Recentemente, em uma das pesquisas internas que a área de Recursos Humanos da Sodexo costuma fazer com seus colaboradores, a diretora Fabiana Galetol descobriu que 60% deles querem manter-se trabalhando em sistema de home office.
A princípio, o trabalho remoto exigido pela pandemia de Covid-19 representou um desafio tanto para as empresas (que precisaram oferecer estrutura e manter o engajamento) quanto para seus colaboradores (que tiveram que se equilibrar entre as reuniões, os filhos em casa e as tarefas domésticas).
Agora, no entanto, grande parte deles parece não apenas adaptada, mas também feliz. Sinal de que o RH das empresas pode relaxar, certo? Nada disso, diz Fabiana. “O modelo de trabalho híbrido nos traz, agora, novos desafios”, afirma ela.
“Vamos ter que saber orquestrar flexibilidade com autonomia e poder de tomada de decisões”, explica. “Vai ser preciso trabalhar muito a questão da cultura e vamos ter que ser inclusivos em todos os sentidos, pensando em como preparar gestores para liderar as equipes de maneira remota.”
Por isso, Fabiana diz que o RH nunca teve um papel tão relevante nas organizações. O “RH centricity”, no entanto, vive uma aparente ambiguidade.
“Por um lado, temos aquele chamado de urgência para sermos rápidos, objetivos, analisarmos muitos dados para levar melhores experiências aos colaboradores”, diz ela. “Ao mesmo tempo, nunca fomos tão demandados para sermos acolhedores, empáticos, sensíveis, zelarmos pelo bem-estar e pela saúde emocional das pessoas.”
Nesta entrevista, Fabiana conta sobre esses desafios que os times de Recursos Humanos terão que lidar, como promover resiliência para tempos disruptivos, fomentar diversidade nas lideranças, trabalhar com dados e acatar a nova proposta de valor do colaborador, que agora passa, também, por saúde mental, propósito e responsabilidade social.
Neste cenário que ainda vivemos de pandemia, portanto com trabalho remoto ou, em breve, híbrido, quais são os principais desafios que os RHs das empresas estão enfrentando?
Queria apenas fazer uma contextualização importante: o RH nunca foi tão relevante como agora. Vivemos uma ambiguidade. Por um lado, temos aquele chamado de urgência para sermos rápidos, objetivos, analisarmos muitos dados para levar melhores experiências aos colaboradores. Ao mesmo tempo, nunca fomos tão demandados para sermos acolhedores, empáticos, sensíveis, zelarmos pelo bem-estar e pela saúde emocional das pessoas. Isso, por si só, já é um desafio.
E como se reduz essa ambiguidade? Quanto mais centrados estivermos na pessoa, na experiência do colaborador, menor ela é.
O RH vinha de uma atuação mais tradicional e teve que se moldar a esse novo RH. Mas isso não é algo simples de ser feito. Temos que olhar para as novas realidades do mercado, forçando as empresas a adaptarem estratégias e modelos de negócio e a estarem atentas às transformações digitais, implantarem novas tecnologias em escala, trabalharem o volume de dados. O RH precisa atuar como um parceiro de negócios garantido que a experiência do colaborador seja cognitiva, personalizada e transparente para maior engajamento e, consequentemente, melhores resultados.
Com a pandemia tivemos que acelerar a reestruturação do fluxo de trabalho, mas no centro disso há as pessoas.
Há as pessoas que fazem, que implementam e que são afetadas direta e indiretamente pelas mudanças. Isso tudo trouxe um imperativo muito grande para as empresas: o de se tornarem inerentemente humanizadas. É preciso construir engajamento com funcionários remotos, fomentar confiança em tempos muito incertos e cultivar uma força de trabalho muito mais resiliente e diversa – ou seja, uma força de trabalho sustentável. O pano de fundo são as mudanças gerais e essa ambiguidade com as quais o profissional e o líder de RH têm que conviver.
Que aspectos estão embutidos quando falamos em “experiência do colaborador”?
Nossas necessidades mudaram com a pandemia. Essa força de trabalho hoje demanda muito mais da organização. Tratamos isso como “employee centricity” – “colaborador no centro”. Isso quer dizer ouvir as necessidades a partir do colaborador. E, em uma era em que a linha entre escritório e casa continua a se confundir, a família do funcionário também experimenta a empresa e, portanto, deve ser considerada ao projetarmos e aprimorarmos a experiência de qualquer colaborador.
E são várias as necessidades – desde identificarmos quais as competências e habilidades críticas para esse ambiente de rápida evolução até termos uma visão mais holística do colaborador.
Precisamos fazer um redesenho organizacional. É necessário ter muito mais flexibilidade ao mesmo tempo em que é preciso ter agilidade na tomada de decisões. Como ouvimos o colaborador, entendemos sua necessidade e fazemos esse desenho de processos, contratos, networking? Não posso perder cultura, mas tudo isso tem que ser feito a partir da experiência do colaborador – em que é preciso pensarmos na saúde emocional, na saúde física, em preparo de competências, em flexibilidade, em cultura e em crescimento. Confiança, transparência, experiência holística do funcionário que engloba até a família se tornam imperativos.
Como funciona na Sodexo essa questão do “employee experience”?
Estamos atacando em todas essas frentes que citei. A Sodexo tem a preocupação com a experiência do colaborador em seu DNA, já que é uma empresa de qualidade de vida. Nossa adaptação às novas necessidades do colaborador, principalmente a questão com a saúde, foi muito mais fácil. Temos programas que oferecem esse respaldo ao colaborador. Estamos o tempo todo ouvindo e usando cada vez mais dados para tomada de decisão.
O Apoio Pass, por exemplo, sempre foi parte do nosso pacote, e agora só reforçamos sua importância, estimulando o colaborador a utilizar cada vez mais – e a utilização de fato cresceu muito.
Somos uma empresa muito humanizada. Nosso gestor tem isso também em seu DNA. Ele ouve, é empático, colaborativo. E temos agora um programa que se chama Lidera!, voltado para lideranças. Ao mesmo tempo em que o Grupo Sodexo tem um pacote de treinamentos e competências, a gente aqui no Brasil vai oferecer a partir de junho esse novo programa para todos os líderes justamente com o chapéu de “gestão remota”.
No Lidera, vamos trabalhar todas as habilidades necessárias para esse futuro do trabalho, com novas ferramentas, discussões e desenvolvimento de competências necessárias.
E é fundamental ouvir o colaborador, o que já fazemos muito. Desde março de 2020, quando começou a pandemia e o trabalho remoto, estamos escutando e medindo o sentimento do colaborador para entender se entregamos aquilo que é valor para ele – porque é impossível entregar o que não conhecemos. Por isso, essa experiência é a partir do colaborador, e não apenas nós desenhando o que achamos dentro do RH que é necessário.
Vamos migrar agora para o modelo híbrido. Na última pesquisa, 60% dos colaboradores disseram que preferem se manter trabalhando em casa todos os dias.
A gente teve muito cuidado para entregar todas as ferramentas necessárias: computador, cadeira, pacote de internet, tudo para que ele tivesse a mesma experiência em casa. Além disso, temos muita atenção ao manter os rituais, todos aqueles que fazíamos no mundo físico, para estimularmos a colaboração e o engajamento, sem perder o contato, ainda que seja virtual.
Recentemente, para deixarmos essa integração mais leve, criamos o Sextou, um programa simples em que convidamos os colaboradores a mostrar, às sextas-feiras, seus talentos.
E também convidamos a família para participar: a experiência do colaborador saiu das paredes da empresa e entrou na casa dele. Hoje, portanto, é vivenciada também pela família. Na semana passada, o Sextou trouxe o filho de uma colaboradora fazendo uma apresentação de mágica. Em outra ocasião, um colaborador apresentou um treino de artes marciais com a esposa. No primeiro ciclo, fizeram uma receita vegana e uma criança dançou.
Você ficou surpresa com esse resultado de 60% pretenderem permanecer no home office?
Sim, esse dado me surpreendeu. Podemos separar os colaboradores em grupos. Há o grupo que não tem estrutura adequada em casa, e falo de espaço e até da estrutura familiar, como ter filhos estudando em casa ou companheiro(a) no mesmo local. Para eles, de fato, isso continua sendo um desafio. Há o grupo que tinha um certo medo ou uma resistência ao sistema remoto e, como aquilo teve que funcionar por imposição, agora quer manter por opção. E tem o grupo que sempre soube que ia se adaptar muito bem, porque tem facilidade.
Pensei que haveria um equilíbrio, que as pessoas estavam um pouco mais ansiosas para voltar. Mas vejo que não, que elas se adaptaram bem.
A ansiedade talvez esteja agora muito mais em poder ter de novo aquele momento do cafezinho, do almoço, do contato com as pessoas, mas o trabalho em si funcionou remotamente. A tecnologia ajudou. Passamos a ter reuniões muito mais produtivas. Vi gente aqui na Sodexo comentando que tem, agora, mais contato com o time do que tinha antes. Ou gente dizendo que está vendendo ou produzindo mais porque não tem mais o deslocamento, o estresse do trânsito. Gente feliz porque está acompanhando de perto o crescimento dos filhos. Ainda precisamos estar atentos à disciplina de horários, pausas entre reuniões, cuidados com a saúde mental e física. Mas agora o modelo híbrido, que tem que ser pensado de maneira remota, vai trazer outros novos desafios.
As empresas ainda encontram dificuldade em fazer a gestão remota de seus colaboradores?
Todo mundo teve que se adaptar por imposição e isso funcionou. Aprendemos a trabalhar assim: nós, Sodexo, e o mundo. A maioria conseguiu extrair aprendizado e valor de todo esse momento. Vários dos desafios no início, de infraestrutura tecnológica, hoje não são mais um grande problema para as empresas. Surgiram modelos de apoio de espaços de coworkings que podem ser reservados a partir de geolocalização. Você entra no aplicativo, escolhe um local próximo da sua residência e vai até lá usar a estação de trabalho se não conseguir trabalhar de sua casa. Novos modelos de negócio e de trabalho vem sendo desenvolvidos e foram acelerados em função da pandemia.
Você falou dos novos desafios que o modelo híbrido deve trazer. Quais são eles?
O trabalho híbrido agora, que vai manter um grupo presencialmente, mesmo que dois ou três dias por semana, vai possibilitar que exista um escritório diferente. Ele vai ser um ponto de apoio para a colaboração, para fazer design thinking, por exemplo. Não é mais apenas um posto de trabalho, e sim um espaço de colaboração. Nem perguntamos na pesquisa se alguém queria voltar 100% do tempo na empresa. A pergunta era: você tem interesse em ficar 100% em casa ou em ir até três dias no escritório?
Agora vamos ter que saber orquestrar flexibilidade com autonomia e poder de tomada de decisões. Vai ser preciso trabalhar muito a questão da cultura, pensando no remoto em primeiro lugar.
Por exemplo: hoje as reuniões remotas funcionam bem. Mas imagine com metade das pessoas fazendo a reunião em casa e a outra metade no escritório? Quem não está lá com os demais pode se sentir menos incluído. Pode pensar: será que estou perdendo espaço porque não estou lá? Será que porque estou perdendo o cafezinho ou o almoço não estou sendo visto? Por isso, vamos ter que ser inclusivos em todos os sentidos. E por isso é tão importante preparar lideranças pensando no remoto – e entendendo que o modelo é híbrido.
É preciso então ter tecnologias que funcionem bem para o modelo híbrido, espaços de colaboração e convites para os colaboradores estarem de tempos em tempos nessa convivência.
Vamos ter que fazer eventos de vez em quando, trazer todo mundo para perto, estimular o líder que faça algumas reuniões presenciais. Vai ser, outra vez, um aprendizado para todos nós. Por outro lado, isso tudo permite que possamos contratar talentos em todos os locais do país, não só restritos a onde estão nossos escritórios. Para a Sodexo, isso nunca foi um problema. Temos colaboradores espalhados por todo o Brasil. Mas tanto nós como outras companhias ainda pensávamos que o colaborador que está no Nordeste atenderia o Nordeste porque está longe da matriz em São Paulo. Agora não. Ele pode estar em qualquer lugar do país para isso.
De qualquer forma, a relação com os clientes e fornecedores também vai funcionar no modelo híbrido. Alguns vão querer o contato físico, outros não.
Assim como algumas funções ainda vão exigir o trabalho presencial. Por isso, vamos estar adaptados para todas as realidades. Essa flexibilidade nas novas formas de trabalhar é importante. Quem exigir presença física cinco dias por semana vai perder os melhores talentos. Antes, quando fazíamos a entrevista com o candidato a uma vaga, a pergunta era: “Onde é a matriz da empresa e como chego lá?” Agora é: “Quantos dias preciso ir para o escritório?” ou “Posso trabalhar da minha casa 100% do tempo?” Dependendo da resposta, esse candidato talvez nem se interesse em trabalhar com a gente. Ele quer saber agora de: saúde mental, saúde física, tempo de trabalho e trabalho em casa. As empresas que já estão adaptadas e prontas para oferecer isso vão conseguir captar os melhores talentos do mercado.
Com quais réguas se mede a experiência do colaborador?
É fundamental hoje o gestor de RH ter dados. Para isso, há o famoso People Analytics. Precisamos ter todo tipo de dado para fazer todo tipo de cruzamento possível e, assim, oferecermos uma experiência cada vez melhor para o colaborador. Pegamos dados de pesquisa, que fazemos o tempo todo, informações de RH, contrato, plano médico, utilização de nossos benefícios, treinamentos e seleção, onboarding e mesmo offboarding, quando o colaborador sai da empresa porque decidiu, por decisão da companhia ou por aposentadoria.
E, mais importante que tudo isso, é a interação do gestor com os colaboradores. Ele tem que fazer uma gestão genuína e intencional.
Deve ouvir de fato. Precisa entrar nas reuniões e perguntar: como vocês se sentem, o que posso fazer? A partir dessa escuta ativa também extraímos dados que nos oferecem informações, insights, para tornar nossas decisões mais bem fundamentadas e melhores para o colaborador e para o negócio. Depois de medir isso tudo, nós fazemos as entregas e escutamos de novo. É uma retroalimentação constante. A jornada do colaborador começa antes mesmo de ele entrar na Sodexo, e ela toda nos interessa. Antes, os dados ficavam espalhados em planilhas e avaliados isoladamente. Hoje, com uso de soluções de análise de dados, podemos cruzá-los para conhecer melhor nosso colaborador e tornar a experiência dele melhor.
De que forma treinamentos e outras ferramentas de qualificação podem ser feitas nesse modelo de trabalho atual?
Fazemos vários treinamentos aqui na Sodexo e isso é um grande diferencial. Percebemos desde o início essa necessidade de manter o colaborador interagindo com a gente. Por isso mensalmente, desde março de 2020, fazemos um evento com toda a Sodexo Benefícios, com os 600 colaboradores, que se chama Conectados. É, como diz o nome, um momento em que estamos todos juntos e nos conectamos mesmo, trazendo informações relevantes e nos abrindo para perguntas e respostas.
Temos também outro programa, o Conectando Conhecimentos, que acontece, pelo menos, quatro vezes ao mês, em que abordamos todo tipo de tema: de competências a saúde.
Já falamos de autorresponsabilidade e autonomia e também trouxemos um infectologista para debater as questões de saúde nesse momento de pandemia. Também reunimos grupos menores para discussões sobre temas específicos, como melhores práticas em Home Office. Aprendemos uns com os outros. Essa é uma iniciativa opcional, mas virou uma marca. E a gente ouve os colaboradores para saber quais são os temas que gostariam que a gente trouxesse. Agora em junho temos o mês da diversidade e vamos trabalhar os pilares de gênero e de origem, por exemplo. Para nos mantermos conectados não precisamos estar no mesmo ambiente físico.
Como vocês trabalham a diversidade para que ela chegue até as lideranças e acelere a mudança?
Essa é uma parte fundamental de nosso DNA como empresa. Fazemos treinamentos sobre viés inconsciente, liderança inclusiva, entre outros. Os nossos dois pilares centrais agora, no Brasil, são gênero, com foco em mulheres em cargos de liderança, e inclusão racial. Para o primeiro, temos métricas e fazemos trabalhos de desenvolvimento das mulheres para assumir esses cargos de liderança. Hoje nosso equilíbrio é muito positivo de uma maneira geral. Na liderança é bom, mas temos um target para acelerar isso. Sobre o pilar racial, temos um anúncio importante para ser feito em junho agora.
Muito além de política pública, passou do tempo de equidade racial estar apenas na agenda de responsabilidade social de empresas no Brasil. Saiba o que grandes organizações, como a Sodexo, estão fazendo em prol dessa causa.