Com menos de seis mil habitantes, Picada Café é uma cidadezinha de colonização alemã localizada na Serra Gaúcha, a 80 km da capital Porto Alegre. Ali, em meio à natureza e ao clima quase europeu, nasceu a Nordweg, uma marca de bolsas e malas em couro, feitas à mão e com garantia vitalícia (Isso mesmo. Acompanhe que vamos chegar lá!). Lutando “à distância” com concorrentes e usando a tecnologia a seu favor, o empreendimento é um case de criatividade e alguma obsessão.
Subi a Serra para conhecer a fábrica da Nordweg e seu fundador, Igor Gaelzer, 29. Apesar do nome alemão (se pronuncia “Nórdvég” e significa Caminho do Norte), a marca é 100% brasileira e foi fundada quando Igor tinha apenas 19 anos. Não bastasse Picada Café já ser uma cidade mínima, o QG da marca fica afastado do centro. Lá funcionam a sede administrativa e financeira e também um showroom. Bem perto está a fábrica, que também é o centro de logística do e-commerce da empresa, e conta com 26 funcionários.
Olhando redor, dá para entender porque o slogan da Nordweg é “Uma Vida Boa”. Além da típica calma de uma cidade pequena, a geografia faz de Picada Café destino de ciclistas de aventura e praticantes de parapente. Igor conta que este clima também foi uma inspiração para criar os produtos. “A gente quer que as mochilas sejam como álbuns de memória de tudo aquilo que você já viveu com ela nas costas”, diz. Por isso, quando viaja, Igor leva sempre a sua Nordweg de estimação. A mochila, segundo ele, já esteve no festival Burning Man, atravessou a Índia de tuk-tuk e percorreu a Europa, de carro, da Inglaterra até a Mongólia.
Para carregar tantas histórias, os produtos da Nordweg precisam durar muito tempo. “O couro dura para sempre, mas pode quebrar um zíper ou abrir uma costura. Quando isso acontece, a pessoa não quer se desfazer do produto”, conta ele. Pensando nisso, e inspirado em uma marca norte-americana, a Nordweg oferece garantia vitalícia aos clientes. Igor, que criou a marca dentro da família, conta que houve resistência:
“No início, ninguém acreditava que dar garantia vitalícia era um bom negócio. Meus pais não queriam e os lojistas também não”
Mesmo assim, ele foi em frente com a ideia e sentiu a aceitação logo no começo. “Quando começamos a vender online, percebemos que os clientes valorizam muito a ideia”, conta. Hoje, dez anos depois, a Nordweg vende em média mil produtos por mês e tem um faturamento anual de 4 milhões de reais. E a garantia vitalícia segue firme e forte. “Dá para contar nos dedos as pessoas que tiveram problemas e não entraram na garantia”, assegura Igor. “A gente gasta dinheiro com isso, deixamos de fazer anúncios tradicionais para focar na garantia”, afirma.
ESPÍRITO EMPREENDEDOR PARA INOVAR UM NEGÓCIO DE FAMÍLIA
Apesar de seus 29 anos, a experiência de Igor no mercado do couro é antiga. Desde guri, ele acompanha e auxilia o trabalho dos pais na fábrica de bolsas da família. A participação ativa nos negócios despertou seu lado empreendedor. “Comecei a pensar que seria legal se eu pudesse testar umas coisas diferentes, sem mudar a empresa inteira da minha família”. Igor tinha acabado de voltar de um intercâmbio nos Estados Unidos e sentia falta de uma marca voltada para o público masculino. “As pessoas estavam começando a usar notebook, smartphone, câmera e eles iam precisar de lugar para guardar essas coisas”, lembra.
Antes de propor o novo negócio aos pais, Igor analisou os riscos de tentar a fazer uma nova marca. “Nós tínhamos a mão de obra, que inclusive precisava de mais demanda, tínhamos o maquinário, o conhecimento e o estoque”, conta, mas a primeira proposta foi negada. Em 2007, fazer acessórios para homens parecia arriscado demais:
“Me disseram que marca masculina não vendia, que homem não gastava dinheiro com bolsa e que não ia dar certo”
Ele só conseguiu colocar ideia de negócio em prática quando fez um acordo: criaria uma marca em que pudesse testar novos produtos e ficaria somente com uma porcentagem do lucro obtido com os produtos. Deu certo. Os produtos começaram a vender e, em 2009, Igor viu na internet a oportunidade para expandir o negócio. Primeiro vieram os perfis nas redes sociais e um site para venda direta para lojistas. Logo em seguida, o e-commerce foi criado e, aí, a margem de lucro aumentou consideravelmente. “Desde então nosso faturamento praticamente dobra todos os anos. Em 2016 tivemos 110% de crescimento”, conta ele. Hoje, a loja virtual recebe 90 mil acessos por mês.
Com o sucesso de vendas, a Nordweg passou a ser a marca mais produzida dentro da fábrica da família e hoje representa quase 100% da produção. Igor também passou a ser sócio da família nos negócios.
Com a nova posição, como empreendedor e sócio da produção, Igor viu também a possibilidade de modernizar as ferramentas e os processos do negócio familiar. “A empresa não tinha costume de usar tecnologia na gestão, nem de investir na inteligência das informações. Passamos a automatizar tudo que era possível na burocracia de controles, desde o estoque até o cálculo de custo”, conta.
DO VALE DO SILÍCIO PARA A SERRA GAÚCHA
Para modernizar de vez o negócio, Igor colocou em prática um outro sonho: trabalhar com tecnologia. Inscreveu-se no Dev Bootcamp, um curso imersivo de programação e desenvolvimento, que reúne alunos do mundo todo para terem aulas com os especialistas do Vale do Silício, nos Estados Unidos.
Com o aprendizado, Igor desenvolveu softwares online para organizar a gestão da Nordweg. Além da ferramentas de gestão, a plataforma de e-commerce também foi desenvolvidas por ele. “Somos uma empresa de produtos em couro e uma empresa de desenvolvimento de software”, brinca.
E não foi só o conhecimento técnico que Igor trouxe do Vale. A convivência com os profissionais mais modernos do mundo deu a ele um exemplo de modelo de gestão que agora é aplicado na fábrica em Picada Café. “A gente está começando a fazer feedbacks semanais com todas as frentes da linha de produção. Primeiro um retorno geral e depois um individual. No individual, as pessoas avaliam os colegas e os gestores”, conta, e diz que o novo modelo já mostra efeitos positivos.
Outra inovação que ele propôs: para conectar os colaboradores ainda mais à marca, hoje uma TV dentro da fábrica passa depoimentos e fotos de clientes satisfeitos com os produtos. “Quando a gente tem que fazer uma mudança na produção e contextualiza com os relatos dos clientes, os próprios funcionários ajudam a fazer as mudanças. Isso foi um quebra de paradigma enorme na produção”. O contrário também acontece. A Nordweg faz questão de mostrar sua linha de produção com vídeos e fotos nas redes sociais da marca, e quer mais. “Um dia faremos tours na fábrica para mostrar também o que está além da linha de produção, como nossa horta, as ovelhas e a vista lá de cima.”
DÁ PARA SER SUSTENTÁVEL E TRABALHAR COM COURO?
De modo geral, a produção de couro ainda é um mercado bem tradicional e não muito preocupado com pessoas e processos. Nem todos os curtumes se preocupam e minimizar os impactos socioambientais da produção, por exemplo. Mas a Nordweg começou a buscar fornecedores que seguissem padrões internacionais. “Procuramos matéria-prima de curtumes que não usem produtos tóxicos”, diz Igor. Ele acredita que, no futuro, a tecnologia será uma grande aliada no processo de produção:
“No futuro, o couro poderá ser algo criado em laboratório”
Por enquanto, ele tenta comprar o material de quem está em uma cadeia produtiva mais humanizada. “Se estamos consumindo carne, os animais têm que ter uma vida digna. A gente tem que agradecer o alimento e usar o máximo do animal possível. Qualquer desperdício é uma falta de respeito”, afirma. Com as sobras da produção, a Nordweg faz as carteiras e chaveiros. A fábrica também usa os retalhos para fazer bolsas ou vende para outras empresas.
A REAL DE EMPREENDER NO BRASIL
Apesar dos ótimos números e de um potencial para expandir as vendas online, a Nordweg esbarra em normas e leis que Igor considerada uma barreira para o desenvolvimento do empreendedorismo no Brasil. “Temos muito potencial para expandir pelo e-commerce, mas atingimos o limite no Simples Nacional. Teve também a questão da nova regra do ICMS no e-commerce que dificultou bastante a vida. As coisas no Brasil são muito complicadas, porque tem uma ganância do governo e cria obstáculos nos negócios”, diz.
“Eu fico um pouco frustrado. Todos os nossos problemas são solucionáveis com trabalho, mas esse não. Foi uma limitação criada por uma lei que ajuda a gerar uma escassez”, opina. O desapontamento acabou virando combustível para ele, que passou a escrever artigos sobre empreendedorismo na plataforma Medium.
E o trabalho continua. A marca investe em vendas fora do Brasil. Há dois anos, a Nordweg tem um perfil no Shopify, uma plataforma de e-commerce internacional que rende, por enquanto, de um a dois pedidos por mês. Abrir uma loja física também está nos planos do empreendedor. A marca quer migrar seu QG e abrir uma loja em Nova Petrópolis, cidade vizinha de Picada Café, mas com mais apelo turístico.
Enquanto a loja física não vem, a Nordweg começa a apostar em um design mais minimalista. Recentemente, a marca lançou dois novos produtos, feitos em couro preto, em vez do tradicional marrom escuro. O objetivo é modernizar os modelos e também a comunicação. Até o fim do ano, Igor quer colocar no ar um novo site e uma nova linguagem visual, que em parte já pode ser vista no Instagram da marca. Mesmo repaginada, a Nordweg manterá o espírito que a trouxe até aqui, pois, como ele diz: “Os valores de uma empresa têm mais importância que o marketing. Não dá mais para separar uma coisa da outra”.