Durante a infância, Carmela Borst costumava ter sempre em sua casa pilhas de roupas, cobertores e cestas básicas. Sua mãe, Zina de Miranda, era líder de uma ONG que arrecadava e distribuía mantimentos para desabrigados vítimas de enchentes.
Nordestina, desquitada e jovem recém-chegada em São Paulo, dona Zina era uma mulher disruptiva em plena década de 1970.
“Venho de uma família de mulheres fortes, em que combater o preconceito e as injustiças sociais é naturalizado”, diz Carmela, a filha orgulhosa. “O meu propósito nasce da minha história e das minhas crenças.”
Por falar em propósito: Carmela, 52, é a empreendedora à frente da SoulCode Academy. A edtech capacita pessoas desempregadas para trabalharem no mercado de tecnologia, oferecendo cursos online – gratuitos – de iniciação profissional e inclusão digital.
“A dor do desemprego é a segunda maior do mundo, só perde para o luto. Quando não tem emprego, a pessoa vive tensa, com medo e sem perspectivas. Daí a importância de trabalhar a autoestima e resiliência junto a habilidades técnicas”
O negócio resolve duas grandes dores, uma social e outra de mercado. De um lado, há 30 milhões de brasileiros desempregados. Do outro, faltam profissionais especializados em tecnologia.
De acordo com um estudo da Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação e de Tecnologias Digitais, é estimado que haverá um déficit de 800 mil profissionais especializados em tecnologia até 2025.
Segundo Carmela, a SoulCode Academy já formou mais de mil alunos. Desses, 53% são mulheres; 43%, pretos ou pardos. Agora, a meta, ambiciosa, é chegar a 5 mil formados até o fim de 2023.
EMPRESAS PARCEIRAS CUSTEIAM OS CURSOS E ABSORVEM OS FORMADOS, ELEVANDO A TAXA DE EMPREGABILIDADE DA EDTECH
As formações da edtech duram entre três e quatro meses. Há opções em Análise de Dados e Mídia de Performance, Engenharia de Dados e Desenvolvimento.
Além do aprendizado especializado, o aluno recebe aulas de inglês e mentorias. Há também sessões de desenvolvimento de soft skills, como linguagem corporativa, autoestima e senso de comunidade, esta última via parceria com o Instituto Ser +.
Ao final do intensivão, os melhores são selecionados para trabalhar em grandes empresas parceiras da edtech, como a marca de bebidas TNT, Santander, Deloitte, Raízen, Pag Seguro e PagBank. A taxa de empregabilidade, segundo Carmela, é de 96%. A SoulCode fatura por meio dos contratos com a parceiras, que também custeiam os cursos seguintes da startup.
Com mais de 50 funcionários, a SoulCode opera em formato híbrido (com um escritório na região da Avenida Paulista). O time é composto majoritariamente por mulheres, e cerca de 20% são soulcoders, como são chamados alunos que se formaram nos cursos da startup. A faixa etária varia dos 19 aos mais de 60 anos.
A EMPREENDEDORA SE DIVIDE ENTRE O DIA A DIA DA STARTUP E O VOLUNTARIADO
Formada em administração de empresas pela FEI e com especializações na ESPM, Stanford, Harvard e IBGC, Carmela tem mais de 25 anos de experiência nas áreas de tecnologia, marketing e diversidade. Entre 2013 e 2017, foi vice-presidente da Oracle para América Latina. Na sequência, ocupou o mesmo cargo na AON, empresa inglesa de serviços financeiros.
Paralelamente à carreira de empreendedora (e inspirada pelo exemplo de sua mãe, dona Zina), Carmela atua como ativista social e voluntária nas ONGs Casa do Zezinho e CUFA.
Desde 2015, ela também é conselheira da Gerando Falcões, organização sem fins lucrativos de serviços de educação, desenvolvimento econômico e cidadania em territórios de favelas (confira aqui nossa entrevista com Edu Lyra, criador da ONG). Segundo Carmela:
“Há um movimento de ressignificação e empoderamento do termo ‘favela’. Há inovação, startups e negócios de impacto nas periferias. Muitas soluções para problemas reais da sociedade virão de fora das bolhas das grandes empresas e big techs”
Dois sócios completam o time de fundadores da SoulCode. Fabrício Cardoso tem passagens em cargos de liderança pela EY e pela israelense Kenshoo (hoje Skai), empresa de inteligência de mercado; Silvio Genesini, trabalhou 26 anos na Accenture, foi presidente da Oracle, Estadão e Lide Tecnologia, e é conselheiro de empresas como BR Malls, Ânima e SalesForce.
O IMPORTANTE É GARANTIR O IMPACTO DA SOULCODE (MESMO SE NO FUTURO ELA DECIDIR SAIR DO NEGÓCIO)
Recentemente, a SoulCode anunciou um investimento da Gran Cursos Online. Fundada em 2012, a empresa de educação mantém uma plataforma de aulas preparatórias para concursos públicos, exames, residências multiprofissionais e de pós-graduação.
Em 2021, a própria Gran Cursos recebeu um aporte do Fundo de Impacto e ESG do BTG Pactual.
De valor não divulgado, o investimento da Gran Curso na SoulCode Academy é minoritário e pode aumentar gradativamente nos próximos anos – com a possibilidade de aquisição total até 2026.
Diante da perspectiva de uma possível saída do negócio no futuro, a sócia e CEO Carmela afirma:
“Sou muito pragmática. É necessário pensar na saída para tudo – de negócios a relacionamentos. O importante é construir bases fortes e verdadeiras e trabalhar para que exista um legado. Assim, independentemente da sua presença, o impacto na vida das pessoas continuará existindo”
Enquanto isso, Carmela diz que vem pensando em como ensinar letramento digital para crianças. Ela cita o exemplo de Singapura, onde os pequenos aprendem a codificar em escolas públicas, a partir dos 4 anos de idade.
“São as crianças de hoje que farão as próximas grandes invenções. Elas usarão a tecnologia para transformar o mundo para melhor.”
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“Nerd da favela”, João Souza sempre fugiu dos estereótipos. Hoje ele lidera a ONG FA.VELA, com foco em educação digital e empreendedorismo nas periferias, e a Futuros Inclusivos, agência de consultoria que atende empresas e governos.
Como engajar as crianças a respeito de temas importantes? Com gibis vendidos a escolas públicas, a Sênior Editora estimula a curiosidade e o prazer pela leitura enquanto aborda assuntos que vão da neurodiversidade ao vício em jogos online.