No passado, o engenheiro paulistano Joel de Oliveira Junior, 51, nunca tinha sonhado em ser pai. Mesmo assim, teve três filhos – Vitor, Lucas e Arthur. E viu sua vida mudar completamente.
De uma pessoa com medo de assumir as responsabilidades paternas, Joel virou alguém que mal conseguia se lembrar como era viver sem os meninos.
Em 2013, porém, ele se viu sem chão quando o filho do meio, Lucas, morreu aos 2 anos e meio por causa de um neuroblastoma, um tipo de câncer infantil que cresce no sistema nervoso ou nas glândulas adrenais (localizadas próximas aos rins).
A perda, é claro, deixou uma marca e uma carga emocional colossais em Joel e sua família. Mas, depois de cinco anos, ele teve uma ideia de negócio que deu novo sentido ao seu luto.
“Aprendi que o tratamento é extremamente longo e os detalhes fazem a diferença”, diz Joel. Com isso em mente, ele empreendeu a Luckie Tech, startup que pretende auxiliar pais e médicos no tratamento do câncer infantil.
“Hoje o acompanhamento cabe ao pai e a mãe, que têm que medir a temperatura do seu filho a cada 3 horas. Os óbitos, muitas vezes, ocorrem por fatores decorrentes da baixa imunidade, como gripe, e não pelo câncer em si – daí a importância do monitoramento”
A solução, ainda em desenvolvimento, inclui um dispositivo físico, colado na axila da criança para monitorar sua temperatura (e, futuramente, outros quatro parâmetros), arquitetura em nuvem para receber os dados coletados e dois aplicativos: um destinado aos pais e outro aos médicos.
Para levar a solução ao mercado, a Luckie Tech precisa vencer duas etapas. A primeira é fazer um estudo clínico com 100 pacientes, entre crianças e adultos, durante um ano no Hospital de Amor (em Barretos, SP), que vai custar em torno de 650 mil reais; para ajudar a bancar esse estudo, Joel fez uma vaquinha virtual e vende camisetas da marca Luckie Tech.
A segunda etapa é receber a aprovação da Anvisa, a Agência de Vigilância Sanitária, o que deve ocorrer durante o estudo clínico.
Antes de empreender a Luckie Tech, Joel trilhou carreira em telecomunicações, com destaque para uma passagem pela Ericsson, primeiro no controle de produção de celulares e depois na área de logística; transferido para a matriz, passou algum tempo na Suécia.
Ele também tem experiência na área comercial. No Brasil, passou dois anos na Embraer, atuando com vendas e desenvolvimento de novos negócios:
“Trabalhar nas empresas me ajudou a desenvolver o lado criativo para desenvolver produtos e me ensinou a negociar, o que fiz bastante enquanto estava desenvolvendo a startup”
A seguir, Joel fala sobre sua trajetória, os desafios vivenciados na luta contra o câncer de seu filho e como a solução da Luckie Tech poderá ajudar outras pessoas com a doença:
Como vocês descobriram que Lucas tinha câncer? Quais foram os sintomas?
Quando o Vitor tinha 2 anos, o Lucas nasceu sem nenhum problema de saúde. Mas com o passar do tempo, começou a ter algumas febrinhas e o médico falava que era virose.
Um dia antes de comemorar o aniversário de 1 ano dele, senti um negócio mais durinho no lado esquerdo da barriguinha. Levei ele em um hospital de São José dos Campos e assim que o médico o examinou já pediu para fazer um ultrassom.
Com o resultado em mãos, falou que o Lucas estava com câncer e o mandou para o GACC (Grupo de Assistência à Criança com Câncer).
Não acreditei quando ouvi, ficamos sem clima para fazer festa de aniversário e passamos a viver um luto total com a pessoa viva do nosso lado. Fizemos mais alguns exames que confirmaram a existência do neuroblastoma, ainda no começo
Lucas passou por um tratamento demorado de 1 ano e meio, mas infelizmente morreu no dia 28 de junho de 2013. Existe uma suspeita de que ele estava com uma gripe forte quando faleceu.
Eu nunca pedi para Deus curar meu filho. Sempre pedi o melhor e é muito difícil pedir o melhor. Se o melhor coincidir com o que você quer, legal. Mas se não coincide com o que você quer, é muito doloroso.
Acho que foi a época mais difícil da minha vida. Três meses depois nasceu o Arthur: não tive muito tempo para pensar, porque tinha outra vida para criar.
Como e quando surgiu a ideia da criação do Luckie Tech?
Durante quatro, cinco anos eu fiquei pensando em como ajudar a causa da criança com câncer infantil, mas não com dinheiro.
Até que sonhei com o dispositivo do Luckie Tech. De manhã acordei e coloquei a ideia do aparelho no papel. Na sequência, falei com o médico que tinha cuidado do meu filho e contei como eu queria ajudar aquelas crianças daquele hospital
Ele disse que a minha ideia era tecnicamente possível de fazer e ainda poderia salvar muitas vidas. Contei para outras pessoas e, em 2018, deixei a minha carreira corporativa e comecei o projeto da Luckie Tech.
Depois o William Souza, presidente da Proa.AI que eu conhecia desde criança, ao ouvir falar sobre meu projeto disse que tinha tudo a ver com o que ele pensava, e que sua empresa de inteligência artificial poderia ajudar – essa parte só vai entrar depois que tivermos dados dos pacientes.
Junto comigo, como sócio, investimos mais ou menos 2,5 milhões de reais. O CNPJ da empresa saiu no dia 28 de junho de 2019, seis anos depois da morte do Lucas.
Como o produto da Luckie Tech funciona?
O projeto foi desenvolvido com a parceria de algumas empresas. Em 1º de julho de 2019, mesmo dia que eu abri a empresa fisicamente no parque tecnológico de São José dos Campos, uma rede de televisão visitou o local e me entrevistou. Não tinha nada para mostrar, só um protótipo do protótipo, quase um “band-aid”.
Depois disso, o presidente da Embraer quis conhecer melhor o produto. Ele gostou e quis presentear a Luckie com a arquitetura de nuvem da empresa, algo que foi feito funcionar junto com a Compass UOL.
No final de 2020, eu e o meu sócio tínhamos desenvolvido o primeiro protótipo. Em março de 2021, teve o segundo protótipo. E de julho a agosto de 2021, tínhamos o protótipo físico final, que é a parte física do projeto
Para tudo funcionar, ainda faltavam os dois aplicativos, um dedicado aos pais e outro aos médicos, e a geração de dados – algo que só será feito no estudo clínico. A Proa ajudou no desenvolvimento dos aplicativos e, depois que gerarmos dados, teremos elementos para inferir. A IA [da Proa] será capaz de ajudar os médicos a tomar algumas decisões.
O dispositivo está preparado para atender até cinco parâmetros, mas tem só um único parâmetro funcionando 100%, que é o da temperatura. Os próximos na lista de prioridade de desenvolvimento são batimentos cardíacos e impedância respiratória.
Por enquanto, os outros dois parâmetros, não sei o que serão. O desenvolvimento de cada parâmetro custa de 350 mil a 400 mil reais. Para colocar cada parâmetro no dispositivo precisa de uma certificação na Anvisa que é de 300 mil reais.
O aparelho é recarregável; a bateria dura 22 dias. O adesivo mais parece uma fita dupla face e foi feito com um material antialérgico. Ele gruda na pele da criança e foi desenvolvido pela Johnson & Johnson. A indicação é mudar de lugar no corpo depois de sete dias e o adesivo pode ser trocado regularmente
Ainda terá alguns ajustes, mas a tecnologia está funcionando. Agora a gente vai para outra etapa, de estudo clínico, em que precisamos de recursos para pagar várias coisas – entre elas, a alimentação dos pais que acompanharão seus filhos [nos estudos clínicos].
Qual mudança a Luckie Tech trouxe para você e a sua família?
Para investir na Luckie Tech, vendi minha casa e meu carro, e meus filhos sentiram na pele a baixa do padrão de vida. Eles perderam divertimento em prol desse sonho.
Acredito que todo mundo tem uma missão, para fazer a vida valer a pena. Quando você ganha [apenas] para si, considero errado: temos que fazer completamente o contrário. Quando você está fazendo para o outro, você ganha o melhor presente
As pessoas falam: “Foi sorte a Embraer e a Proa ajudarem”. Não foi “sorte”, porque estamos comunicando de verdade, com coração, fazendo para o outro – e isso irradia para as outras empresas, que querem ajudar. A melhor parte dessa mudança foi poder ajudar as pessoas.
Como você planeja monetizar o produto? E quais são as metas e expectativas do Luckie Tech para o futuro próximo?
Depois que a parte da temperatura estiver rodando, a gente já vai começar outros parâmetros.
Vamos disponibilizar tudo [aparelho, tecnologia e app] por 1% do custo médio mensal de uma criança em tratamento de câncer no Brasil (30 mil reais). Por mês, a Luckie Tech vai custar 300 reais, para assim alcançar o maior número possível de crianças e fazer um monitoramento sete dias por semana, 24 horas por dia.
A ideia é que o projeto seja comprado por planos de saúde – e atinja todos os hospitais e clínicas do país
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