Recentemente, o Fundo Monetário Internacional anunciou que, num cenário otimista, o PIB per capita deve encolher em mais de 170 países. Em parte, a severa crise econômica que se aproxima em decorrência da Covid-19 é resultado da falta de planejamento das nossas instituições e organizações para mudanças dessa magnitude. A ineficácia na gestão de mudança aparece agora na crise de longo prazo, que vai reverberar pelos próximos anos. E, para as micro e pequenas empresas, a luta pela sobrevivência já começou.
Infelizmente, o coronavírus potencializou o horizonte de incertezas que marca nossa época. Lideranças se deparam agora com um macroambiente volátil e um microambiente que apresenta inúmeras alternativas. A complexidade é tamanha que a maioria das lideranças se sente soterrada pelas opções em curso, incapaz de tomar decisões. Paralisados, movidos apenas pelo instinto de sobrevivência, os líderes não agem — apenas reagem.
A economia comportamental estuda o fenômeno há décadas e lhe dá o nome de decision paralysis ou decision fatigue (“paralisia de decisão” ou “fadiga de decisão”, em português). Num artigo de 2000 intitulado “Quando a escolha é desmotivadora: pode-se desejar demais coisas boas?” (leia aqui, em inglês), Sheena Iyengar e Mark Lepper demonstram que, conforme as opções de escolhas aumentam, o mesmo ocorre com a dificuldade em decidir.
Em resumo: mais opções não costumam traduzir-se em melhores decisões. Há um termo novo que explica esse padrão comportamental e ajuda a nos tirar da inércia: Fear of Better Options (FoBO), cunhado pelo mesmo autor — o investidor Patrick McGinnis — de outra expressão, FoMO (Fear of Missing Out, ou “medo de ficar de fora”, em tradução livre).
No setor privado, o medo de escolher o “pior caminho” gera frequentemente paralisia em diferentes níveis da organização, da diretoria executiva aos analistas. Afinal, é mais comum ver demissões e trocas entre executivos por tomadas de decisão que levam a resultados ruins do que por omissão — ainda que esta leve a resultados ainda piores.
Como podemos, então, facilitar a tomada de decisão na complexidade sistêmica? A resposta está na análise de risco. McGinnis sabiamente sugere a divisão de qualquer decisão em três categorias: (a) sem risco; (b) baixo risco; e (c) alto risco.
Decisões sem risco:
O que você comeu ontem no almoço? Qual foi o horário da reunião de equipe? Já se esqueceu? Pois bem, esses são exemplos de decisões que não carregam riscos significativos para sua vida ou negócio; em geral, são essas as escolhas que você vai esquecer em poucas horas. Para essa categoria, a recomendação não poderia ser mais simples: não perca seu tempo. Terceirize a decisão para a sorte, o acaso ou o óbvio e siga sua vida. Decisões sem risco compõem cerca de 60% do total de escolhas que fazemos diariamente.
Decisões de baixo risco:
Qual plataforma de videoconferência você vai usar para fazer suas reuniões durante a quarentena? A escolha importa, claro, mas é realmente essencial? Pois bem, terceirize a decisão a uma pessoa de sua organização. Peça para que façam uma pesquisa, alguns testes e apresentem as melhores opções. Avalie e decida sem investir seu tempo pessoal para além do necessário. Decisões de baixo risco compõem cerca de 30% do total de escolhas que fazemos.
Decisões de alto risco:
Decisões de alto risco compõem cerca de 10% do total de escolhas que fazemos. Essa é a categoria que verdadeiramente importa para nós. Isso porque a Covid-19 provavelmente aumentou de maneira significativa a quantidade de decisões de alto risco que você vai tomar nos próximos meses. E como nosso tempo é escasso, é preciso desalojá-lo das outras categorias e ocupá-lo somente com as decisões de alto risco — é nestas que você precisará concentrar seus esforços.
Aqui, estamos falando de decisões de estratégia, de mobilização de pessoas em larga escala, de design organizacional, de contratações-chave e investimentos significativos, das diretrizes de posicionamento de marca, do lançamento de novas unidades de negócio, do nível de investimento em determinada vertical.
CINCO FERRAMENTAS PARA FACILITAR TOMADAS DE DECISÃO DE ALTO RISCO
Nas decisões de alto risco, podemos começar buscando a pergunta radical — aquela que está na raiz da geração de valor de nossa escolha. Para isso, recomendo a utilização de cinco ferramentas simples: “Hedge decisório”, “Breakdown (dividir o desafio em problemas menores)”, “Reframing (mudar o ângulo ou escopo)”, “Análise histórica” e os “Cinco porquês”.
Ao determinar o curso de ação de grandes organizações em meio à crise, é comum ouvir entre lideranças a discussão sobre “o que vai acontecer com nosso mercado nos próximos 24 meses?”. Uma resposta precisa é impossível. Comecemos, então, aplicando o “breakdown”, ou seja, quebrando essa grande questão em outras menores, e utilizando as demais ferramentas citadas acima. A soma das questões abaixo pode nos trazer insights bastante mais preciosos para uma estratégia assertiva:
1. Análise Histórica: Quais mudanças nos comportamentos de consumo ocorreram em crises análogas ao longo da história? De que maneira a crise atual é distinta?
2. Reframing: Quais transformações (vetores de mudança) já em curso hoje devem ganhar tração e velocidade em decorrência de novos hábitos? Quais tecnologias digitais e sociais se tornarão mais acessíveis e portanto mais disseminadas? Por quê?
3. Reframing: Quão significativo é o poder de influência da nossa organização no mercado em que atuamos? Quanto do futuro de curto prazo deste mercado será determinado pela nossa estratégia?
4. Reframing: Qual proposta de valor “must have” que eu possa oferecer a clientes e parceiros (considerando nossa expertise, recursos e percepção de marca) tem diferenciais significativos em relação à concorrência, barreira de entrada elevada e alta escalabilidade (retornos crescentes de escala ou custo marginal zero)?
5. Hedge decisório: Como podemos fazer investimentos em inovações de produto, tecnologia ou modelos de negócio a fim de diversificar nosso risco de forma proporcional? (O ideal é que os investimentos de maior risco gerem proventos minimamente significativos, para o caso de que sua estratégia core não esteja completamente correta).
Após responder a todas essas questões, aplicamos os “cinco porquês” a cada uma delas, levando a entendimentos profundos e a uma visão crítica que permitirá emergir numa estratégia única — ao invés de uma escolha entre milhares de decisões possíveis.
Mudam os tempos, as crises e os fatores de decisão, mas a capacidade crítico-analítica de definir com coragem a estratégia e comunicá-la de forma inspiradora para toda a equipe segue sendo o principal fator de sucesso entre executivos e tomadores de decisão. Aos omissos, resta um capítulo pálido e ordinário na história.
Herman Bessler é estrategista, empreendedor em série e fundador do TEMPLO.cc, da MALHA.cc e do Journey.cc. Nos últimos sete anos, dedicou-se a mentorias, pesquisa e consultorias de inovação em transformação digital, cultura e o futuro do trabalho em centenas de startups e corporações. Entre 2018-19 foi diretor do Rio Criativo incluindo o programa de incubação de startups e a formação de mais de 10 000 empreendedores criativos em 13 cidades. Hoje, é facilitador, advisor e diretor-executivo do grupo Templo.cc.
Como reagir rapidamente às ameaças em um mundo onde as certezas mudam a cada instante? Lidar com esse desafio (na vida e no trabalho) é o tema do novo livro da consultora Tonia Casarin. Leia um trecho.
Marcelo Nakagawa, professor de inovação do Insper, derruba mitos e explica como pequenas e médias empresas podem e devem embarcar na transformação digital (se não quiserem comer poeira da concorrência e fechar as portas).
As mulheres são só 15% dos parlamentares eleitos no Brasil. Isabela Rahal, da organização Elas no Poder, explica o que precisamos fazer enquanto sociedade para aumentar esse índice e construir um país melhor para todo mundo.