De leggings para crianças a peças confortáveis para todas as idades: a trajetória da Roupa para Brincar

Marília Marasciulo - 14 ago 2018
Telma Gagliardo e Renata Gallo falam da vontade de produzir roupas infantis sem tantos frufrus, distinção de gênero e que fossem mais resistentes.
Marília Marasciulo - 14 ago 2018
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Dizer que a Roupa para Brincar surgiu quase como uma brincadeira é meio que inevitável. Quando as amigas Renata Gallo, jornalista, e Telma Gagliardo, fisioterapeuta, ambas com 40 anos e de Tatuí, interior de São Paulo, tiveram a ideia de lançar uma marca de leggings para crianças, nem elas se levaram tão a sério. “Minha experiência com leggings era só no pilates”, conta Telma.

Hoje com uma base de clientes estabelecida (no Instagram, são 25 mil seguidores) e um faturamento anual de meio milhão de reais, o negócio se posicionou como uma marca especializada em roupas confortáveis para todas as idades e gêneros e pensadas para durar mais do que os ciclos de fast fashion, estimulando o consumo consciente.

Tudo começou em dezembro de 2014, nas férias escolares de verão. As amigas levaram os filhos — duas meninas de Renata e uma menina e um menino (na época bebês de colo) de Telma — para um passeio no shopping e, em uma loja de departamento, viram um biquíni com bojo para garotas de apenas 6 anos. Renata fala mais a respeito:

“Começamos a conversar sobre o que queríamos que nossas crianças usassem, até que chegamos ao legging”

Ela continua: “Achávamos a maioria das modelagens ruins, desbotavam no joelho, furavam muito. Naquele momento, resolvemos que iríamos tentar montar nosso próprio negócio de leggings para crianças”.

As estampas da Roupa para Brincar foram pensadas sem diferenciação para meninas e meninos.

Como não tinham histórico com um negócio próprio e, na época, o boom de empreendedorismo materno ainda não havia acontecido, elas foram bastante conservadoras. “Pensamos em fazer umas 60 peças e ver no que dava”, conta Telma. Tanto que o investimento inicial foi mínimo: 500 reais de cada sócia.

No mês seguinte, Renata partiu para as lojas do Brás e do Bom Retiro, bairros tradicionais de confecções e moda da capital paulista, fazer pesquisas de campo. Compraram os tecidos que consideraram de melhor qualidade, ligaram para todas as costureiras que conheciam e encomendaram as peças.

Em março de 2015, tinham o primeiro lote de leggings nas mãos. “Se eu tivesse que dar uma dica para quem tem vontade de empreender é não deixar a vontade morrer, porque essa agilidade com certeza foi crucial para criarmos o negócio”, diz Renata.

MONTANDO O PRÓPRIO CATÁLOGO

Com as peças em mãos, foram para o parquinho, tiraram fotos dos próprios filhos vestindo as calças coloridas e postaram nos perfis recém-criados nas redes sociais. O boca a boca fez as peças serem vendidas em um mês, principalmente porque tinham descoberto uma dor comum, como afirma Telma:

“Vimos que nosso drama era o de outras mães também. Ninguém aguentava mais ver roupas para crianças com renda, brilhos, frufrus que pinicavam”

Elas tiveram algumas cautelas, como fazer um registro de marca (que só ficou pronto em março deste ano), comprar o domínio de um site e criar logo um Instagram. Fora isso, afirmam que foi tudo bastante “caseiro” e elas foram aprendendo na medida em que faziam, sem nenhuma consultoria externa.

“Se a gente contratasse um consultor naquela época, talvez nos falassem que não daria certo ter uma loja só de um produto, especialmente para o público infantil, que é um dos mercados que mais estimula o consumo desenfreado”, diz Renata. Ao mesmo tempo, elas acreditam que, sem querer, acertaram na mosca com o produto que escolheram: ele é usado o ano inteiro, é fácil de fazer e é super democrático (pode ser usado por meninos, meninas e adultos).

SER CASEIRO TEM SUAS VANTAGENS

Por terem um processo caseiro e uma mentalidade mais conservadora ao fazer negócios, as sócias se depararam com desafios que funcionaram a favor delas. A começar pelo modelo de produção. O medo de investirem muito e ficarem com tecidos ou produtos encalhados fez com que adotassem um ciclo de reinvestir o lucro na própria empresa. Ou seja, nada de estocar uma estampa apostando que ela fosse ser um sucesso. O resultado era que, se ela, de fato, vingasse, quando voltavam às lojas para tentar comprar mais, era tarde.

Mesmo assim foi positivo: “Isso nos fez ganhar uma diversidade absurda de estampas. Sempre tínhamos o cuidado de escolher os desenhos mais bonitos, não infantis”. Elas afirmam que a diversidade também ajudou a dar diferentes caras ao único produto e a criar desejo em volta dele.

As empreendedoras também ficaram mais de um ano sem site próprio, só com divulgação em redes sociais. O catálogo em PDF era atualizado manualmente todos os dias e as vendas feitas por e-mail. “A gente trocava umas cinco mensagens até efetivar uma venda”, conta Renata.

Demorava, era pouco prático, mas, ao mesmo tempo, serviu para consolidar a rede de clientes. “Rolava uma torcida, uma interação, e temos consumidores que estão conosco desde a época do e-mail”, afirma Telma. Além das vendas online, elas passaram a frequentar feirinhas, o que ajudou ainda mais a expandir a clientela.

QUANDO AS MÃES TAMBÉM VIRAM O FOCO

Não demorou muito até que as mães começassem a pedir leggings para elas próprias. As sócias atenderam ao pedido e, hoje, os tamanhos vão desde bebê até GG (e os preços variam de 62 a 169 reais) . E, mesmo que seja um produto aparentemente simples, as modelagens estão sempre mudando — ajustes na numeração, no cós, no elástico etc. O foco é manter a qualidade, como afirmam:

“Nossa ideia é ter um produto que possa ser usado por muitos anos e passado de irmão para irmão, entre amigos, o que estimula o consumo mais consciente”

O fato de não terem coleções e lançarem novidades com base na demanda também vem da vontade de dar um freio no consumo. O sucesso inesperado, no entanto, deu pouco espaço para as amigas se planejarem e pensarem no que, de fato, queriam para a empresa e suas vidas. “A gente demorou para conseguir montar o site porque como a produção era pequena, não tínhamos portfólio para colocar lá”, diz Telma.

Atualmente, a marca faz calças em tamanhos que vão desde bebê até GG para adultos.

Um ponto que elas costumam reparar  é que percebem muitas mães querendo empreender para poder trabalhar de casa quando isso, na verdade, pode ser enlouquecedor. “Tem que saber ser muito regrado, o que pode ser difícil com crianças ao redor”, diz Renata.

Foi inevitável, mesmo que um pouco tardio, elas contratarem uma funcionária para cuidar do estoque e alugarem um escritório para, literalmente, colocarem a casa em ordem — já que o quarto de hóspedes de Renata havia se transformado no depósito da Roupa para Brincar.

No mês passado, deram mais um passo importante e lançaram uma nova versão do site, com um controle de gestão integrado. Embora as leggings ainda sejam o carro chefe, resolveram expandir o portfólio para outras peças. Agora, fazem também maiôs/collants (ironicamente, elas não têm intenção de fabricar biquínis, que deram início a toda história), short-saias, sungas e camisetas com proteção UV.

O DNA se mantém o mesmo: praticidade e conforto para todos os gêneros e todas as idades. “Antes nos perguntavam quando íamos fazer coisas para meninos. A gente explicava que as calças também eram para meninos, era só uma questão de treinar o olhar. Agora já não rola mais tanto isso”, conta Renata.

PSICANÁLISE PARA O BUSINESS

No início deste ano, porém, as sócias se sentiram um pouco desanimadas, pela falta de respiro para pensar no que queriam para o futuro da empresa.

Chegou, então, a hora de contratar uma consultoria, que funcionou quase como uma psicanálise para a marca. Identificaram assim que não queriam ter uma loja física, mas têm agora como meta ampliar as vendas no site, sem perder o contato com os clientes.

Também querem expandir a linha adulta, trabalhando as roupas e a identidade visual de uma forma diferente. “Nós enxergamos que ainda temos muito para crescer e construir”, dizem, já com a propriedade e a seriedade de quem sabe fazer negócios sem um pingo de brincadeira.

DRAFT CARD

Draft Card Logo
  • Projeto: Roupa para Brincar
  • O que faz: Roupas confortáveis para crianças e mulheres
  • Sócio(s): Renata Gallo e Telma Gagliardo
  • Funcionários: 1
  • Sede: Tatuí (SP)
  • Início das atividades: 2015
  • Investimento inicial: R$ 1.000
  • Faturamento: R$ 500 mil (em 2017)
  • Contato: [email protected]
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