Nos últimos anos, um tema que tem chamado cada vez mais a atenção tanto de empresas como de consumidores é a sustentabilidade.
Por outro lado, muitas pessoas se esquecem que o assunto não engloba apenas preocupações ambientais, mas também sociais e de governança.
Afinal, a sigla ESG (“Ambiental, Social e Governança”, em português) não está em alta à toa e existe para ser uma verdadeira referência.
Sendo assim, um aspecto crucial dessa discussão que não podemos deixar em segundo plano é responsabilidade das empresas em relação às suas cadeias de fornecimento, especialmente no que diz respeito à contratação de prestadores de serviços que operam em condições degradantes ou análogas à escravidão
Infelizmente, muitas ocorrências desse tipo continuam surgindo, ainda que pudessem ser evitadas se as organizações fizessem o básico.
Casos recentes de trabalho escravo no Brasil, como os das vinícolas do Rio Grande do Sul e da BP Bunge, revelam uma falha sistêmica na gestão de risco de fornecedores.
Nas duas situações, as empresas não seriam contratadas se uma diligência mínima tivesse sido realizada. Para não entrar em aspectos mais profundos de análise, somente a verificação de investimentos seria o suficiente para eliminar qualquer chance de união a essas organizações
Ambas possuíam um capital social que, de acordo com a lei, permitia a contratação de no máximo 20 colaboradores. No entanto, essas mesmas companhias foram contratadas para fornecer serviços que exigiam mais de 100 colaboradores.
Esses casos ilustram uma metáfora poderosa: a ponta do iceberg reverso. Lá no fundo, apesar de ser difícil de detectarmos, temos problemas graves de condições de trabalho análogas à escravidão.
Porém, acima da superfície, há uma vasta “ilha” de adversidades, como a falta de capacidade operacional, condições financeiras precárias e diversas outras irregularidades que, se devidamente verificadas, poderiam ter evitado a contratação desses prestadores de serviços.
Quando uma empresa ignora esses sinais, ela está essencialmente guiando seu “navio” em direção a essa ilha de problemas profundos e generalizados. E acredite, não são poucos…
A ausência de processos básicos de gestão de risco de fornecedores é um tanto alarmante. Em muitos casos, como exemplificamos, apenas verificações simples poderiam ter evitado a contratação de fornecedores que não possuem a capacidade de cumprir os requisitos legais e operacionais para realizar o serviço em questão.
Então, obviamente, a única pergunta que surge em meio a esse cenário é: por que tantas organizações ainda falham em implementar esses processos básicos?
Uma possível resposta é a falta de consciência ou priorização do risco em nível executivo, do diretor de compras, do CEO ou do conselho de uma empresa
Em um mundo cada vez mais dinâmico e orientado por resultados de curto prazo, muitos gestores podem optar por ignorar esses problemas em potencial em busca de economia ou agilidade na contratação.
Contudo, essa abordagem pode ser completamente desastrosa, principalmente quando pensamos a longo prazo.
As consequências da falta de diligenciamento adequado vão muito além do grave impacto direto sobre os trabalhadores.
Empresas que são flagradas empregando fornecedores que utilizam mão de obra análoga à escravidão enfrentam uma série de penalidades, que podem incluir multas pesadas, processos judiciais e danos à reputação que chegam a levar anos para serem reparados.
Além disso, também pode comprometer a relação com consumidores e investidores, que cada vez mais exigem transparência e responsabilidade social das marcas com as quais se associam
Vivemos em um mercado totalmente globalizado, onde as informações circulam rapidamente, então a imagem de uma companhia pode ser rapidamente comprometida por práticas inadequadas em sua cadeia de fornecimento.
O primeiro passo para as empresas enfrentarem todos esses desafios com certeza é o investimento em tecnologias avançadas.
Atualmente, há soluções tecnológicas que realizam um monitoramento contínuo de seus fornecedores, que podem analisar grandes volumes de dados de forma eficiente e identificar riscos potenciais antes que se tornem problemas reais
Por exemplo, a utilização de inteligência artificial para a leitura automática de documentos, como balanços financeiros e declarações de resultados, permite uma análise detalhada e em tempo real da capacidade operacional dos parceiros comerciais.
Além disso, modelos avançados de classificação de risco podem ajudar a detectar padrões de comportamento que indicam possíveis problemas futuros, possibilitando que as organizações tomem medidas preventivas.
Investindo em tecnologias como essa, a empresa consegue implementar uma estratégia de diligenciamento eficaz e precisa. Com isso, demonstra ao público sua preocupação real com as práticas ESG, assim como garante uma estrutura de compliance sólida e adequada aos dias atuais.
Para completar, essas organizações ainda se tornam referências a serem seguidas, mostrando que a competitividade não está relacionada à priorização do lucro a qualquer custo.
A própria metáfora do iceberg reverso nos lembra que, para evitar desastres, devemos olhar para além da superfície e identificar a grande ilha de sinais de alerta que indicam os nossos maiores desafios.
As empresas que entendem essa alegoria sabem que o único caminho é a construção de um mercado mais justo e sustentável. E o enfrentamento à contratação de prestadores de serviços que operam em condições análogas à escravidão, com a implementação de processos básicos de gestão de risco na cadeia de fornecimento, está no centro dessa jornada.
Portanto, em um mundo onde a responsabilidade social e a sustentabilidade são cada vez mais valorizadas, as companhias que se destacarem nessa área estarão melhor posicionadas para crescer rapidamente e alcançar um novo patamar de inovação.
Lucas Madureira é engenheiro de produção pela Universidade Federal de Itajubá e mestre em Administração pela FEA-USP de Ribeirão Preto. Liderou equipes de alta performance em compras, operações, finanças e vendas em empresas como Ambev, Ericsson, Centauro e Rodobens. Atualmente, é cofundador e Co-CEO da Gedanken G-certifica.
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