Transformar desenhos de crianças em bonecos reais já é por si só uma ideia irresistivelmente fofa. Mas e se por trás disso ainda houvesse um propósito, um papel social a ser cumprido? O Bololofos conseguiu juntar essas duas coisas. Criado em 2013 por um casal de publicitários, o ateliê surgiu com a proposta de produzir bonecos personalizados a partir de desenhos infantis.
Depois de três anos e uma série de dificuldades superadas, o negócio cresceu, se transformou e hoje, além dos bonecos sob encomenda, sua principal atividade a realização de oficinas nas quais as próprias crianças aprendem a produzir seus próprios bonecos. O passo além é levar essas oficinas a crianças em situação de vulnerabilidade, para que ao brincarem com a própria imaginação, sejam estimuladas a se tornarem mais confiantes.
Com mais de duas mil crianças impactadas nas oficinas este ano, o Bololofos viu seu alcance crescer muito. Mas, na verdade, desde o início do negócio eles foram surpreendidos pelo sucesso. E isso nem sempre foi bom. O negócio começou como muitos empreendimentos criativos. Frustrada com a rotina de diretora de arte em uma agência de comunicação, Graziella Poffo, 36, sentia a necessidade de ter um trabalho mais autoral. Durante um ano, ela e o marido, Thiago Espeche, 34, se prepararam financeiramente para que ela pudesse deixar o emprego. A demissão veio no final de 2012.
Com mais tempo livre, poderia se dedicar a um projeto novo. “Na época a gente ficou sabendo de uma canadense que transformava os desenhos dos filhos em bonecos de pano e achamos isso fantástico. Minha mãe (Udi Poffo, 66) sempre foi uma artesã muito habilidosa e já sabia trabalhar com costura. O que fizemos foi criar um projeto que juntasse as nossas habilidades”, conta ela.
O primeiro protótipo foi feito a partir de um desenho da afilhada do casal, que na época tinha 6 anos. “Ficou horrível. Tentamos de novo, e ficou horrível de novo”, lembra. Na terceira tentativa e depois de mudar o tecido, que a princípio era pelúcia e depois passou a ser plush, o resultado agradou. Eles produziram então mais 9 bonecos diferentes e criaram um portfólio suficiente para começar o negócio.
“Nosso investimento inicial foi praticamente nada além de um capital intelectual. Tínhamos tudo dentro de casa, minha mãe com os conhecimentos de costura, e nós com a bagagem publicitária. Nós mesmos criamos a identidade visual da marca, tiramos as fotos, montamos o site e as redes sociais. E lançamos!”, diz Graziella. Isso foi em setembro de 2013.
A página no Facebook chamou atenção rapidamente. Logo na primeira semana, surgiram pedidos de entrevistas para jornalistas. As reportagems saíram e choveram encomendas. Muito mais do que eles estavam preparados para assumir:
“Nos três primeiros meses recebemos mais de 150 pedidos. Foi apavorante. Não estávamos preparados para atender isso, o processo era totalmente artesanal”
Ela conta que nessa época eles levavam 15 horas para produzir um único boneco. O preço varia de acordo com o tamanho final do boneco, mas em média custa 230 reais. Foi preciso abrir uma fila de espera para administrar os pedidos mas, nem assim, Graziella ficou em paz: “A cada nova encomenda a gente entrava em pânico achando que não ia conseguir construir o boneco. Acho que esse sentimento só passou depois que passamos do centésimo”.
Se cada desenho de criança é único, cada boneco exige um projeto igualmente exclusivo. O diferencial do Bololofos é justamente o fato deles não “corrigem” traços nem interferem no original. “Se a criança desenhou uma pessoa com um cabeção e um corpinho, a gente vai fazer assim. Se ela fez uma girafa com 24 pernas, a gente vai colocar todas”, diz Graziella. O que no início era uma dificuldade, acabou se tornando o ponto forte do negócio. Os bonecos são realmente muito fiéis. “Estudamos cada desenho como uma obra de arte, respeitando todos os traços, formas e proporções e tornando aquilo realidade sem nenhuma correção do ponto de vista de um adulto”, afirma Thiago.
FOFURA NÃO PAGA AS CONTAS. E AGORA?
Apesar de encantadora, a produção dos bonecos personalizados não era um negócio lucrativo. A produção extremamente artesanal levava muito tempo, limitando a quantidade de bonecos e, portanto, o faturamento. Já não havia como voltar atrás, o jeito era inventar um jeito de tornar o que era um sonho em um empreendimento financeiramente viável. Diante do impasse, Graziella teve um insight: “Percebemos que nosso foco não devia ser o boneco, mas sim o desenho”.
A partir daí, teve início uma nova fase para o negócio. A primeira ideia foi expandir a atuação e começar a fazer decoração de festas infantis. Neste caso, em vez do aniversário ser temático de princesa ou super-herói, a criança poderia ter seus próprios desenhos na decoração. Este foi o primeiro passo para o Bololofos sair de ficar apenas na produção do boneco personalizado.
Ainda havia o desafio da escala, que é a antítese da exclusividade. Para enfrentá-lo, veio a coleção Bololofos Superstars. Era uma forma de manter-se na área (bonecos) mas ampliar o público e massificar minimamente a produção. “Usamos a estética infantil para criar, nós mesmos, bonecos de ícones pop. Produzimos o David Bowie, o Elvis Presley, o Joey Ramone”, diz Graziella. Foi um sucesso. Em setembro de 2015, foram produzidas 100 unidades para o lançamento. Com um preço de 190 reias, esgotaram rapidamente. Eles, então, lançaram uma segunda edição em janeiro deste ano. Mais uma vez venderam tudo.
Ao se aventurar no universo da cultura pop, Thiago e Graziella ficaram sabendo que o MIS (Museu da Imagem de do Som, em São Paulo) receberia uma exposição do cineasta Tim Burton em fevereiro deste ano.
Surgiu, então, a grande ideia — que mais adiante seria o ponto de virada do negócio.
“Não seria incrível montarmos uma oficina e em que as crianças pudessem criar seus próprios bonecos com o estilo do Tim Burton?”, diz Graziella. Sim, seria! Mas não seria tão simples assim.
Eles apresentaram o projeto e o museu gostou. Eles tinham feito uma simulação da oficina imaginada com seis crianças — mas o MIS queria 100! Novamente, o desafio da escala. Novamente, uma saída criativa. “Tivemos que repensar e acabamos criando um modelo de boneco híbrido, ou seja, que tem uma base mas pode se transformar em qualquer coisa à medida que a criança coloca pernas, braços etc”, conta Thiago.
Com essa adaptação, a oficina aconteceu e foi um divisor de águas para o ateliê. Enquanto ao fazer bonecos personalizados eles conseguiam produzir no máximo 50 unidades por mês, com oficinas, esse alcance seria muito maior. E foi. Depois do MIS, o SESC procurou o Bololofos para fazer oficinas temáticas no mês de julho deste ano. Era o mês do rock e cada criança produziria a sua própria guitarra. Participaram mais de 300. Olha a escala, finalmente, aí.
VOCÊ RESOLVE UM PROBLEMA, E PERCEBE QUE SUA MISSÃO É MUITO MAIOR
O terceiro parceiro levou o Bololofos além dos limites da capital paulista — e também do que eles mesmos pensavam sobre o negócio. Em outubro, o governo do Mato Grosso convidou o ateliê para realizar uma semana de oficinas em Cuiabá, numa parceria com o Sebrae e o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI). Dessa vez o público seria formado por 600 crianças em situação de vulnerabilidade. O tema da oficina foi adaptado para a ocasião, era “Meu monstrinho anjo da guarda” e cada criança criava seu próprio guardião, “um amigo para todas as horas”. Graziella fala de como encarou o desafio de trazer acolhimento em uma situação difícil, com crianças na faixa dos 6 a 7 anos:
“Nessa oficina, quisemos abordar a questão do trabalho infantil de uma maneira sutil. Nosso papel ali era usar a arte como instrumento transformador. Ao ver seus bonecos virarem realidade, a autoestima daquelas crianças se fortalece”
A oficina foi transformadora em muitos sentidos, especialmente para os sócios. Com a experiência, eles perceberam que tinham em mãos algo muito maior. Viram a possibilidade de encaminhar o Bololofos para um negócio de impacto social. É nesse sentido que eles seguirão caminhando.
Os erros, os acertos e o aprendizado de que é preciso se adaptar para superar dificuldades levaram o Bololofos a encontrar o modelo de negócio ideal. Com as oficinas, eles chegaram a uma fórmula que permite alcançar muito mais crianças e, assim, conseguiram tornar o negócio rentável.
Hoje, o ateliê tem um faturamento de 380 mil reais por ano (previsão para este ano de 2016). “Nos dois primeiros anos a gente aprimorou a técnica diminuiu o tempo de produção de cada boneco, mas somente neste terceiro ano, com as oficinas, que o negócio começou a dar retorno”, diz Graziella. O crescimento permitiu a contratação de duas costureiras e também mais dois auxiliares para as oficinas.
Além de expandir as parcerias (em novembro, novamente no MIS, aconteceu outra oficina, dessa vez o tema era Frida Kahlo), o Bololofos pretende ter um espaço próprio no próximo ano. “Queremos tirar o ateliê de casa e ter um espaço para a realização das oficinas que seja, na verdade, um centro cultural”, conta a fundadora.
No entanto, isso não significa fixar território. O Bololofos continua sendo itinerante. “No ano que vem temos um projeto também no Mato Grosso em que vamos ensinar mulheres de baixa renda a produzir os bonecos e a vendê-los, como forma de gerar renda para suas famílias”, diz Graziella. “Como temos um propósito social, nada melhor do que deixar esse legado por onde passarmos.”
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