Se você nasceu entre meados da década de 1970 e início dos anos 1990, já teve uma relação íntima com os produtos gerados pelo trabalho do engenheiro químico Eduardo Aledo, 62. Pelas mãos dele, e das equipes que coordenou, passaram algumas das inovações que permitiram o desenvolvimento da linha infantil da Johnson & Johnson no Brasil, entre os quais estão as fraldas descartáveis. Esta é a história de um inovador corporativo que se tornou, ele próprio, empreendedor. Hoje, cercado de gente que usou essas fraldas, está à frente de uma startup que transforma extratos vegetais brasileiros em produtos para outras indústrias, a Rubian.
Enquanto muitos de nós ainda engatinhávamos, vale dizer, Eduardo já estava em um laboratório em São José dos Campos (no interior de São Paulo), descobrindo formas de superar o protecionismo econômico do regime militar, buscando — e encontrando — fibras nacionais que tivessem as mesmas propriedades das utilizadas internacionalmente para toda sorte de absorventes íntimos, por exemplo.
“O Brasil passava por um momento muito difícil, porque o governo colocou muitas restrições, e tínhamos um desafio muito grande de, dentro do que tinha disponível de tecnologia aqui no parque industrial brasileiro, desenvolver essas resinas absorventes”, conta o engenheiro, que viria a se destacar e assumir posições estratégicas mais fora do que dentro dos laboratórios da multinacional.
Em seus 36 anos de carreira na Johnson & Johnson, Eduardo começou como estagiário, passou a pesquisador, depois supervisor, gerente, diretor regional e diretor global. Simples assim. Quando se aposentou, em 2014, era diretor global de Pesquisa e Desenvolvimento de Produtos Infantis e morava nos EUA. No mesmo ano, ele voltou ao Brasil com o radar ligado para oportunidades de empreender por aqui. Começava uma nova fase em sua vida, que resultaria na criação da Rubian.
MUITOS SAEM, MAS ELE ESCOLHEU VOLTAR, E EMPREENDER, NO BRASIL
Repatriado, aposentado, com um universo de possibilidades pela frente — inclusive a de não fazer nada — o engenheiro, nascido em Santo André (na Grande São Paulo), queria empreender, mas sem sair da área de atuação sobre a qual construiu carreira:
“Uma experiência nova é sempre legal, mas é bom poder aplicar meu conhecimento prévio no negócio que estou montando”
Antes de ir morar nos EUA, ele havia sido sócio de uma empresa de comercialização de resinas plásticas, entre 2000 e 2006, em Lorena (SP), cidade onde fez a graduação e o MBA, pela Universidade de São Paulo (USP).
Com os filhos criados, Eduardo e a mulher, Maria Aledo, decidiram se mudar de Princeton, no estado de Nova Jersey (EUA), para Campinas (SP), um dos grandes polos de inovação do Brasil. Também funcionária da Johnson & Johnson, por 23 anos, também engenheira química, também interessada em empreendedorismo e inovação, Maria é sócia da Baita Aceleradora, sediada no Parque Tecnológico da Unicamp, universidade estadual que está entre as campeãs nacionais de registro de patentes de inventos tecnológicos.
Sem tempo para muito descanso, Eduardo foi logo escalado para ser mentor empresarial do Desafio Unicamp, evento que estimula estudantes a desenvolver modelos de negócios para patentes registradas na Agência de Inovação Inova, da Unicamp. Mal havia desembarcado e já começava a surgir, em 2014, a primeira aposta que ele faria como empreendedor independente, livre da pressão corporativa que o acompanhou por décadas no ambiente multinacional.
Alex Matioli, 26, e Márcio Lopes, 26, foram os estudantes que receberam a mentoria dele e acabaram ganhando mais que um mentor: Eduardo tornou-se sócio do empreendimento desenhado nos três meses de Desafio Unicamp. As patentes escolhidas por eles como base para o negócio que criaram têm origem em pesquisas feitas na Unicamp, entre 2011 e 2013, e que resultaram na invenção de um processo de obtenção de extratos naturais usando o CO2 supercrítico (dióxido de carbono supercrítico), uma maneira ambientalmente mais responsável de fazer o processo.
Assim nasceu a Rubian Extratos. Seus produtos, além de terem origem natural e não-sintética, partem de matérias-primas da biodiversidade brasileira, a começar pelo urucum (base para um produto desenvolvido para tratar feridas difíceis e queimaduras) e pelo maracujá (cujo bagaço dá origem a um antioxidante natural). As substâncias são obtidas a partir de matrizes vegetais ou do aproveitamento de resíduos da agroindústria, que geralmente seriam queimados para gerar energia térmica, ou simplesmente descartados.
INOVAÇÃO BIOQUÍMICA E AMBIENTALMENTE RESPONSÁVEL
Gerados sob o conceito de clear by design ingredients, os produtos da Rubian buscam também atender a princípios de segurança, eficácia, transparência e respeito socioambiental. O resultado do processo com o CO2 supercrítico, mais limpo que os convencionais, é a criação de bioativos naturais: extratos vitamínicos, antioxidantes e corantes — insumos fundamentais para as indústrias de alimentos, cosméticos e nutracêuticos (como são chamados os nutrientes com capacidade de curar e prevenir doenças), por exemplo — que podem substituir os sintéticos. Eduardo fala da motivação em escolher este caminho:
“A esta altura da minha vida, investir em um negócio sem propósito socioambiental não teria fundamento”
Ele prossegue: “Na Rubian, alinhamos megatendências como sustentabilidade, segurança dos processos, meio ambiente e saúde, fazendo uma ponte entre o conhecimento acadêmico e as oportunidades de negócios”.
Por sua vez, Alex, gerente administrativo e financeiro da startup, formado gestor de agronegócio, pela Unicamp, conta que foi muito importante para ele começar a empreender com alguém que tinha a experiência de Eduardo: “Ele foi muito corajoso de começar um negócio com dois estudantes, confiando na nossa capacidade e nas nossas ideias”.
O nicho em que a Rubian atua tem, pelos motivos citados acima, grande potencial mas, como negócio propriamente dito, ainda demanda maturação. Eduardo conta que, para conseguir oferecer um produto adequado às demandas existentes hoje no mercado, foram necessários mais de dois anos de pesquisa, conduzida nos laboratórios da Unicamp, com recursos próprios da startup e também de dois editais da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), totalizando cerca de 500 mil reais.
“Partimos de uma pedra bruta e começamos a desenhar e refinar os produtos”, diz ele. “As atividades de pesquisa são permanentes, porque sempre precisamos adaptar as substâncias a demandas específicas de produtos específicos”, complementa Alex.
COMO É SER INCUBADO NA ACADEMIA
Desde 2015, os três sócios investiram 128 mil reais na consolidação da empresa, por meio de cotas bimestrais, ao longo de dois anos, tendo Eduardo como sócio majoritário. Quando a Rubian chegar a cinco anos de operação, o modelo societário prevê que Alex e Márcio tenham triplicado sua participação acionária na empresa.
Funcionando dentro da Unicamp, tendo sido incubada pela Agência Inova, a Rubian é uma das pioneiras no estabelecimento de contratos de licenciamento de patentes entre a iniciativa privada e universidades públicas. No acordo com a Unicamp, está previsto o pagamento de royalties que irão remunerar a universidade pelo invento e pela cessão de laboratórios e de pessoal para as atividades de pesquisa, quando o processo de comercialização começar.
Gerente de Operações da Rubian, Márcio fez um curso de empreendedorismo com apoio da Fapesp, quando realizou uma pesquisa com mais de 150 agentes do setor de atuação da Rubian. “A gente estava com foco no mercado industrial, mas, com a pesquisa, descobrimos potencial no mercado de farmácias de manipulação, que também podem se tornar nossos clientes no futuro”, conta o engenheiro de manufatura, também formado pela Unicamp.
Com o cacife e o networking do sócio mais experiente, a Rubian conseguiu construir uma rede de parceiros que viabilizaram a pesquisa, desenvolvimento e teste de quatro produtos básicos competitivos. O início da comercialização depende, agora, da construção de uma biorrefinaria, planta industrial de pequeno porte, ao custo de cerca de 1,5 milhão de reais, para os primeiros quatro anos de operação. “Estamos conversando com algumas fontes de recursos, como a Finep, investidores e empresas que já estão no mercado e pretendem ter alguma sinergia com o portfólio de produtos”, diz Eduardo, que é gerente geral da Rubian e espera contar também com equity crowdfunding na estratégia de captação.
JUVENTUDE E MATURIDADE, STARTUP E MUNDO CORPORATIVO
O Eduardo sempre transmitiu muita segurança, escolhendo algo não só pela questão financeira, mas que tivesse impacto e pudesse gerar valor para as pessoas e a sociedade”, diz Alex, lembrando que tinha certo receio de acabar se tornando um “funcionário” da própria empresa, por ser sócio minoritário, o que não se confirmou.
Sem experiências profissionais prévias, Alex e Márcio estão iniciando no mercado de trabalho já como sócios do ex-mentor, que conta: “No começo, pela inexperiência deles, e uma certa inflexibilidade minha, existiam dúvidas, mas nosso processo de adaptação foi muito rápido. Hoje a gente discute no mesmo nível, um questiona o outro e estamos muito bem. Essa molecada é boa, é muito alegre, não tem tempo ruim”. Eduardo, baby boomer, fala desse contraste de universos:
“Trabalhar em startup é o seguinte: um dia você está super feliz, no outro, está em depressão, mas está aprendendo o tempo todo. Em uma corporação, normalmente, se trabalha para melhorar processos. Já a startup te desafia o tempo todo a questionar, desfazer o que fez, criar algo novo”
Com produtos para ingressar no mercado, a Rubian espera iniciar a operação da planta industrial em cerca de um ano, na região de Campinas mesmo. Se tudo caminhar como planejado, será possível oferecer ao mercado elementos naturais da biodiversidade brasileira, obtidos por meio de processos de baixo impacto e alta qualidade, usando patentes nacionais para empregar, em um primeiro momento, cerca de 10 funcionários e alcançar um faturamento anual de 10 milhões de reais, em poucos anos, com foco no mercado externo.
Pergunto a Eduardo que conselhos ele daria a quem se inspirar por sua história. “Quem puder ter o privilégio de se aposentar e ‘se reiniciar’, deve programar bem a parte financeira, porque, se isto aqui der retorno, será em médio e longo prazo”, diz. Sem dar sinais de querer parar.
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