois palestrantes – João Pedro Paro Neto, presidente da Mastercard, e Rodrigo Batista, CEO do Mercado Bitcoin – se viram às voltas com questionamentos sobre a reação de bancos e empresas de cartões à ascensão do bitcoin, a necessidade de regulação do setor e a segurança das criptomoedas.
“A rede distribuída do bitcoin existe há oito anos e nunca foi corrompida, então eu tenho zero dúvida em afirmar que é o projeto de computação mais seguro da história da humanidade”, disse Batista. Sua empresa é a maior intermediadora de compra e venda de moedas digitais da América Latina e deve negociar algo como 1,5 bilhão de reais em 2017. “Se alguém conseguisse me hackear, poderia acessar uma quantidade obscena de dinheiro, o que arranharia a imagem da tecnologia.”
Nem todas as facetas da inovação são tão tecnológicas. Alexandre Pernet falou sobre sua Soul Kitchen, uma incubadora de projetos que conecta pessoas por meio do alimento. Uma das iniciativas é a Mesa da Vó, que todo mês traz uma matriarca de nacionalidade diferente para cozinhar e contar histórias. É um jeito de resgatar a tradição dos almoços de família e dos cadernos de receita, que se transformaram em relíquia à medida em que as mulheres conquistaram o mercado de trabalho. “No fim do ano, teremos um encontro de todas as avós. Faremos uma exposição de fotos, vamos exibir um documentário e realizar um ‘Vovó Talks’”, brincou Pernet.
O papo deu fome. Estacionados no pátio do Impact Hub, foodtrucks abasteciam o público e aquietavam os estômagos. Os mais resistentes persistiam e davam uma corridinha até o coworking mais próximo (ou pegavam carona na van ou no tuk-tuk que interligavam os vértices do Prisma). No Virgílio 297, Hanier Ferrer pôs os 16 participantes da oficina de hacking cultural para pensarem e listarem, com papel e caneta, dez ações que gostariam de ver implementadas em seus bairros.
A disposição para arregaçar as mangas seguiu forte após o almoço, na conversa mediada por Marcelo Lins, do GloboNews Internacional. Com um rosto sorridente de menina que contrasta com a maturidade do seu discurso, Alessandra Orofino apresentou o movimento de ação local Meu Rio (cofundado por ela em 2011) e a rede Nossas Cidades, um “laboratório de ativismo” que mobiliza membros na fiscalização de prefeituras, secretarias, câmaras de vereadores e agentes do poder público. Uma das ferramentas de combate é o Defezap, um canal de denúncias colaborativas. “Recentemente, provas que o Defezap obteve levaram ao indiciamento criminal de um comandante da Polícia Militar do Rio, que autorizou a invasão de casas que foram convertidas em bases militares numa favela carioca.”
No mesmo debate, Priscila Cruz atacou a falácia da universalização do ensino no Brasil, “uma mentira tremenda”. Mencionando uma amiga que, desanimada, parou de ler jornais, a fundadora do Todos pela Educação pregou uma receita de equilíbrio entre o otimismo e a indignação, e dividiu com a plateia uma estatística contundente que ressalta a relação inversamente proporcional entre educação e violência: cada 1% a mais de crianças na escola significa 2% de redução na taxa de homicídios.
Problemas podem apresentar múltiplas respostas; para o ensino, uma delas é a desescolarização proposta pelo movimento Unschooling, tema do encontro entre José Pacheco, da Escola da Ponte, de Portugal, e Leandro Herrera, CEO da Tera. Enquanto isso, em outro ponto do Prisma, a apresentadora Maria Prata, do Mundo S/A, conduzia a conversa que reuniu Alexandre Ullmann, diretor de RH do Linkedin, e Deborah Abi-Saber, gerente de RH da Red Bull. Na pauta, a recepção corporativa aos millenials e à sua pressa de dominação mundial. “A gestão hierarquizada não funciona mais nos dias de hoje”, explicou Ullmann. “O millenial quer participar das decisões. Se ele estiver fora disso, teremos um choque de gerações.”
Enxergar o futuro exige um novo olhar. Rawlinson Terrabuio, da Beenoculus, que cria soluções de realidade virtual com foco em educação, destacou um paradoxo: enquanto startups montam escritórios divertidos, com pufes coloridos, videogames e mesas de pebolim, a maioria das escolas ainda aferra seus alunos a um ambiente sonolento, ultrapassado, onde até mesmo o ubíquo smartphone (que poderia ser uma ferramenta de ensino) permanece proibido. Em breve, diz Rawlinson, sessões de realidade virtual nas salas de aula permitirão “teletransportar” os estudantes para fora da classe, deflagrando seu vínculo emocional com o conteúdo e multiplicando o potencial de absorção de conhecimento.
Por ora, o teletransporte físico ainda pertence à esfera da ficção, restrito a episódios de Star Trek. Assim, naquele fim de tarde paulistano, restou ao público do Prisma embarcar na van rumo ao happy hour de encerramento. Era hora de curtir a festa, os shows de Lila, Baoba Stereo e DJ Tamenpi. Após uma overdose de inteligência de oito horas seguidas, a pausa para a diversão, além de bem-vinda, serviria para processar as informações ouvidas durante o dia. O cérebro, afinal, nunca desliga.
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