Parece ser um consenso: o diálogo entre o meio corporativo e as universidades ainda é muito truncado. Falta uma integração maior que poderia ser decisiva para impulsionar o ecossistema de inovação brasileiro.
Por um lado, pesquisas acadêmicas nem sempre encontram uma saída para o mercado; por outro, empresas investem milhões em projetos sem saber que a solução pode já existir em algum laboratório universitário do país.
Para revolucionar a intersecção entre academia, ciência e indústria em inovação concreta, Lucas Delgado, 29, Daniel Pimentel, 30, e Rodrigo Brito, 40, fundaram a Emerge. A consultoria com foco em deep tech, criada em 2017, desenvolve projetos para empresas, mergulhando em pesquisas científicas complexas e transformando essas inovações em negócios.
Sócio e diretor de projetos e novos negócios da Emerge, Lucas afirma:
“Quando se fala em deep tech, todo mundo acha que vai demorar dez anos e gastar muito dinheiro para desenvolver — mas não é bem assim”
A estratégia se divide em três frentes: 1) mapear tecnologias existentes e propor sua aplicação no cotidiano corporativo; 2) atuar junto a universidades, oferecendo cursos e organizando projetos específicos em deep tech; e 3) cofundar startups com cientistas ligados a desenvolvimento tecnológico, para agregar valor a suas soluções.
“Esses três pontos estão conectados ao nosso coração e à nossa proposta de construir resultados a partir da integração de tecnologias deep tech e o mercado”, diz Lucas.
Lucas é engenheiro de produção, Daniel é graduado em direito e Rodrigo, em negócios e inovação.
Com formações diferentes, o trio tem em comum a participação anterior em empresas juniores — experiência que se provaria fundamental para a gênese da Emerge.
Lucas e Daniel, por exemplo, cursaram (por coincidência) a mesma Universidade Federal de Juiz de Fora — mas foram se aproximar de fato como diretores da Confederação Brasileira de Empresas Juniores, em 2016.
À frente de 25 mil empresários juniores distribuídos pelo Brasil, os dois desenvolveram projetos que hoje consideram como um embrião da Emerge.
O primeiro deles foi a expansão das empresas juniores para todos os estados brasileiros. Lucas relembra:
“Rodamos universidades públicas e privadas do Brasil inteiro, com realidades muito distintas e uma riqueza ainda pouco conhecida”
Outro foi a elaboração de um ranking de universidades empreendedoras, com o objetivo de posicionar as principais delas de acordo com esse critério.
Nesse momento, caiu uma ficha essencial: o mais importante dentro dessa realidade era a capacidade de transferir as tecnologias nascidas no ambiente acadêmico e fundar startups a partir delas.
Essas experiências abriram os olhos da dupla para o potencial desperdiçado no distanciamento entre a universidade e o mercado.
“Por que não vemos inovação acontecendo nessa intersecção entre universidade e indústria?”
Quando Rodrigo, que hoje é head de sustentabilidade da Coca-Cola na América Latina (e também já tinha participado de empresa júnior) se uniu à empreitada, o trio finalmente criou as bases da Emerge.
Nesse comecinho, a empresa “teve mais um tom de loucura e propósito do que de mercado”, diz Lucas:
“A gente ainda não sabia como tornar aquilo um negócio — só sabia que existia uma lacuna.”
Em 2017, a Emerge emergiu com o propósito de construir uma rede e um movimento de inovação com base na ciência.
“Nos dois primeiros anos, olhamos muito mais para a figura do cientista, para entender por que ele não está inovando e levando a pesquisa ao mercado”
Até por essa falta inicial de uma meta mercadológica, os empreendedores dizem não saber informar qual foi o investimento inicial no negócio.
“Nosso principal ativo foi o tempo, vendendo o almoço para comprar a janta por dois anos”, diz Lucas. Além do suor diário, o trio ia inserindo recursos sempre que necessário.
O problema é que, até aquele ponto, eles não tinham um negócio que se sustentasse, pois ainda não promoviam a aproximação com o mercado.
Por isso, em 2019 decidiram rever a forma de trabalhar. A Emerge passou a se posicionar como uma consultoria de inovação em deep tech, unindo demandas das companhias a tecnologias com potencial mercadológico.
O início não foi fácil, mas acabou acontecendo. “Batemos em 100 portas para um acreditar na gente”, diz Lucas.
Um dos primeiros cases foi o contrato com a BRF, empresa do ramo alimentício que nasceu da fusão entre duas das principais marcas de alimentos frigoríficos do país. Lucas conta:
“Em 2019, eles nos trouxeram o desafio de retomar a conexão que a Sadia tinha com as universidades antes de se fundir com a Perdigão. Queriam tecnologias que agregassem valor para o negócio”
Como a BRF ainda não sabia quais os focos dessa conexão, a Emerge precisou desenvolver um trabalho de ponta a ponta.
Desenvolver uma estratégia exigiu diálogos intensos com gestores da BRF, em que se definiram as áreas nas quais o país vinha se destacando tecnologicamente: combate ao desperdício e segurança de alimentos.
No caso da BRF, na hora de mapear as possíveis soluções, em vez de recorrer a uma chamada de startups, a Emerge fez um recorte de patentes pelo Brasil, conversando diretamente com os cientistas.
Foram mapeadas 74 tecnologias, das quais 16 participaram da fase de propostas. Entraram na conta desde um medicamento para tratar infecção no bico de aves até projetos de engenharia para descontaminar ambientes.
Como são tecnologias em desenvolvimento, não há prova de conceito. Nesse momento, Lucas frisa que a Emerge faz um recuo para entender onde aquela tecnologia pode agregar valor para o cliente, além de avaliar indicadores técnicos como custos e potencial.
O início da pandemia prejudicou o processo, e apenas duas tecnologias foram integradas. Uma delas foi o uso de luz ultravioleta para combater microrganismos, desenvolvido pela Biolambda, startup formada por cientistas da USP.
A tecnologia, antes usada para descontaminar pé diabético — complicação decorrente do diabetes não controlado —, passou a ser utilizada em esteiras de carcaça de frango.
“O problema da descontaminação era uma batalha eterna e fazia [a BRF] perder lotes inteiros. O projeto deu super certo, descontaminando mais de 99,99% dos microrganismos, e já está sendo escalado para todo o Brasil”
O processo acabou fazendo com que a própria Biolambda se reposicionasse no mercado, de empresa de medicamentos para uma companhia do ramo industrial, tendo firmado parcerias com marcas como Boticário e Palmolive.
“É um case que integra praticamente tudo que a gente faz na Emerge”, diz Lucas.
Assim como o exemplo partiu da indústria, a Emerge atrai clientes na academia e em centros de pesquisa, que buscam aplicações para as tecnologias que desenvolvem por lá.
Justamente quando os negócios começavam a deslanchar, a pandemia acabou freando o ritmo da Emerge, cortando pela raiz contratos promissores.
Com o fim do projeto da BRF, “tínhamos só mais dois meses de caixa para nos sustentar”, diz Lucas. “O grande desafio comercial era não saber o que significava aquilo [a pandemia] em termos de negócios.”
Pensando em manter a empresa de pé, os sócios criaram cursos de inovação, hoje ainda em funcionamento, para que os cientistas aprendessem como levar suas pesquisas para o mercado. Além disso, investiram em projetos e relatórios paralelos que garantissem recursos naquele momento difícil.
Passado o primeiro susto, algumas indústrias voltaram a buscar os serviços da Emerge.
“Algumas empresas de ramos como alimentos e saúde entenderam que não estavam sendo negativamente afetadas [pela pandemia], e começamos a receber algumas propostas”
Assim, no fim de 2020 a companhia conseguiu dobrar o faturamento em relação ao ano anterior — resultado que se repetiu em 2021.
O modelo de negócios da Emerge, explica Lucas, é a pura e simples contratação de serviço, seja a partir de uma empresa, universidade ou dos próprios cientistas.
“A gente desdobra a necessidade, modela um projeto usando nossas metodologias, presta o serviço — e o cliente nos paga.”
Ainda em 2020, a startup lançou seu principal projeto com foco em sustentabilidade: o Emerge Amazônia, que presta apoio a startups de tecnologia com insumos vindos da região.
De um total de 147 tecnologias das áreas de saúde, cosméticos e alimentos, a Emerge selecionou três para investir e fundar startups, duas de fitofármacos e uma de produção de ingredientes para a cadeia industrial.
Ao lado de parceiros como Boticário e Braskem, eles agora vêm ampliando esse programa, com o Emerge Biodiversidade, que elege tecnologias baseadas em biomas de todo o Brasil.
Em fase de avaliação das 241 tecnologias selecionadas, a startup vem juntando um fundo de 5 milhões de reais para investir em até sete delas.
Apesar de enxergar grandes desafios pela frente, como a baixa constante no investimento federal em ciência, Lucas sonha alto.
A meta a curto prazo é estabelecer a Emerge como principal via de integração de tecnologias deep tech no Brasil (e desfazer a ideia de que esse tipo de inovação exige sempre muito tempo e investimento):
“Precisamos mostrar isso ao mercado, criando a consciência de que se as companhias não se mobilizarem, vamos perder competitividade”
No horizonte também está a busca por cases cada vez mais sólidos, atraindo os olhos de companhias internacionais para as tecnologias brasileiras.
“É uma tendência global, com cada vez mais governos e empresas estrangeiros investindo nisso.”
Enquanto a Neuralink, de Elon Musk, investe em chips cerebrais, a Orby, de Duda Franklin, aposta em outro caminho. Ainda em busca de regulamentação, a startup de Natal sonha em inovar na reabilitação física com uma tecnologia não invasiva.
Lançar medicamentos de forma segura depende de testes clínicos com voluntários. Por meio da tecnologia, a Comsentimento ajuda a recrutar pacientes elegíveis e a viabilizar novos tratamentos para doenças como o câncer.
O brasiliense Callebe Mendes cresceu ouvindo que deveria prestar concurso público. Na contramão do desejo familiar ele fundou a Zapay, solução de pagamento de débitos veiculares que desburocratiza a vida de motoristas em todo o Brasil.